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Biden volta a afirmar que EUA vão defender Taiwan em caso de invasão da China

A viagem do líder americano ao continente começou na última sexta (20), na Coreia do Sul. Ele deve se encontrar ainda com outros líderes

FolhaPress

23/05/2022 18h55

Biden

Photo by SAUL LOEB / AFP

O presidente Joe Biden afirmou nesta segunda-feira (23) que os Estados Unidos usariam a força para defender Taiwan caso a ilha fosse invadida pela China. Para o americano, Pequim está “flertando com o perigo” ao sobrevoar, durante exercícios militares, o território que considera uma província rebelde.

O comentário, apesar de não ser inédito, põe em xeque a “ambiguidade estratégica” que tradicionalmente gere as relações entre Washington e Taipé, de modo que a equipe de comunicação da

Casa Branca se apressou em tentar esclarecê-lo. Biden participava de uma entrevista coletiva ao lado do premiê do Japão, Fumio Kishida, como parte de sua primeira viagem à Ásia desde que foi eleito, quando foi questionado por um jornalista se os EUA defenderiam Taiwan em caso de ataque.

O repórter comparou o possível envolvimento de Washington em um cenário de conflito na ilha à posição americana na Guerra da Ucrânia. “O senhor não queria se envolver militarmente no conflito da Ucrânia por razões óbvias. Está disposto a se envolver militarmente para defender Taiwan se for necessário?”

A resposta do presidente foi direta. “Sim. Esse é o compromisso que assumimos”, afirmou. “Nós concordamos com a política de uma só China, nós aderimos a ela e a todos os acordos feitos a partir daí. Mas a ideia de que [Taiwan] pode ser tomada à força não é apropriada.”

Biden continuou, indicando que, em caso de conflito na Ásia, o envolvimento dos EUA seria mais significativo em comparação ao do Leste Europeu. “Isso deslocaria toda a região e seria mais uma ação semelhante ao que aconteceu na Ucrânia. E por isso seria um fardo ainda mais pesado.” O democrata acrescentou que sua expectativa é a de que esse cenário não aconteça nem seja tentado por Pequim.

A fala contraria em partes o posicionamento tradicional de Washington definido como “ambiguidade estratégica”. Por meio dessa abordagem, os EUA têm um acordo de fornecimento de armas e outros tipos de assistência e se dizem comprometidos a garantir que a ilha possa se defender, mas não contestam formalmente a alegada soberania de Pequim em relação a Taiwan.

A “ambiguidade” referida na expressão está no fato de que a resposta a um eventual cenário de conflito não está clara. A lei americana de 1979 que rege as relações entre Washington e Taipé estabelece que “o presidente e o Congresso determinarão a resposta apropriada a qualquer perigo”.

Ao afirmar que os EUA interviriam militarmente em caso de invasão chinesa, porém, Biden indica até onde o país está disposto a ir para defender seus interesses na região. O presidente voltou a comparar a situação à da Ucrânia ao defender que a Rússia continue sob sanções mesmo com uma reaproximação entre Moscou e Kiev. Caso a retaliação contra o Kremlin não seja mantida, “o que isso sinaliza para a China sobre o custo de tentar tomar Taiwan à força?”, questionou Biden.

“Eles já estão flertando com o perigo agora, voando tão perto e com todas as manobras que estão realizando”, disse o líder americano, referindo-se aos crescentes relatos de incursões de aviões de guerra chineses na zona de defesa aérea de Taiwan.

Embora a fala de Biden não tenha deixado margens para interpretações diversas, a Casa Branca correu para, se não corrigir, ao menos tentar contextualizar. “Como o presidente disse, nossa política não mudou. Ele reiterou nossa política de uma China única e nosso compromisso com a paz e a estabilidade em todo o estreito de Taiwan. Também reiterou nosso compromisso sob a Lei de Relações de Taiwan de fornecer a Taiwan os meios militares para se defender.”

O episódio se assemelha a outra fala recente de Biden que gerou um movimento de sua equipe de comunicação para apagar tensões. Em viagem à Polônia, no final de março, o americano se referiu a Vladimir Putin como “carniceiro” e afirmou que o russo não poderia mais continuar no poder. Na ocasião, a Casa Branca achou por bem minimizar o ponto mais forte da fala em um comunicado: “O argumento do presidente foi o de que Putin não pode exercer poder sobre seus vizinhos ou sobre a região. Ele não pediu por uma mudança de regime na Rússia”.

A fala desta segunda não foi, contudo, a primeira declaração de Biden indicando uma ação dos EUA em defesa de Taiwan contra uma eventual invasão chinesa. Há, na verdade, uma série delas. Em outubro de 2021, por exemplo, o democrata concedeu entrevista à CNN americana em que foi questionado por um membro da plateia sobre o tema. Na ocasião, deu resposta semelhante à fala mais recente.

Além de afirmar que os EUA “têm um compromisso” com Taiwan, Biden reafirmou o poderio militar de seu país em uma fala interpretada como provocação aos principais adversários geopolíticos de Washington. “China, Rússia e o resto do mundo sabem que somos os militares mais poderosos da história.”

A reação de Pequim, à época, seguiu o protocolo da diplomacia chinesa, que comumente busca classificar de interferência externa quaisquer comentários sobre o status de Taiwan. “Quando se trata de questões relacionadas à soberania e à integridade territorial da China e a outros interesses fundamentais, não há espaço para compromissos ou concessões”, afirmou Wang Wenbin, porta-voz da chancelaria.

Nesta segunda, o próprio Wang reagiu ao novo comentário de Biden, repetindo a resposta padrão. “Ninguém deveria subestimar a firme determinação, a firme vontade e a capacidade do povo chinês de defender a soberania nacional e a integridade territorial. A questão de Taiwan é um tema puramente interno da China”, disse. Depois, segundo a agência estatal Xinhua, os chineses foram mais incisivos e disseram que os EUA estão “brincando com fogo”.

Já a chancelaria de Taipé divulgou nota em que agradeceu ao democrata pelo apoio.

Taiwan é um tema considerado ultrassensível para Pequim. Para o regime chinês, a ilha é uma província rebelde desde que os derrotados pela revolução comunista encerrada em 1949 se refugiaram no território e estabeleceram um regime autônomo -autoritário e, agora, democrático e alinhado aos EUA.

“Opomo-nos firmemente às atividades separatistas que buscam a ‘independência de Taiwan’. Opomo-nos firmemente à interferência estrangeira”, diz um trecho da resolução histórica do Partido Comunista Chinês publicada no ano passado, quando celebrou seu centenário.

Para Grant Newsham, coronel americano aposentado e hoje pesquisador do Fórum do Japão para Estudos Estratégicos, o significado da fala de Biden é claro. “Ela merece ser levada a sério. É uma declaração muito clara de que os EUA não ficarão de braços cruzados se a China atacar.”

No início do mês, o diretor da CIA William Burns disse que Pequim observa “com atenção” a invasão da Ucrânia para aprender as lições dos “custos e consequências” de uma eventual tomada da ilha pela força.
Mais recentemente, a China acusou os EUA de “manipulação política” após o Departamento de Estado editar o verbete sobre as relações com Taiwan em seu site. A pasta removeu trecho em que mencionava não apoiar a independência da ilha e reconhecer a posição chinesa sobre o território ser parte do país.
Segundo analistas, os comentários sobre Taiwan podem ofuscar o ponto central da agenda de Biden no Japão, o lançamento do Quadro Econômico Indo-Pacífico, iniciativa que estabelece padrões sobre trabalho, ambiente e cadeias de suprimentos na relação entre EUA e seus aliados na Ásia.

A viagem do líder americano ao continente começou na última sexta (20), na Coreia do Sul. Ele deve se encontrar ainda com outros líderes do Quad, grupo de cooperação de segurança formado por EUA, Austrália, Índia e Japão como forma de conter a crescente influência da China.

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