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Mundo

Europa vai na contramão dos Estados Unidos e diminui ajuda a Ucrânia

Dados recentes mostram que seis dos principais países do continente zeraram doações a Kiev no mês passado

FolhaPress

28/08/2022 17h00

Foto: AFP

CLARA BALBI
SÃO PAULO, SP
 

Quase seis meses depois de uma mobilização surpreendente contra a invasão da Ucrânia pela Rússia, a Europa diminuiu drasticamente o envio de recursos para o país. É o que mostram dados recentes do Instituto da Economia Mundial de Kiel, que rastreia doações militares, financeiras e humanitárias para a campanha de Volodimir Zelenski desde o início do conflito.

Segundo o instituto alemão, seis dos principais países europeus –Reino Unido, Alemanha, França, Espanha, Itália e Polônia– não se comprometeram a fazer novas doações para o front em julho. É um tombo e tanto em comparação com os mais de EUR 4 bilhões (R$ 20 bi) enviados por essas mesmas nações em abril.

A queda não significa, porém, que a Europa tenha deixado de enviar recursos para a Ucrânia. Dois terços do total de EUR 1,5 bilhão (R$ 7,6 bi) em recursos internacionais enviados em julho ao território invadido vieram de uma nação europeia, a Noruega, e outros países remeteram parte dos auxílios anunciados anteriormente ao longo do mês.

Além disso, no início de agosto os aliados ocidentais de Zelenski saíram de uma conferência em Copenhague, na Dinamarca, com promessas de novos apoios no montante de mais EUR 1,5 bilhão (R$ 7,6 bi).

Mas os valores mais modestos dessas remessas, assim como a irregularidade nos seus envios, refletem a fadiga desses países com o conflito, a maior crise de segurança no continente desde a Segunda Guerra Mundial.

Recém-saídos de uma pandemia, eles enfrentam crises no preço de alimentos e de energia que tendem a só se agravar nos próximos meses, com a chegada do inverno no hemisfério Norte. Os efeitos da alta sobre a população levaram ao declínio de popularidade de diversos líderes do continente, em última instância corroendo suas bases e forçando-os a renunciar –foi o caso, entre outros, do primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Jonhson, um dos pontas de lança da união da Europa diante da Rússia no início da guerra.

Enquanto isso, o apelo midiático da figura de Zelenski se desgasta, substituído no noticiário por imagens da guerra brutal em que seu povo luta.

Se os europeus demonstram cansaço, os americanos parecem ainda apostar em uma potencial vitória de Zelenski. Segundo a base de dados de Kiel, Washington também não prometeu no mês passado novas doações ao país invadido. Mas em agosto, mês em que se comemora a independência da Ucrânia, anunciaram o envio de outros US$ 3 bilhões (R$ 15,2 bi) em ajuda militar, oriundos do pacote bilionário de assistência aprovado pelo Congresso. Só em armamentos, os EUA já remeteram mais de US$ 10 bilhões (R$ 50,6 bi) a Kiev, o que equivale a três vezes o orçamento militar da Ucrânia.

Para Pedro Costa Júnior, cientista político e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), a explicação desse cenário se divide em três partes. Em primeiro lugar, diz, os EUA não podem arriscar uma nova derrota militar depois do vexame da saída do Afeganistão há um ano. Mesmo que indireta, sua presença na Ucrânia é uma amostra do poder bélico e de influência americano. Uma demonstração de força especialmente importante em meio à Guerra Fria 2.0 travada entre EUA e China.

Costa Júnior afirma que as economias de Moscou e Pequim estão cada vez mais próximas, elo reforçado pelas sanções impostas aos russos pelo Ocidente no início do conflito e pelo tratado de amizade “sem limites” assinado pelos governantes das duas nações pouco antes da guerra. “Então, ao combater a Rússia, os EUA estão enfraquecendo também o seu principal rival hegemônico, que não é ela, mas a China”, explica.

Em segundo lugar, prossegue o pesquisador, por impressionantes que sejam os bilhões enviado à Ucrânia, a guerra lá acontece longe do território dos EUA, sem a participação de seus soldados. É uma situação diferente das guerras do Afeganistão ou do Iraque, por exemplo, o que impacta a forma como ela é vista pelo povo e pela mídia americana.

Por fim, a manutenção do conflito é lucrativa para a indústria bélica americana, conclui Costa Júnior. “O lobby de armas é poderosíssimo. E bipartidário, com democratas e republicanos.”

Os efeitos a longo prazo desse envio em massa de armas para o território ucraniano têm preocupado analistas. Afinal, nunca se sabe nas mãos de quem esses equipamentos vão parar depois do conflito.

Um dos temores é de que eles acabem vendidos para civis, ou mesmo sob o controle de organizações paramilitares como o Batalhão Azov, grupo paramilitar neonazista que hoje integra a Guarda Nacional da Ucrânia.

Embora Costa Júnior declare que sair da guerra não é uma opção para os EUA, ele afirma que o governo de Biden pode sentir mais fortemente as consequências da guerra nos próximos meses. Sobretudo com a aproximação das eleições de meio de mandato, as midterms, que podem dar um fim à atual maioria democrata no Congresso.

A visão é próxima da de Rafael Gomes, internacionalista que lecionou na Universidade Federal dos Urais, na Rússia. “É claro que essas ajudas são aplaudidas, mas os próprios americanos questionam se é válido esse gasto excessivo em políticas externas na Ucrânia.”

Enquanto o conflito se alonga, é provável que as ajudas europeias sejam ainda mais escassas, afirmam os dois analistas. Até porque essas nações precisam desse dinheiro para solucionar suas crises internas, segundo Gomes. “Torçamos para que Europa seja não só a que apoia e ajuda a Ucrânia, mas também a que cobra o fim do conflito.”

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