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Maduro permite coleta de assinaturas para referendo revogatório, mas impõe condições precárias

A Constituição do país estabelece que todos os cargos eleitos por meio de pleitos populares podem ser revogados após a metade do mandato

FolhaPress

26/01/2022 12h13

Foto: Cristián Hernández – 24.jan.22/AFP

Sylvia Colombo

Apesar de ter concordado com a realização de um referendo revogatório que pode tirá-lo do poder antes do fim programado de seu mandato, em 2024, o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, impôs regras consideradas pela oposição impossíveis de serem cumpridas.

A Constituição do país estabelece que todos os cargos eleitos por meio de pleitos populares podem ser revogados após a metade do mandato via referendo. Para convocá-lo, é necessário coletar a assinatura de 20% dos eleitores aptos a votar em um prazo estabelecido pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE).

Mas o próprio CNE jogou uma ducha de água fria na iniciativa. Na sexta (22), estabeleceu que os opositores do Movimento Venezuelano pelo Revogatório (Mover) teriam apenas 12 horas nesta quarta (26) para recolher as 4,2 milhões de assinaturas necessárias, deixando-os sem tempo para realizar uma campanha para a população. Mais de 1.200 locais de votação estarão abertos para recolher as firmas.

“É uma palhaçada. É humanamente impossível arrecadar as assinaturas nesse período estabelecido. Tampouco podemos expor a população a imensas filas em meio ao surto da variante ômicron”, disse o ex-governador César Pérez Vivas, um dos integrantes do Mover, que pertence ao partido Copei.

Outro membro do movimento, o dissidente do chavismo Nicmer Evans, defende que não se faça a tentativa de coletar assinaturas nesta quarta e que uma nova data seja negociada.

Roberto Picón, integrante do CNE mas não alinhado ao chavismo, admitiu não ser factível o recolhimento das assinaturas no intervalo de tempo determinado. “Teremos de processar cinco eleitores por minuto, por 12 horas, em todas as máquinas do país, sem margem de erro.” Picón, porém, é minoria entre os cinco reitores do órgão eleitoral. Dois, incluindo ele, são simpáticos à oposição, e três, ao chavismo.

Outros setores da oposição, como o grupo liderado por Juan Guaidó, ex-presidente da Assembleia Nacional, buscam outra saída para a crise política venezuelana. “Defendo tanto um referendo revogatório como um plebiscito no qual a população nos dê respaldo para convocar uma eleição presidencial antes de 2024. Não tem sentido esperar o fim deste mandato ilegítimo”, disse Guaidó à Folha. “Se o revogatório tem tantos entraves, que se faça um plebiscito, como já ocorreu [em 2017, a oposição realizou uma consulta popular, cujo resultado não foi aceito pelo regime], mas com garantias de que o resultado seja respeitado.”

O líder opositor também afirma acreditar num retorno das negociações interrompidas no México para viabilizar esse plebiscito e na volta de manifestações. Por isso, está convocando a população às ruas “de modo pacífico” para o dia 12 de fevereiro, para pressionar por uma saída eleitoral antecipada.

Para Freddy Superlano, candidato impedido de participar da eleição em Barinas, o que ocorreu no pleito do último dia 9 é uma prova de que, “mesmo com o campo de jogo inclinado, é possível ganhar do chavismo”.

A eleição para governador do estado, em novembro, foi interrompida quando a contagem dava vantagem a Superlano. A candidatura dele foi, então, cassada, sob o argumento de que ele responde a acusações de corrupção, e a eleição, refeita. Ainda assim, a oposição venceu com Sergio Garrido, tirando o clã Chávez e seus aliados do poder em Barinas pela primeira vez em 20 anos.

“Não há democracia nem Estado de Direito na Venezuela, mas o que ocorreu foi que pressionamos, fizemos uma campanha muito local, muito focada. Não desistimos frente à tentativa de impugnação e nos impomos com uma boa vantagem. Tenho a convicção de que um esforço localizado pode fazer o que aconteceu em Barinas virar um exemplo do que se pode fazer em todo o país”, disse Superlano à Folha.

A analista política Colette Capriles concorda que o episódio é uma “boa experiência a ser aplicada em toda a Venezuela” e que “Barinas mostrou que um retorno à política local é mais eficiente do que o discurso antichavista”. “A oposição tem muito a ganhar se seguir essa estratégia em nível nacional.”

Para Capriles, um referendo ou um plebiscito ainda neste ano seriam “absurdos, porque a oposição não tem projeto nem candidato”. “Seu único projeto nos últimos anos foi tentar tirar Maduro, e o principal problema da Venezuela hoje não é trocar de líder. Chávez saiu, e o chavismo continuou. É necessário construir modelos alternativos ao aparato que o chavismo criou, além de uma candidatura legítima consensual. A experiência de Guaidó não funcionou, e o diálogo no México não vai voltar”, afirma. “Uma eleição antecipada colocará Maduro na posição de vítima, e ele voltará a se fortalecer.”

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