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Peru, ícone gastronômico e país com maior insegurança alimentar da América do Sul

“O governo deve se preocupar em gerar mais empregos com melhores salários, assim não vamos sofrer tanto com a alimentação”, acrescentou

Redação Jornal de Brasília

29/09/2023 15h35

Foto: ERNESTO BENAVIDES / AFP

Carregando o filho nas costas, Ana Cristina Sucño espera com duas tigelas de plástico o macarrão com miúdos de frango que os dois vão almoçar em uma cozinha comunitária para moradores de um bairro de Lima. É meio-dia e essa será sua única refeição do dia.

Os pés, ossos e sangue de galinha se tornaram a principal alternativa alimentar de famílias que dependem da cozinha comunitária Coração de Jesus em um país considerado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) como o de maior insegurança alimentar da América do Sul.

O cardápio austero e pouco nutritivo custa 0,37 centavos de dólar (pouco mais de R$ 1,80) na mesma cidade onde as iguarias dos renomados chefs Gastón Acurio e Virgílio Martínez, do restaurante Central de Lima, número um do mundo da gastronomia, segundo a classificação britânica Best Restaurants, custam 330 dólares (cerca de R$ 1.700,00) por pessoa.

“Comer carne é um luxo, eu não compro carne. O que compro são miúdos de frango”, disse à AFP Sucño, uma mãe de 23 anos que carrega o filho de um ano envolto em seu corpo em uma manta andina, enquanto espera na fila para receber sua porção diária de comida.

“O governo deve se preocupar em gerar mais empregos com melhores salários, assim não vamos sofrer tanto com a alimentação”, acrescentou.

A cozinha comunitária fica no cume de uma montanha do populoso distrito de Villa María del Triunfo, com 459.000 habitantes. Para acessar o local, é preciso percorrer um caminho sinuoso e enlameado, pela neblina e garoa.

“É um paradoxo absoluto que, em um país que produz alimentos, com uma enorme biodiversidade, não possamos consumi-los porque são caros. É uma tragédia ter essa riqueza gastronômica e não poder ter acesso aos alimentos que o solo peruano dá”, diz a representante da FAO no Peru, Mariana Escobar.

Cozinhas comunitárias se multiplicam

A cozinha comunitária se tornou uma das faces da pandemia ante o aumento da pobreza devido às quarentenas severas, que fecharam a economia peruana, deixando milhares de desempregados. Apenas em Lima, surgiram aproximadamente 2.500 organizações de restaurantes comunitários, atendendo 250 mil famílias desde 2020.

“Nossos filhos não se alimentam bem. Não compramos os miúdos em grande quantidade, pois o dinheiro não dá”, lamenta Rosa Huachaca, de 39 anos, mãe de três filhos, de três meses, cinco e 18 anos.

Nascida na região andina de Apurímac, Huachaca afirmou que as crianças e as gestantes do bairro sofrem de desnutrição e anemia pelo baixo consumo de ferro e proteínas como a carne.

“No Peru, às vezes, não é possível adquirir alimentos e por isso as crianças estão vivendo com desnutrição”, afirma Wendy Andrade, de 30 anos, mãe de dois filhos, de nove e três anos.

A cozinha comunitária Coração de Jesus funciona em uma casa de madeira com teto de latão, onde são preparadas 90 refeições diárias para 23 famílias. Toda manhã, duas mulheres cozinham cebolas, pés de galinha e macarrão em uma panela enegrecida pela fuligem da lenha.

“Panorama sombrio”

A cerca de cinco quilômetros dos morros empoeirados e densamente povoados onde se organizam as cozinhas comunitárias, a representante da FAO repete o alerta que a organização fez em 2022, quando advertiu que “o Peru havia se tornado o país com maior insegurança alimentar da América do Sul”.

“O panorama é bem complexo, sombrio, em um país que tem uma economia em desaceleração e que crescerá pouco neste ano. O fenômeno El Niño adiciona mais uma razão para que situação do Peru seja um caso preocupante na região”, aponta à AFP Escobar, de nacionalidade colombiana.

Segundo o relatório, dos 33 milhões de habitantes no país, 16,6 milhões de peruanos estão em insegurança alimentar moderada e grave – o dobro dos oito milhões que viviam nesta condição em 2019.

A pobreza passou de 20% em 2019 para 30% em 2020, recuou para 25,9% em 2021, mas subiu novamente a 27,5% em 2022, segundo o Instituto Nacional de Estatística (Inei), que classificou 9,18 milhões de pessoas como pobres.

A FAO mede a insegurança alimentar em uma escala que vai de leve a grave, recorrendo a variáveis como falta de dinheiro para comprar comida, não ter acesso a três refeições diárias, subalimentação, anemia, obesidade ou sobrepeso, entre outros.

© Agence France-Presse

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