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Mundo com 8 bi esconde desigualdades de gênero

Num mundo repleto de desigualdades, o ritmo de crescimento da população está explodindo em alguns territórios e encolhendo em outros

FolhaPress

16/11/2022 10h38

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

FERNANDA MENA
SÃO PAULO, SP

Num mundo repleto de desigualdades, o ritmo de crescimento da população está, ao mesmo tempo, explodindo em alguns territórios e encolhendo em outros, mostram as projeções da ONU.

O dado por trás dessas diferenças é a taxa de fecundidade, a quantidade média de filhos que as mulheres têm em uma localidade. No Níger, na África Ocidental, esse índice é de 6,6 filhos, o maior do mundo. No outro extremo está a Coreia do Sul, com taxa de 0,9.

Esse dado, porém, não é necessariamente um reflexo do desejo das mulheres de ter muitos filhos ou de não ter filho nenhum. É, antes, um espelho do desenvolvimento do país e do grau de autonomia e de autodeterminação das mulheres em relação a sua vida sexual e reprodutiva.

“Há locais onde a mulher ainda não pode exercer o direito de controlar sua vida reprodutiva. E fatores como violência sexual e limitação de acesso ao aborto influenciam nesse resultado”, explica a demógrafa Márcia Castro, chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.

Segundo o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), o mundo tem uma taxa de gravidez indesejada de 64 casos para cada mil mulheres de 15 a 49 anos. Entre gestantes adolescentes, de 15 a 19 anos, o índice é de 40 a cada mil.

Na demografia, a taxa de fecundidade necessária para repor a população é de 2,1 filhos por mulher. O cálculo, explica o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, é esse: um filho é para repor a mulher, o outro é para repor o homem, e o 0,1 é um excedente necessário porque nem todas as pessoas vão sobreviver até a idade fértil para potencialmente dar continuidade a esse ciclo.

Alves explica que países com alta fecundidade são, em geral, pobres e muito rurais, onde o custo de ter muitos filhos é menor que o benefício. “Neles, a desigualdade de gênero é muito grande, o que retira o poder de decisão das mulheres e também o acesso tanto a saúde e métodos contraceptivos quanto a educação formal e mercado de trabalho, num ciclo vicioso de pobreza”, diz.

Historicamente, o trabalho reprodutivo cabe às mulheres. E, segundo Sonia Corrêa, codiretora do Observatório de Sexualidade e Política, a redução das taxas de fecundidade indica que, de alguma maneira, as mulheres hoje têm maiores opções. “É um movimento de ciclo longo, iniciado nos anos 1950, mas que vem se acelerando desde os anos 1990”, explica.

Corrêa chama a atenção para recentes mudanças nas políticas de incentivo à natalidade de potências globais, que alternam o jogo de forças sobre autonomia e autodeterminação das mulheres na sua vida reprodutiva. Nos EUA, forças conservadoras impulsionaram a decisão da Suprema Corte de suspender o acesso ao aborto como um direito constitucional. O anúncio foi acompanhado pela proliferação de leis contrárias ao procedimento em muitos estados, o que pode impactar na fecundidade americana.

Já a China, depois de 30 anos da chamada “lei do filho único”, que restringiu o planejamento familiar e gerou uma série de violações de direitos, passou a admitir e a incentivar que casais tenham três filhos -até agora com poucos resultados. A Rússia de Vladimir Putin copia decreto de Josef Stálin e premia com medalhas e dinheiro as “mães heroínas”, com dez filhos ou mais.

Na França, existem políticas de incentivo da fecundidade desde o século 19. Elas se dão por meio da consolidação e da ampliação de licença-maternidade e paternidade, prêmios em dinheiro e políticas de garantia de creches gratuitas.

Completam o quadro de condições para o exercício dos chamados direitos sexuais e reprodutivos a educação sexual, o acesso a meios contraceptivos e ao aborto, quando necessário, explica Giulliana Bianconi, diretora da Gênero e Número, organização voltada ao debate de gênero.

Estudo do UNFPA em 57 países aponta que nem todas as mulheres têm o poder de decidir sobre suas relações sexuais, sobre seu acesso a saúde e a métodos contraceptivos. Na África Central, menos da metade (49%) afirma poder decidir sobre suas relações sexuais. No Níger, o índice é de 35%. No Senegal, 19%.

“São fatores que estão longe de serem garantidos em escala global”, aponta Bianconi. “Se as mulheres sem direitos vão parir, quem é que, depois, vai cuidar dessas crianças?”

A falta de autonomia e de autodeterminação tem implicação direta sobre o chamado dividendo demográfico -ou janela de oportunidade demográfica. É quando a fatia da população em idade economicamente ativa é maior, proporcionalmente, que a das pessoas na base da pirâmide etária (crianças e adolescentes) e no topo (idosos). Isso indica o potencial de um país de gerar riquezas.

Aproveitar o bônus demográfico é pré-requisito para melhoria do padrão de vida, defende Alves. “Todo país que perdeu o bônus demográfico ficou pobre ou preso na armadilha da renda média, sem o salto necessário para melhor desenvolvimento.”

Para Castro, o Brasil é um dos países que podem aproveitar o dividendo demográfico. “Essa população jovem vai entrar no mercado produtivo e vai ajudar no crescimento do país no momento em que há menor quantidade de crianças nascendo. A questão é se isso vai ocorrer em direção a igualdade de gênero ou não.”

“É preciso empoderar as meninas para que elas participem, estudem e trabalhem, já que são metade da população economicamente ativa do país. Quando elas não participam, o país joga fora metade do seu capital humano”, afirma a demógrafa.

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