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Economia

Juíza alerta 123milhas que donos podem pagar do próprio bolso

Ela alerta que os donos da companhia podem pagar do próprio bolso eventuais danos causados aos clientes

Redação Jornal de Brasília

31/08/2023 20h13

Defensoria Pública de Minas Gerais entra com ação contra 123Milhas. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

DANIELE MADUREIRA E CRISTIANE GERCINA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Na sentença em que concedeu a recuperação judicial à 123milhas, a juíza Cláudia Helena Batista, da
1ª Vara Empresarial de Belo Horizonte, adverte a plataforma de turismo que os direitos dos consumidores -os maiores credores da empresa- devem ser respeitados.

Ela alerta que os donos da companhia podem pagar do próprio bolso eventuais danos causados aos clientes.

“O ordenamento jurídico brasileiro confere especial atenção ao direito do consumidor e dentro do
sistema reserva normas de ordem pública que podem e devem conversar com o sistema recuperacional”, afirma a magistrada.

Batista destaca que, no processo, poderão intervir “todos os órgãos colaboradores que possam informar, mediar, apresentar propostas e fiscalizar as etapas processuais”.

“Na eventual constatação de irregularidades, desvios de finalidade, negligência em relação ao mercado de consumo, [há] a possibilidade da implantação das medidas protetivas, especialmente da desconsideração da personalidade jurídica, previstas nos artigos 28 do CDC e 50 do Código Civil de 2002”, afirma.

O artigo 28 do CDC (Código de Defesa do Consumidor) diz que “o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social”.

O texto afirma ainda que “a desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”.

Já o artigo 50 do Código Civil determina que, “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”.

De acordo com Carolina Vesentini, advogada do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), a indicação dos dois artigos na sentença foi uma forma de aumentar a proteção aos direitos dos clientes de 123milhas e HotMilhas.

Mas há uma grande diferença entre eles. “O artigo 28 do CDC é uma norma de ordem pública, não exige requerimento do consumidor para que se efetive a desconsideração da personalidade jurídica”, afirma.

“Ou seja: o juiz pode decretar de ofício, por conta própria, a desconsideração da personalidade jurídica, com o intuito de contribuir para a reparação dos danos. Basta apenas que seja verificada a insolvência da empresa, a sua incapacidade de pagar os credores, para que esse direito seja garantido”, diz a especialista.

O artigo 50 do Código Civil, por sua vez, exige o requerimento do consumidor ou de um membro do Ministério Público, desde que sejam observados requisitos específicos para isso, como o abuso da personalidade jurídica caracterizado, por exemplo, pela confusão patrimonial (misturar os bens da empresa com os dos donos), afirma Carolina.

Na sentença, a juíza afirma que as soluções para uma recuperação judicial dessa magnitude devem ser “construídas por todos os envolvidos.”

“Especialmente quanto à cooperação judicial e extrajudicial com os órgãos públicos. Seja através de
termos e entendimentos com as justiças especializadas, órgãos de fiscalização, Procons, consumidores será o mais amplo possível, com possibilidade de audiências, trocas de informações, videoconferências e termos para um completo quadro de atendimento de todos os credores e especialmente dos consumidores no território nacional”, afirma.

A advogada Camila Crespi, especialista em reestruturação empresarial na Luchesi Advogados, concorda que a juíza teve cuidado especial com os consumidores.

“Ela dá proteção especial aos clientes quando fala da possibilidade de intervenção de órgãos reguladores durante o processo e trata também sobre os bloqueios de ativos da empresa em recuperação, incluindo os dos seus sócios”, afirma.

Os consumidores representam a maior parte dos credores lesados pela companhia: são os principais representantes da classe 3, dos quirografários, que têm R$ 2,2 bilhões a receber.

“O diferencial da sentença é a proteção especial ao consumidor. A juíza coloca isso na própria decisão quando, por exemplo, dispensa da comprovação prévia por meio de perícia contábil, que será feita ao longo do processo”, diz Camila.

O advogado Alexandre Berthe, especialista em direito do consumidor, afirma que se o número de credores for realmente confirmado, esse é um dos maiores casos de envolvendo consumidor e Justiça do país, algo que chamou de “inacreditável”.

Para ele, como já foi demonstrada pela Justiça a intenção de proteger o cliente, quem fez negócios com a 123milhas e foi afetado pela recuperação judicial deve acompanhar as decisões e os trâmites, além de monitorar a lista de credores.

“Sigam as orientações que serão divulgadas para a habilitação de forma administrativa, se for necessário. Por ora, é preciso aguardar. Isso porque, em até 60 dias, a empresa vai apresentar um plano de recuperação judicial e será possível até compreender se seu negócio será ou não viável, se ajustes serão necessários ou não.”

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