O panorama da inteligência artificial (IA) na América Latina é promissor, mas a região ainda apresenta uma baixa capacitação nessa tecnologia, afirma a vice-presidente do Google Hispanoamérica, Adriana Noreña, em entrevista à AFP no México.
De visita ao país por ocasião dos 20 anos do Google México, Noreña expôs os planos do gigante para desenvolver a IA na América Latina e sua visão sobre questões como regulação e compensação financeira aos meios de comunicação dos quais suas ferramentas se nutrem.
– Qual é o panorama da América Latina em IA?
Segundo estudos sobre a adoção da IA na América Latina, 48% das pessoas e 56% das empresas já a estão utilizando. Está próximo dos Estados Unidos, um ou dois pontos percentuais de diferença, o mesmo em relação à Europa.
Um estudo da Ipsos demonstra que 70% dos latino-americanos — em particular no Chile e no México — estão muito otimistas com os benefícios que ela pode trazer.
A IA, para funcionar, precisa de dados massivos e aqui há um grande universo de pessoas que vai alimentar essas ferramentas. É muito animador.
– Quais são os desafios?
A falta de capacitação, de gente pronta para trabalhar com IA. O Fórum Econômico Mundial diz que um em cada seis trabalhadores terá que ser recapacitado até 2027. Temos uma escassez de talento impressionante.
Estamos fazendo muitos esforços, como o “Crece con Google” (Cresça com Google, tradução livre), uma iniciativa para que as pessoas se capacitem (que já concedeu 88 mil bolsas na América Latina). No México estamos destinando dois milhões de dólares a uma ONG para capacitar 60 mil estudantes em comunidades vulneráveis.
– Como encaram os pedidos por mais regulação?
A IA é tão transformadora que não pode deixar de ser regulada, caso contrário pode se tornar uma ferramenta para o mal. É preciso haver uma equipe em que estejam governo e setor privado, e que sejam criadas leis que sigam em prol do melhor. Sempre vamos favorecer e proteger, acima de tudo, a privacidade.
Temos sete plataformas que são usadas diariamente por 2 bilhões de pessoas. Se cometemos erros, estamos afetando a vida dessas pessoas. Nossas equipes estão trabalhando para que essa regulação seja robusta, responsável, mas que não limite a inovação.
– Como colaboram com organizações locais contra a desinformação?
O primeiro passo é alimentar as ferramentas de IA com o que é bom e o que não é, para que elas façam a checagem de fatos automaticamente. Nosso objetivo, desde o início, foi que o buscador trouxesse informação fidedigna.
No México lançamos o AI Mode (para buscas em espanhol). Ele faz resumos citando as fontes que já foram verificadas pelos motores de IA do Google. Colaboramos com entidades como a AFP para nos ajudar a alimentar essa informação.
– O que fazem para compensar os meios de comunicação, cujos conteúdos nutrem a IA?
O principal “ativo” é levar tráfego aos meios, por isso estão sendo colocados links nos resultados de busca.
Há programas de educação para que os meios possam monetizar seus conteúdos por meio de publicidade, e também fizemos parcerias com mais de 2.800 meios no mundo para que seus jornalistas usem as ferramentas de maneira eficiente.
– Mas muitas vezes o usuário fica com os resumos da IA e não gera tráfego para os sites dos meios?
Não foi nossa observação que esse tráfego tenha diminuído, ele se manteve equilibrado. As buscas são mais longas e informadas. Foi enviado mais tráfego de qualidade a esses meios.
– O que opina da iniciativa de Direitos Afins para que plataformas como o Google compensem financeiramente esses meios?
Acreditamos que nossa contribuição é levar tráfego para que eles se nutram e possam rentabilizar seus sites com publicidade.
– Sobre as acusações de monopólio publicitário, o que seria justo para o Google nessa repartição?
Primeiro, que os usuários tenham liberdade de consultar onde quiserem e acessem os conteúdos que considerarem relevantes. E, segundo, que a publicidade seja suficientemente boa para dar retorno às empresas. Se uma plataforma — seja do Google ou de outro — oferecer o retorno de investimento que a empresa precisa, para mim isso é o correto.
– Há previsão de construção de centros de dados e qual é a estratégia para mitigar seu impacto ambiental?
Temos dois na América Latina. Um está quase concluído no Uruguai, e o outro em Quilicura, no Chile.
Nosso objetivo é que muito em breve sejam autossustentáveis e livres de emissões.
– O que fazem para evitar que a IA perpetue vieses em uma região com tanta desigualdade?
Há equipes multidisciplinares dedicadas a testar essas ferramentas para verificar se não apresentam vieses. E contamos muito com que os usuários nos ajudem.
Provavelmente haverá coisas que nos escapem, mas vamos corrigir.
© Agence France-Presse