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Economia

Haddad propõe desconto de até 65% a empresas para destravar principal medida de arrecadação

A iniciativa está em minuta obtida pela reportagem e é uma tentativa da equipe econômica de destravar o avanço da MP (Medida Provisória)

Redação Jornal de Brasília

23/11/2023 16h48

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

IDIANA TOMAZELLI E VICTORIA AZEVEDO

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) negocia com o Congresso Nacional uma proposta de transação tributária específica para empresas afetadas pela taxação das subvenções do ICMS negociarem os valores não recolhidos no passado com até 65% de desconto.

A iniciativa está em minuta obtida pela reportagem e é uma tentativa da equipe econômica de destravar o avanço da MP (Medida Provisória) 1.185, que busca eliminar brechas que hoje facilitam a retirada desses benefícios da base de cálculo dos tributos federais IRPJ e CSLL.

A correção dessa distorção poderia render R$ 35 bilhões em receitas extras em 2024, o que torna a medida uma das principais apostas do Ministério da Fazenda para elevar a arrecadação no ano que vem e se aproximar da meta de déficit zero estipulada pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).

A cobrança dos valores retroativos, porém, é alvo de impasse entre governo e Congresso. A proposta de transação tributária poderia minimizar o impacto das cobranças sobre as empresas, na avaliação do governo. Parlamentares, por sua vez, ainda demonstram resistências.

A minuta elaborada pelo Executivo está sendo discutida com os congressistas. A versão final do texto ainda pode sofrer mudanças, conforme o rumo das negociações.

A transação mira os créditos relativos às subvenções do ICMS que foram abatidas pelas empresas (de forma indevida, na visão da Fazenda) da base de cálculo de IRPJ e CSLL, reduzindo a arrecadação federal, nos últimos anos -antes da publicação da MP 1.185.

Segundo o texto, os valores já detectados pela Receita Federal em fiscalizações ou inscritos em dívida ativa poderão ser negociados com desconto de até 65% do valor total.

Para obter o abatimento máximo de 65%, o saldo restante deve ser pago em 12 prestações mensais.
Outra opção é quitar 5% do valor antes dos descontos em até cinco prestações, parcelando o restante com 50% de desconto em um prazo de 60 meses, ou com 35% de desconto em 84 meses.

Há ainda casos em que a Receita Federal não chegou a autuar as empresas que recolheram menos tributos sobre o lucro nos últimos anos. Para essas situações, o texto propõe uma “autorregularização”, sob as mesmas condições da transação ofertada àqueles que já foram alvo do fisco.

Dentro do governo, porém, há certa cautela com o potencial efetivo da autorregularização. Uma ala vê nas investidas do Congresso uma tentativa de amarrar a União e impedir a cobrança dos valores abatidos indevidamente da base de cálculo dos tributos federais.

O presidente da FPE (Frente Parlamentar do Empreendedorismo), deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), diz que está a par das negociações para incluir uma transação, mas avalia que a medida não vai resolver o impasse, uma vez que as empresas consideram indevida a cobrança retroativa dos valores.

“Quem não pagou é porque está coberto por uma legislação”, diz o deputado. “Não pode taxar as empresas cinco anos para trás. Elas acreditaram naquele estado que deu incentivo para eles. Não fizeram nada fora da lei.”

Segundo interlocutores do governo e do Legislativo, a medida tem sido tema de conversas entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), líderes partidários e Haddad. Nesta semana, Lira e o ministro da Fazenda conversaram ao menos duas vezes sobre o texto.

De acordo com os relatos, o ministro destacou que não poderia simplesmente abrir mão da cobrança dos valores retroativos, uma vez que isso significaria um perdão vedado pela LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). Foi nesse contexto que o Executivo propôs a transação específica.

A nova minuta também busca contemplar pedidos de esclarecimento feitos por líderes em encontro no último dia 8. Como mostrou a Folha de S.Paulo, o governo está disposto a flexibilizar as situações em que as empresas terão direito a um crédito fiscal para abater o tributo a ser pago -mantendo, na prática, o efeito de isenção que se aplica hoje.

Hoje, a proposta do governo é conceder o crédito quando o incentivo do ICMS é direcionado a investimentos. A regra contábil, porém, só considera nessa categoria os gastos com construções, compra de máquinas e equipamentos e outros investimentos sujeitos a depreciação ou amortização.

Nos bastidores, o governo está disposto a ampliar a concessão dos créditos para contemplar contratos “mais modernos”, como um arrendamento ou aluguel de imóvel construído sob medida por empresa ou fundo imobiliário. Tecnicamente, esse gasto não é um investimento, mas a legislação poderia permitir a equiparação, uma vez que haveria ampliação da capacidade de produção.

Por isso, a versão mais recente da minuta diz que o crédito a ser usado pelas empresas para recolher menos IRPJ e CSLL poderá ser calculado também sobre receitas direcionadas a financiar “locação ou arrendamento de bens de capital”.

O que segue sendo inegociável, segundo interlocutores do governo, é a exigência de vinculação entre o benefício concedido e a atividade produtiva ou algum tipo de investimento.

Uma ala do Congresso ainda tentou emplacar a tese de que a taxação seria válida apenas sobre novas subvenções, concedidas pelos estados a partir da aprovação da MP, blindando os atuais incentivos de qualquer cobrança. Essa possibilidade é rejeitada pelo governo, pois reduziria o potencial de arrecadação a zero em 2024.

A taxação dos incentivos fiscais do ICMS busca regulamentar uma decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) sobre o tema.
Empresas contempladas por essas subvenções experimentam um aumento do seu lucro, que é sujeito à incidência de IRPJ e CSLL. Quando os benefícios são ligados a investimentos com contrapartidas, a legislação permite abater os valores da base de cálculo dos tributos federais, uma forma de garantir que o incentivo seja integralmente apropriado pela empresa.

No entanto, brechas na lei vinham sendo usadas pelas companhias para descontar também as subvenções ligadas ao custeio, que apenas ampliam a lucratividade dos sócios sem necessariamente trazer ganhos econômicos. O Ministério da Fazenda entende que, nesses casos, os estados estão dando incentivos com o chapéu alheio, por isso a necessidade de taxar as subvenções.

A conclusão de um acordo sobre o conteúdo da proposta é considerada essencial por parlamentares, pois dela depende a definição do formato de tramitação no Congresso, se por MP ou projeto de lei com urgência constitucional.

A MP tem potencial para tramitar de forma mais célere e, por isso, tem a preferência da equipe de Haddad. Em meio ao calendário apertado, a instalação de uma comissão mista (formada por deputados e senadores) poderia acelerar a discussão do texto antes da votação no plenário de Câmara e Senado.

O projeto de lei também atenderia ao governo, mas sob risco de render uma arrecadação menor em 2024. Enquanto a MP tem vigência imediata, efeito que se mantém quando ela é convertida em lei, a instituição da cobrança por projeto de lei precisa respeitar a noventena, entrando em vigor 90 dias após a sanção.

Lira tem afirmado a interlocutores que, uma vez acordado no mérito, ele não irá se opor à tramitação como MP. Desde o começo do ano há um impasse entre as duas Casas sobre esse tipo de iniciativa -o presidente da Câmara reivindica maior poder dos deputados no rumo dessas propostas, algo a que o Senado resiste.

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