Menu
Mundo

Dia sangrento de protestos contra militares em Mianmar deixa ao menos 2 mortos

“Um baleado na cabeça morreu no local. Outro morreu depois, com um ferimento a bala no peito”, disse um médico voluntário

Redação Jornal de Brasília

20/02/2021 11h59

Subiu para três o número de manifestantes mortos durante os protestos neste sábado (20) contra o golpe de Estado dado pelos militares em Mianmar em 1º de fevereiro. De acordo com serviços de emergência de Mandalay, a segunda maior cidade do país, mais de 20 pessoas ficaram feridas e duas morreram em decorrência de disparos feitos pelas forças de segurança que reprimem os atos.

“Um baleado na cabeça morreu no local. Outro morreu depois, com um ferimento a bala no peito”, disse um médico voluntário à agência de notícias Reuters, sob condição de anonimato. As duas vítimas, cujas identidades ainda não foram divulgadas, juntam-se a Mya Khaing, que teve a morte confirmada nesta sexta (19), dez dias depois de também ter sido baleada na cabeça durante protestos na capital do país, Naypyitaw.

O porta-voz da junta militar afirmou que o caso de Mya será investigado, mas as autoridades ainda não se manifestaram publicamente a respeito das duas mortes deste sábado.

Os incidentes corroboram relatos de que a polícia pode estar usando munição letal – além das balas de borracha, canhões de água e gás lacrimogêneo- contra os manifestantes, mas a repressão violenta não esmoreceu o ânimo das multidões que continuam indo às ruas diariamente há mais de duas semanas.

“Eles podem derrubar uma jovem, mas não podem roubar a esperança e a determinação de um povo determinado”, escreveu no Twitter o enviado especial da ONU para os direitos humanos em Mianmar, Tom Andrews.

Nesta sábado, grupos de jovens fizeram novas homenagens a Mya durante protestos em Rangoon e em Naypyitaw. “A tristeza pela morte dela é uma coisa, mas também temos coragem de continuar por ela”, disse o estudante Khin Maw Maw à Reuters. Nas redes sociais, a jovem, que completou 20 anos na quinta-feira (18) em coma, um dia antes de morrer, vem sendo chamada de heroína e mártir.

“Expressamos nossas mais profundas condolências à família dela e a todos os feridos durante os protestos pacíficos em Mianmar”, disse o porta-voz do Departamento de Estado americano, Ned Price, nesta sexta. “Condenamos toda a violência contra o povo de Mianmar e reiteramos nossos apelos ao Exército para não recorrer à violência contra manifestantes pacíficos.”

Além de Naypyitaw, Rangoon e Mandalay, os atos deste sábado se espalharam por várias regiões do país. Os confrontos têm sido recorrentes: cenas de manifestantes lançando pedras contra os policiais que, por sua vez, respondem com gás lacrimogêneo e tiros -embora nem sempre esteja claro que tipo de munição eles estão usando- tornaram-se comuns desde o golpe de 1º de fevereiro.

Os atos pedem o fim da ditadura, a revogação da Constituição de 2008, considerada favorável ao Exército, e a libertação de presos políticos, como Aung San Suu Kyi, conselheira de Estado de Mianmar e, na prática, líder do governo civil deposto pelos militares. Desde a tomada de poder, 546 pessoas foram detidas pela junta que agora governa o país, de acordo com a Associação de Assistência a Prisioneiros Políticos de Mianmar.

Suu Kyi, que já passou 15 anos em prisão domiciliar, foi detida sob uma acusação obscura de violação de normas comerciais -ela teria importado ilegalmente seis walkie-talkies. Nesta semana, ela também foi acusada de uma suposta violação dos protocolos de combate à propagação do coronavírus, a mesma denúncia apresentada contra o presidente Win Myint, também deposto e detido.

A Liga Nacional pela Democracia (LND), partido de Suu Kyu e Myint que comanda o país desde 2015, obteve 83% dos votos e conquistou 396 dos 476 assentos no Parlamento nas últimas eleições em Mianmar, realizadas em novembro do ano passado. A legenda, entretanto, foi impedida de assumir quando o golpe foi aplicado no dia da posse da nova legislatura. O Partido da União Solidária e Desenvolvimento, apoiado pelos militares, obteve apenas 33 cadeiras.

O Exército vem tentando usar supostas acusações de fraude no pleito como justificativa para a tomada de poder. Os militares também acrescentaram à narrativa o argumento de que a comissão eleitoral do país usou a pandemia de coronavírus como pretexto para impedir a realização de uma campanha justa.

O general Min Aung Hlaing, chefe das Forças Armadas e líder da junta que agora comanda o país, decretou em 1º de fevereiro um estado de emergência que deve durar um ano. “Colocaremos em operação uma verdadeira democracia multipartidária”, declarou o novo regime, acrescentando que o poder será transferido após “a realização de eleições gerais livres e justas”. A promessa, apesar de reiterada, é encarada com ceticismo pelos mianmarenses opositores e por observadores internacionais.

A agitação nas ruas, que completou duas semanas nesta sexta, reviveu as memórias sobre o violento histórico de reações a protestos em Mianmar. Na revolta de 1988, mais de 3.000 manifestantes foram mortos pelas forças de segurança do país durante atos contra o regime militar -o país viveu sob uma ditadura de 1962 a 2011.

O golpe segue recebendo duras críticas da comunidade internacional. Líderes políticos de diversas nacionalidades pediram o restabelecimento do governo democraticamente eleito e a libertação de todos os presos civis.
Países como EUA, Reino Unido, Canadá, Austrália, Japão, Índia e Nova Zelândia fizeram apelos sobre a necessidade de rápida restauração da democracia e, em alguns casos, anunciaram sanções aos generais que assumiram o comando do país.

O presidente americano, Joe Biden, cujo governo considera a tomada de poder em Mianmar um golpe de Estado, anunciou na semana passada um conjunto de sanções contra os militares, incluindo o bloqueio de bens do governo mianmarense, que somam US$ 1 bilhão (R$ 5,3 bi).

Há, entretanto, poucas referências históricas de militares mianmarenses cedendo a pressões externas, com exceção das influências de Rússia e China. Pequim, como principal parceiro regional de Mianmar, vinha adotando uma abordagem mais branda, sem condenar abertamente o golpe. Mais recentemente, porém, juntou-se a outros países-membros do Conselho de Segurança da ONU para pedir a libertação de Suu Kyi.

O Ministério das Relações Exteriores do Brasil, por sua vez, não menciona golpe militar ou presos políticos em uma nota divulgada sobre o assunto e limita-se a dizer que tem a expectativa de “um rápido retorno do país à normalidade democrática e de preservação do Estado de Direito”.

CRONOLOGIA DA HISTÓRIA POLÍTICA DE MIANMAR
1948: Ex-colônia britânica, Mianmar se torna um país independente
1962: General Ne Win abole a Constituição de 1947 e instaura um regime militar
1974: Começa a vigorar a primeira Constituição pós-independência
1988: Repressão violenta a protestos contra o regime militar gera críticas internacionais
1990: Liga Nacional pela Democracia (LND), de oposição ao regime, vence primeira eleição multipartidária em 30 anos e é impedida de assumir o poder
1991: Aung San Suu Kyi, da LND, ganha o Nobel da Paz
1997: EUA e UE impõe sanções contra Mianmar por violações de direitos humanos e desrespeito aos resultados das eleições
2008: Assembleia aprova nova Constituição
2011: Thein Sein, general reformado, é eleito presidente e o regime militar é dissolvido
2015: LND conquista maioria nas duas Casas do Parlamento
2016: Htin Kyaw é eleito o primeiro presidente civil desde o golpe de 1962 e Suu Kyi assume como Conselheira de Estado, cargo equivalente ao de primeiro-ministro
2018: Kyaw renuncia e Win Myint assume a Presidência
2020: Em eleições parlamentares, LND recebe 83% dos votos e derrota partido pró-militar
2021: Militares alegam fraude no pleito, prendem lideranças da LND, e assumem o poder com novo golpe de Estado

As informações são da Folhapress

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado