Menu
Economia

Na contramão do exterior, dólar sobe 0,67% com temor fiscal após fala de Haddad

Pela manhã, o dólar até ensaiou uma queda firme e desceu até a mínima de R$ 4,9730, em meio a apetite por divisas emergentes

Redação Jornal de Brasília

30/10/2023 19h37

Haddad

Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

O aumento da percepção de risco fiscal voltou a tomar conta do mercado de câmbio doméstico na tarde desta segunda-feira, 30. Na contramão da onda de enfraquecimento global da moeda norte-americana, o dólar à vista encerrou o dia em alta de 0,67%, cotado a R$ 5,0469, com máxima a R$ 5,0597. Com isso, a divisa passou a acumular leve valorização (0,40%) em outubro. 

Pela manhã, o dólar até ensaiou uma queda firme e desceu até a mínima de R$ 4,9730, em meio a apetite por divisas emergentes e valorização das cotações do minério de ferro na China. 

A virada se deu no início da tarde à medida que investidores assimilavam declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre a política fiscal. Na sexta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o governo “dificilmente chegará à meta zero”, uma vez que não se pretende “fazer cortes em investimentos e obras” – o que foi visto como um abandono implícito do objetivo estabelecido no novo arcabouço fiscal, além de sinal de desprestígio de Haddad no Planalto. 

Operadores notaram uma pressão maior compradora no mercado futuro à tarde, com investidores acelerando a rolagem de posições na véspera da formação da última Ptax de novembro. O gerente de câmbio da Treviso Corretora, Reginaldo Galhardo, ressalta que as incertezas no campo fiscal aumentaram a demanda por proteção (hedge), em semana mais curta, em razão do feriado de 1º de novembro, e marcada pela “super quarta”, com decisão de política monetária aqui e nos Estados Unidos.

“É uma semana extremamente curta e carregada. E a fala de Haddad hoje, em vez de tranquilizar, trouxe ainda mais dúvidas. Está todo mundo atento ao movimento da cúpula do governo com receio de que a meta fiscal não seja para valer”, afirma Galhardo, para quem os investidores, em um primeiro momento, até deram o benefício da dúvida ao governo na questão do arcabouço fiscal e da reforma tributária.

Após reunião com Lula, Haddad disse que não há, por parte do presidente, “nenhum descompromisso com a meta fiscal”. O ministro alertou para perdas de arrecadação por conta de decisões anteriores do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso. Haddad disse que o presidente “constatou problemas de decisões anteriores que devem ser reformadas ou saneadas”, e esse foi o “sentido do alerta de Lula sobre a meta fiscal de 2024”. 

Indagado se a meta de déficit zero em 2024 está em pé, Haddad disse: “A ‘minha meta’ está mantida”. 

Segundo analistas, as falas e a postura de Haddad, que se mostrou irritado com questionamentos de jornalistas, decepcionaram. Havia expectativa de que o ministro pudesse reafirmar de forma categórica a busca pela meta de déficit zero e alegar que Lula havia sido mal interpretado em suas declarações na sexta-feira. A leitura é a de que Haddad está perdendo a queda de braço com a ala política do Planalto, o que coloca em risco os planos da equipe econômica.

“Haddad tentou acalmar o mercado após o estresse com as declarações de Lula na sexta-feira, mas não teve sucesso. Haddad reafirmou o compromisso fiscal do governo, mas não a meta zero para 2024”, afirma o operador Gabriel Mota, da Manchester Investimentos. “Vimos câmbio e juros para cima hoje em razão do cenário local. É uma questão muito mais interna, ligada à política fiscal”.

No exterior, o índice DXY – que mede o comportamento do dólar frente a seis divisas fortes – operou em queda firme e flertou com o rompimento da linha dos 106,000 pontos na mínima (106,063 pontos). O dólar também caiu na comparação com a maioria das divisa emergentes e de países exportadores de commodities. Apesar do início da invasão terrestre da Faixa de Gaza por tropas israelenses, não houve um agravamento das tensões geopolíticas na região, com possível entrada de novos atores diretamente no conflito. As cotações do petróleo desabaram, com o contrato do Brent para janeiro fechando em queda de 3,19%, a US$ 86,35 o barril.

Taxas de juros

Os juros futuros encerraram a segunda-feira em forte alta, dado o aumento do risco de mudança da meta fiscal, após o ministro da Fazenda não ter defendido, pelo menos com a contundência esperada, o compromisso de zerar o déficit primário no ano que vem. Em outra frente, o governo finalmente anunciou os indicados para as duas diretorias do Banco Central, com o nome do coordenador do IPC-S da Fundação Getulio Vargas (FGV), Paulo Picchetti, sendo bem recebido.

A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) janeiro de 2025 fechou em 11,155%, de 10,977% no ajuste de sexta-feira, e a do DI para janeiro de 2026 subiu de 10,79% para 11,05%. O DI para janeiro de 2027 tinha taxa de 11,22% no fechamento da sessão, de 10,94% no ajuste anterior, e a do DI para janeiro de 2029 avançou de 11,35% para 11,60%.

Já na sexta-feira, havia causado estragos na curva a avaliação de Lula sobre a área fiscal, ao dizer que a meta de primário “não precisa ser zero”, citando, na sua percepção, um custo alto demais, como a necessidade de cortes em investimentos, e que ela dificilmente seria atingida.

Nesta segunda-feira, após reunir-se com Lula, Haddad chamou uma entrevista coletiva. Disse ter apresentado a Lula várias alternativas para buscar o equilíbrio fiscal e, que, se tiverem o aval do presidente, serão apresentadas ao Congresso, incluindo a possibilidade de antecipação de medidas que eram previstas só para 2024. Mas quando questionado pelos jornalistas sobre a questão da meta de déficit zero propriamente dita, ele respondeu que “a ‘minha meta’ está mantida para buscar equilíbrio fiscal de todas as formas justas e necessárias”, antes de deixar o auditório enquanto ainda era questionado pelos repórteres.

Não passaram despercebidos o uso da primeira pessoa, o que para alguns analistas foi lido como um sinal de isolamento do ministro dentro do governo, nem a irritação de Haddad na entrevista. “Estava nitidamente desconfortável, adotando tom mais ríspido em suas respostas aos jornalistas, algo que destoa do modo cortês do ministro da Fazenda”, destaca Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos. “Algo mais profundo está velado nesse quebra-cabeça, visto que há uma clara mudança de ‘modus operandi’ do Executivo junto ao Legislativo.”

Até as taxas curtas, que em semana de Copom oscilavam perto da estabilidade na primeira etapa, passaram a subir efetivamente à tarde, dado o impacto na precificação das apostas para o ciclo da Selic. Por volta as 16 horas, o corte de 50 pontos-base nesta quarta-feira estava amplamente precificado, mas para o Copom de dezembro a curva apontava -42 pontos, ou seja, 30% probabilidade de desaceleração do ritmo para 25 pontos. Para o fim de 2023, a projeção estava entre 11,75% e 12,00%, enquanto a precificação de Selic no fim de 2024 estava pouco abaixo de 11%.

Sobre os indicados para o BC, agradou bastante o nome de Picchetti para a diretoria de Assuntos Internacionais no lugar de Fernanda Guardado, cujo mandato expira em 31 de dezembro. Havia algum receio de que a diretora, considerada da ala mais hawkish, fosse substituída por alguém de perfil heterodoxo e, por isso, a indicação do professor foi recebida com alívio. Doutor em Economia pela University of Illinois e mestre em Economia pela USP, especializado em econometria, Picchetti é uma das maiores autoridades do País no tema da inflação e, na avaliação do mercado, é um nome de perfil técnico para o Copom, uma vez aprovado pelo Senado.

Para a diretoria de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta no lugar de Mauricio Moura, que também deixa a pasta no fim do ano, o governo indicou Rodrigo Teixeira, antigo funcionário do BC e que trabalhou com Haddad na prefeitura de São Paulo, e também no governo federal. Hoje, está na Casa Civil

Bolsa

O Ibovespa iniciou a semana ainda em sinal negativo, descolado de Nova York, onde os ganhos no fechamento desta segunda-feira ficaram entre 1,16% (Nasdaq) e 1,58% (Dow Jones). Aqui, o índice da B3 se firmou em baixa na virada da manhã para a tarde, com as palavras do ministro Fernando Haddad, contribuindo para estender o mal-estar da última sexta, quando os comentários do presidente Lula sobre a meta de déficit zero para o resultado primário em 2024 acenderam luz amarela para os investidores.

Nesta segunda-feira, as palavras de Haddad vieram em linha com a fala do presidente, ao mencionar, entre outros fatores, as dificuldades relacionadas ao ritmo da arrecadação federal, o que pode afetar o cumprimento da meta prevista no arcabouço fiscal. Dessa forma, o dólar e os DIs futuros avançaram na sessão, puxando para baixo o Ibovespa nesta segunda-feira, mesmo com humor mais favorável no exterior. 

Por sua vez, o Ibovespa caiu 0,68%, a 112.531,52 pontos, bem mais próximo à mínima (112.308,50), do fim da tarde, do que à máxima (114.204,07) da sessão, em que saiu de abertura aos 113 303,16 pontos. Assim, mostrou nesta segunda-feira o menor nível de encerramento desde 1º de junho, então aos 110.564,66 pontos. No mês, que termina na terça-feira, o Ibovespa recua 3,46%, limitando a alta do ano a 2,55%. O giro financeiro desta segunda-feira foi de R$ 18,6 bilhões.

O comportamento do dólar e do Ibovespa inverteu-se em relação ao que se via mais cedo, de manhã, com ambos reagindo favoravelmente à leitura do IGP-M, abaixo do esperado para outubro. Depois, com Haddad, o fluxo se alterou, passando a ser comprador no dólar e vendedor no índice de ações, observa uma fonte de mercado, ante a “falta de ênfase” do ministro com relação às palavras ditas anteriormente pelo presidente Lula sobre a zeragem, ou não, do déficit no próximo ano.

Na B3, entre as ações de maior peso no índice de referência, destaque para a alta de 0,90% em Vale ON, embora um pouco enfraquecida no fechamento, o que ainda assim contribuiu para segurar a correção do Ibovespa na sessão, negativa para os grandes bancos, com Santander à frente (Unit -1,29%, na mínima do dia no encerramento). A segunda-feira também foi ruim para as ações da Petrobras (ON -0,81%, PN -1,02%), com o petróleo ainda corrigindo os excessos relacionados ao efeito do conflito em andamento no Oriente Médio sobre os preços da commodity.

Nesta segunda, a queda no WTI e no Brent ficou na casa de 3% no fechamento do dia em Nova York (Nymex) e Londres (ICE), com a referência americana, o WTI, voltando a ser negociada em nível de preço inferior ao do início do conflito.

Na ponta perdedora do Ibovespa na sessão, Grupo Casas Bahia (-6,25%), Magazine Luiza (-6,16%) e Braskem (-5,47%), com Usiminas (+4,49%), CCR (+2,54%) e CSN Mineração (+2,42%) no canto oposto.

“Diferentemente das últimas semanas, a Bolsa caiu hoje por questões internas. A coletiva do Haddad, no fim da manhã, deixou reticente o mercado, que na sexta-feira já havia estressado com a fala do Lula sobre o cumprimento da meta fiscal. Embora não tenha caído tanto hoje, a entrevista do Haddad foi mal digerida”, diz Felipe Moura, sócio e analista da Finacap Investimentos, destacando a diminuição da volatilidade no exterior nesta segunda-feira, inclusive no petróleo.

“De qualquer forma, a semana tende a ser mais defensiva até a ‘super-quarta’ com as decisões sobre as taxas de juros nos Estados Unidos e no Brasil, embora já esteja amplamente precificado que o Federal Reserve deve manter os juros de referência por lá, e o Copom reduzir em meio ponto porcentual a Selic”, acrescenta o analista.

No exterior, dados sobre o PIB alemão, divulgados pela manhã, trouxeram queda menor do que se projetava para o terceiro trimestre, o que foi bem recebido nos mercados europeus, observa Helder Wakabayashi, analista da Toro Investimentos, destacando também o avanço de 2,5% no preço do minério de ferro em Dalian, na China. “No petróleo, houve desmonte de posições que haviam sido colocadas para a eventualidade de uma escalada, no fim de semana, do conflito entre Israel e Hamas – que segue em andamento, mas até agora não envolveu terceiras partes”, acrescenta.

Estadão Conteúdo

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado