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Os trans e sua luta para escapar do serviço militar obrigatório na Colômbia

Homens trans na Colômbia a travam uma batalha no Tribunal Constitucional para serem exonerados do serviço militar

Redação Jornal de Brasília

31/03/2022 10h59

Cercado por soldados, Santiago caminha de maneira desconfortável em direção à sala onde um psicólogo de uma base do exército o espera. Usa uma faixa que esconde seus seios. Como homem transgênero, quer ficar isento do serviço militar obrigatório.

Comissário de bordo de 22 anos, Santiago, que foi designado do sexo feminino no nascimento, entra sozinho na pequena sala. Depois de algum tempo, sai com a qualificação de “Não Apto”.

Contra sua vontade, teve que dizer ao especialista que há oito anos não se define como mulher e que, como homem trans, não quer cumprir o serviço militar obrigatório de 12 meses que a lei impõe a todos os homens colombianos entre 18 e 24 anos, em um país com mais de seis décadas de conflito interno.

A opinião do psicólogo o liberou de ir para o exército, mas ao custo de revelar sua intimidade. “Não é bom (…) mostrar o corpo, ter que explicar que sou trans, que tenho seios e, no meu caso, ter que tirar a blusa e mostrar o corpo”, diz Santiago, legalmente reconhecido como homem desde 2019.

Para fugir do estigma, omite seu verdadeiro nome e esconde o rosto das câmeras.

Experiências como a sua levaram os homens trans na Colômbia a travar uma batalha no Tribunal Constitucional para serem exonerados do serviço militar, como já está acontece com negros, indígenas e mulheres trans graças a decisões do mesmo tribunal.

Em 2017, o Congresso aprovou a isenção para mulheres transexuais, mas excluiu homens trans do benefício.

A lei também isenta órfãos, filhos únicos, religiosos, condenados, casados e vítimas do conflito, enquanto as mulheres podem servir voluntariamente.

Cuba, Brasil, Bolívia, México, Guatemala, entre outros países, também exigem o serviço militar.

Sem lei

Os colombianos recrutados ou exonerados recebem um certificado conhecido como caderneta militar, que devem apresentar para cursar pós-graduação em universidades públicas, obter bolsas de estudo ou conseguir trabalhar em alguns cargos públicos.

Outros, para obter o documento, precisam pagar quantias consideráveis.

Desde 2015, homens trans ganharam o direito de substituir o “F” de feminino pelo “M” de masculino em seu documento de identidade. No entanto, alegam que nem os militares nem a polícia os isentam automaticamente do serviço obrigatório.

Antes de ser exonerado, Santiago diz que perdeu uma oportunidade de emprego em uma companhia aérea porque não tinha carteira de identidade militar.

“Tem sido uma luta para tirar minha caderneta, assim como foi uma luta para mudar meu ‘sexo’ e nome” nos documentos, lamenta.

Jhonnatan Espinosa, diretor da Fundação Ayllú, que elabora o recurso jurídico em favor dos homens trans, alerta para os desafios sociais e econômicos dessa minoria.

“A lei nos deixou de fora (…) isso vai acabar com muitos homens trans em empregos informais, mal pagos, sem seus benefícios sociais, sem poder ter uma vida realmente digna”, enfatiza.

A ONG afirma ter ouvido mais de 300 homens trans em Bogotá com dificuldades em resolver “sua situação militar”, mas reconhece a existência de uma subnotificação em regiões onde o conflito armado continua ativo.

O exército recruta cerca de 60 mil homens por ano para cumprir o serviço obrigatório, segundo o coronel Milton Escobar, chefe do Comando de Recrutamento e Controle de Reservas, que garante que a instituição é “garantidora” dos direitos trans.

Atualmente, 13 milhões de homens devem comparecer aos quartéis para regularizar a situação.

No entanto, organizações de direitos humanos denunciam batidas militares para recrutar jovens. Embora as operações sejam consideradas ilegais desde 2011, o medo persiste.

De acordo com o Centro de Memória Histórica, as batidas foram “sistematicamente” dirigidas contra “pessoas que se desviam das normas de gênero e sexualidade”.

“O principal medo é encontrar algum agente de segurança, seja policial ou militar, porque desde o momento em que fiz minha mudança não tenho minha caderneta militar”, diz Juan José Lizarazo, um transgênero de 34 anos que garante que por causa disso quase vive “trancado” em casa.

Outros membros da Fundação Ayllú garantiram à AFP, sob anonimato, que foram espancados pelos soldados ou policiais que os detiveram nas ruas. Na Colômbia, os homens trans são vítimas de “um círculo permanente de violência”, observa o diretor da ONG.

© Agence France-Presse

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