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Acesso aberto a artigos científicos volta à discussão após mudanças no grupo Springer Nature

O preço da mudança: US$ 11,39 mil (ou mais de R$ 60 mil) por artigo, valor pago pelos próprios cientistas que querem publicar a pesquisa

FolhaPress

31/01/2022 10h01

Bruno faz questão de estar sempre aprimorando os estudos e já chegou a publicar alguns artigos sobre biomecânica do corpo

REINALDO JOSÉ LOPES

Memes satíricos encheram as redes sociais de cientistas do mundo todo quando, em janeiro deste ano, o periódico especializado Nature Neuroscience decidiu fazer um editorial destacando sua recente política para publicação de artigos de acesso aberto -ou seja, que podem ser lidos por qualquer pessoa que disponha de conexão de internet, sem necessidade de uma assinatura.

“Essa transição reflete nosso comprometimento com a ciência aberta e a forte demanda da comunidade científica”, declarou a revista. O preço da mudança: US$ 11,39 mil (ou mais de R$ 60 mil) por artigo, valor pago pelos próprios cientistas que querem publicar a pesquisa.

Apesar do bafafá online há poucas semanas, a política, na verdade, tem sido implementada desde o começo de 2021 nas principais revistas do grupo Springer Nature, uma das mais importantes editoras de periódicos científicos em nível global (o de maior prestígio é a britânica Nature).

Embora a Springer Nature argumente que o valor se justifica pelos serviços oferecidos pelas publicações aos cientistas e pela alta competição por espaço em suas páginas, pesquisadores dizem que a taxa está fora da realidade para países em desenvolvimento, como o Brasil. Além disso, criaria barreiras para a livre divulgação de resultados de pesquisa justamente quando esse seria um dos objetivos do modelo de acesso aberto.

Descontos que considerem a realidade dos países de origem dos cientistas? Por enquanto, isso é carta fora do baralho para praticamente todo mundo. “Eles usam uma classificação socioeconômica do Banco Mundial que só dá gratuidade para o Sudão do Sul e o Afeganistão. Se o pesquisador for do Haiti, já é considerado de país de renda médio-baixa e, portanto, teria de pagar”, diz Alicia Kowaltowski, professora do Departamento de Bioquímica da USP.

O valor cobrado por artigo pelos principais periódicos do grupo é superior aos últimos financiamentos anuais concedidos a pesquisadores pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), principal órgão nacional de fomento à ciência no Brasil. “Escrevi uma carta super desaforada para uma das revistas. É o tipo da coisa na qual ninguém acredita”, diz a geneticista Mayana Zatz, do Instituto de Biociências da USP.

Parte do desaforo, para os cientistas, vem do fato de que os preços elevados são cobrados mesmo levando em conta que uma fatia crucial do trabalho que precede a publicação é feito de forma voluntária. Trata-se da chamada “peer review” ou revisão por pares, que acontece quando um artigo, antes de ser publicado, passa pelas mãos de outros cientistas da mesma área (em geral, anônimos). São eles os responsáveis por avaliar se, em linhas gerais, o trabalho foi feito corretamente e merece ser aceito para publicação. Os responsáveis pela revisão por pares não são pagos por isso.

Kowaltowski lembra que o funcionamento desse processo acaba fazendo a balança pesar em favor das revistas e contra os pesquisadores com menos recursos para pagar o acesso livre. “Não dá para você submeter sua publicação para várias revistas e ver qual tem o melhor preço, por exemplo”, diz ela.

A praxe é que se escolha apenas um periódico de início, e que uma nova submissão só venha meses depois caso o artigo seja rejeitado. A opção dada pelo grupo Springer Nature para os que não podem pagar é deixar o artigo com acesso apenas para assinantes das revistas.

Para Zatz, como os valores não são tão elevados para grupos de pesquisa bem financiados nos EUA e na Europa, a tendência é que eles paguem para conseguir continuar publicando nos periódicos científicos com mais impacto, ou seja, mais lidos e citados pelos cientistas. “É um círculo vicioso, e eles [o grupo editorial] sabem disso, infelizmente.”

Em resposta a perguntas enviadas pela Folha de S.Paulo, o grupo Springer Nature reafirmou, em nota, que os serviços que oferece justificam as taxas cobradas.

“Mais de 280 especialistas altamente qualificados trabalham na criação da Nature e dos outros periódicos do grupo todos os dias”, diz a nota enviada pela assessoria de imprensa. O texto afirma que, além de coordenar todo o processo de revisão por pares e publicação, a equipe investe na indexação e no compartilhamento dos artigos, para fazer com que eles alcancem o máximo de visibilidade em plataformas mundiais de pesquisa.

A nota destaca também que grande parte do trabalho tem a ver com a intensa seleção prévia do conteúdo, já que apenas 8% dos artigos submetidos para a Nature e os principais periódicos do grupo chegam a ser publicados. “Também oferecemos acesso gratuito a um guia para financiamento de publicações” para ajudar os pesquisadores a conseguir meios de pagar o sistema de acesso livre, dizem eles.

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