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Mudança na lei de proteção de dados vira novo embate entre China e big techs americanas

A nova legislação poderia ser usada para perseguir seus próprios funcionários ou usuários que façam postagens críticas ao governo

Redação Jornal de Brasília

05/07/2021 13h27

Foto: Agência Brasil

FolhaPress

Em um novo embate entre as grandes empresas de tecnologia e o regime chinês, um grupo que reúne representantes do setor -incluindo Facebook, Google e Twitter- avisou que vai deixar de operar em Hong Kong caso as autoridades locais aprovem uma nova lei de proteção de dados.

Para as plataformas, a nova legislação poderia ser usada para perseguir seus próprios funcionários ou usuários que façam postagens críticas ao governo de Hong Kong e à China. O comando do território nega que o projeto tenha sido feito com essa intenção.

A ameaça de cessar as operações em Hong Kong consta em uma carta enviado ao governo local pela Asia Internet Coalition (AIC), grupo que que representa uma série de empresas de tecnologia que atuam na região, incluindo os três gigantes americanos.

Em maio, o Gabinete de Assuntos Constitucionais de Hong Kong propôs emendas às leis sobre proteção de dados que determinam a punição do doxing, prática de vazar informações pessoais de terceiros que pode gerar ondas de assédios virtuais e outros tipos de ataques.

Segundo a proposta, qualquer pessoa envolvida em doxing com a intenção de ameaçar, intimidar, assediar ou causar dano psicológico pode ser condenada a até cinco anos de prisão e multada em até um milhão de dólares honcongueses (R$ 652 mil).

Na carta enviada a Hong Kong, o diretor-geral da AIC, Jeff Paine, argumenta que, embora o grupo e seus membros se oponham à prática do doxing, o texto vago das propostas de emendas pode significar que as plataformas e, em especial, seus funcionários baseados em Hong Kong, estarão sujeitos a investigações criminais e processos judiciais por violações cometidas pelos usuários.

“A única maneira de evitar essas sanções para as empresas de tecnologia seria abster-se de investir e de oferecer os serviços em Hong Kong”, diz o documento. A carta foi enviada em 25 de junho, mas suas informações só foram divulgadas nesta segunda-feira (5) pelo The Wall Street Journal.

Para Paine, a punição das plataformas representaria uma “resposta completamente desproporcional e desnecessária”. Além disso, segundo a AIC, as emendas também podem restringir a liberdade de expressão e criminalizar “atos inocentes de compartilhamento de informações online”.

Em resposta ao jornal americano, uma porta-voz da Comissão de Privacidade de Hong Hong confirmou o recebimento da carta da AIC e disse que as novas regras são necessárias para lidar com o doxing, que “testa os limites da moralidade e da lei.”

Ainda segundo a representante das autoridades honconguesas, as emendas não têm qualquer relação com a liberdade de expressão, e o escopo dos crimes será definido com clareza na nova legislação. Além disso, a Comissão “refuta veementemente qualquer sugestão de que as emendas possam, de alguma forma, afetar o investimento estrangeiro em Hong Kong”.

Representantes do Facebook, do Twitter e do Google confirmaram que a AIC enviou a carta, mas não quiseram comentar seu conteúdo. No ano passado, as três empresas anunciaram que suspenderiam o processamento de solicitações de dados privados de usuários feitas por autoridades honconguesas no contexto da nova lei de segurança nacional, que havia sido recém-promulgada.

A possibilidade de deixar Hong Kong em resposta às propostas de mudanças na legislação ocorre ainda em um momento em que a ex-colônia britânica testemunha uma série de ações semelhantes por parte de outras empresas. Muitas companhias têm deixado o território em busca de condições mais favoráveis em outras regiões e em reação à crescente interferência de Pequim.

A lei de segurança nacional, por exemplo, foi criada para punir qualquer ato que a China considera subversão, secessão, terrorismo ou conluio com forças estrangeiras. Centenas de ativistas e manifestantes pró-democracia foram presos em um ano de vigência das novas normas e, no mês passado, um dos mais importantes jornais críticos a Pequim no território, o Apple Daily, foi forçado a encerrar suas atividades.

Nesse contexto, o temor é de que as propostas de emendas à lei anti-doxing podem se tornar novos instrumentos de repressão contra dissidentes. Dependendo de como a legislação for redigida, ela pode punir, por exemplo, publicações em redes sociais que mostrem o rosto de policiais e outros agentes das forças de segurança durante manifestações como as que levaram milhares às ruas de Hong Kong nos últimos dois anos em protestos pró-democracia.

Durante os atos de 2019, por exemplo, o doxing entrou no radar das autoridades honconguesas depois que informações pessoais de policiais, como endereços de suas casas e das escolas de seus filhos, foram publicadas nas redes sociais.

A preocupação tem base ainda em outros trechos das propostas de emenda, como o que solicita que a Comissão de Privacidade tenha autoridade para requisitar qualquer informação considerada relevante de indivíduos investigados e exigir que eles sejam submetidos a interrogatórios quando houver “motivos razoáveis” para suspeitar da prática de doxing.

Além disso, a entidade poderia ordenar a qualquer pessoa que “retifique” o conteúdo publicado. Nesses termos, quem se recusar a atender as exigências, também pode ser acusado de violação da lei. A proposta solicita ainda que a Comissão de Privacidade possa solicitar mandados de busca e instaurar ações judiciais de acusação para “acelerar o processamento de casos de doxing”.

Segundo o Gabinete de Assuntos Constitucionais, a medida se justifica pelo fato de que dados privados compartilhados em apenas um clique podem causar danos imediatos às vítimas, o que demandaria ações mais rápidas das autoridades.

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