JOÃO GABRIEL
BELÉM, PA (FOLHAPRESS)
As divergências diante do plano contra combustíveis fósseis impulsionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ameaçaram implodir a COP30, a conferência sobre clima das Nações Unidas
No fim, mesmo fora da decisão final da negociação, o tema ganhou um holofote inédito na agenda climática.
“Ele trouxe uma nova dimensão para a COP e aumentou sua relevância política. Foi um desafio no processo, mas um acerto político ter pautado isso nas negociações”, afirma à reportagem o presidente da conferência, André Corrêa do Lago.
Agora, por iniciativa própria, ele fará o chamado mapa do caminho para o fim dos combustíveis fósseis.
Nas negociações, o plano enfrentou resistência sobretudo dos países árabes, e para convencê-los a aderir a este novo documento, Lago aposta em integrar a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) à discussão.
“É uma coisa que os países vão fazer se eles acharem que vão se dar bem”, afirma.
PERGUNTA – Qual vai ser o resultado final do mapa do caminho que vocês vão fazer? Um estudo?
ANDRÉ CORRÊA DO LAGO – A gente tem que primeiro reunir informações de diferentes visões sobre esse processo, organizar as informações disponíveis, todas publicadas por agências diferentes, que naturalmente tem o seu viés. Mais ou menos como foi o mapa do caminho de financiamento. Vai ser uma contribuição para que o tema entre, de maneira mais racional e legítima, nas discussões de clima.
P – E como convencer os países a seguir o que esse documento disser?
ACL – Tem a ver com implementação, não negociação. Eu gostaria que você tentasse entender o que nós estamos tentando fazer: explicar para o mundo que a gente tem que parar de olhar para a COP como apenas uma fábrica de decisões na negociação. Nós achamos que fazer coisas com base nas decisões que já aconteceram é o que realmente o momento exige, diante da urgência climática. Mais do que mandar os países fazerem outras coisas, tem que acelerar o que já foi decidido.
P – Mas para ser implementado, os países precisam concordar
ACL – É uma coisa que os países vão fazer se eles acharem que vão se dar bem.
P – E como convencer os árabes de que eles vão se dar bem?
ACL – Nós vamos aproveitar a Opep para ser uma das fontes de informações e discussões.
P – Durante a negociação, quais argumentos foram usados para tentar convencer os árabes?
ACL – Eram mais de 80 países contra o mapa do caminho. Um país como a Arábia Saudita tem hoje equipes extraordinariamente competentes, conhecem a negociação do clima no seu mínimo detalhe, as implicações econômicas, políticas e os procedimentos de maneira indiscutível.
Então, essa mesma competência ela tem também no planejamento do seu futuro. Ela está investindo enormemente em alta tecnologia, em novos setores da economia, porque eles têm consciência de que a agenda climática pode ter um forte impacto sobre o modelo atual do seu desenvolvimento econômico.
Portanto, a Arábia Saudita é provavelmente o país que está desenvolvendo cenários mais interessantes sobre essa questão. E há vários motivos para isso, mas por exemplo: mais de 50% do petróleo do mundo é usado para combustível, para diesel e gasolina. Agora, se o mundo está indo inevitavelmente para a direção dos carros elétricos, isso significa que você já vai ter uma redução de 50% do consumo mundial de petróleo.
P – E nem assim os árabes aceitaram colocar o tema no documento?
ACL – Os árabes sabem disso melhor do que nós. Eles estão buscando de que maneira usar petróleo em outros setores, e tentando mostrar que eles podem fazer com petroquímica produtos que emitem menos do que o equivalente com outros materiais. Por exemplo, na construção. Se a Arábia Saudita produzir uma estrutura de edifício, com petroquímica, que emite menos [CO2] que o aço, ela terá um produto totalmente integrado à nova lógica econômica.
P – Mas se eles planejam isso, por que não aceitar?
ACL – Porque a maioria dos países em desenvolvimento, e nisso sempre se incluiu o Brasil, China e Índia, tradicionalmente não aceitam uma regra internacional que restrinja suas opções de desenvolvimento, a soberania dos países em escolher o caminho que eles consideram o melhor.
P – A entrada do mapa do caminho atrapalhou as negociações?
ACL – Ele trouxe uma nova dimensão para a COP e aumentou sua relevância política. Foi um desafio no processo, mas um acerto político ter pautado isso nas negociações.
P – Houve algum momento das negociações que o sr achou que tudo ia colapsar?
ACL – A grande preocupação para um diplomata que está tratando de um processo no qual ele acredita é que alguns atores desse processo cheguem à conclusão que é melhor acabar com o processo. Como tenho absoluta convicção de que manter o Acordo de Paris é muito importante para o combate à mudança do clima, o que nós menos queríamos era que a COP provocasse um colapso do processo.
Então, em vários momentos, dos dois lados. De um lado, os países que temiam os fósseis nos disseram que [se isso entrasse] acabava o pacote [de decisões]. E também o lado europeu manifestou essa possibilidade.
P – E como foi possível fazer com que chegassem a um acordo?
ACL – A gente insistiu muito que nesta negociação a gente devia propor as soluções que viessem dos países, a presidência quis estimular que aqueles que não se entendessem fossem para um canto, como aconteceu na plenária final, fizesse um grupo e viesse para uma solução. Só que esse processo, às vezes, pode ser muito longo. Foram 17 horas de reunião [entre sexta e sábado].
P – O sr pediu ajuda do Lula para destravar as negociações?
ACL – Sim, várias. Quando eu disse no meu discurso que dificilmente um presidente se empenharia tanto quanto o presidente Lula se empenhou na COP, é a pura realidade. O presidente, na África do Sul [para o G20], falou com vários chefes de Estado.
P – O incêndio atrapalhou as negociações?
ACL – O incêndio foi muito bem manejado, mas perdemos várias horas, mais de seis. É difícil mandar as pessoas voltarem às 20h da noite [para negociar, na hora que o pavilhão foi liberado], 22h
pretendia passar aquela noite em claro, mas porque eu queria tentar acabar a COP na sexta e devo admitir que eu teria achado muito simpático.
P – Qual foi o impacto da ausência dos Estados Unidos nessa COP?
ACL – Algumas delegações de países desenvolvidos diziam, no começo, que a ausência dos Estados Unidos poderia impedir retrocessos. Na medida que a negociação avançou, ouvi, de outros países desenvolvidos, outra interpretação: de que os Estados Unidos não são os mais ambiciosos, mas dão um peso muito importante às ambições dos países desenvolvidos. Então faltou um peso adicional para [ter] uma maior ambição de países desenvolvidos.
Se os EUA se comportam de maneira construtiva, a presença deles ajuda os países desenvolvidos. Agora, a posição dos países desenvolvidos ficou enfraquecida. E ouvi de algumas delegações que a COP de Baku [em 2024] foi mais favorável aos países desenvolvidos, enquanto Belém favoreceu os em desenvolvimento.
P – E a China?
ACL – Extraordinariamente construtiva.
RAIO-X | ANDRÉ CORRÊA DO LAGO, 65
Rio de Janeiro, 1959. Entrou no Itamaraty em 1982. Foi diretor de energia, de clima, negociador-chefe da Rio+ 20, secretário de clima, energia e meio ambiente, e chefe das delegações brasileiras nas últimas duas COPs. Também foi embaixador no Japão, na Índia e no Butão. Economista de formação, faz parte do júri do prêmio Pritzker de arquitetura.