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Economia

Guedes e presidente do Banco Central destoam em discursos sobre risco fiscal

Diante das incertezas sobre o destino, o mercado piorou suas projeções para câmbio, inflação e juros em 2021 na semana passada

Redação Jornal de Brasília

21/08/2021 13h25

Foto: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil

Fábio Pupo e Larissa Garcia
FolhaPress

Os discursos do ministro Paulo Guedes (Economia) e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, têm destoado quando o tema é a avaliação do risco fiscal do país. O desalinhamento é notado por analistas, que citam preocupações não só com a retórica do governo mas também com as propostas discutidas pelo Executivo.

Enquanto Guedes fala que o fiscal não está fora de controle e que a volatilidade recente do mercado não está ligada à realidade econômica, Campos Neto tem alertado sobre a percepção de risco para as contas públicas, a necessidade de o governo se explicar e até mesmo sobre consequências perversas do cenário -como a elevação dos juros em um país endividado.

Diante de incertezas sobre o destino das contas públicas, o mercado piorou suas projeções para câmbio, inflação e juros em 2021 na semana passada. A Bolsa passou a operar no vermelho no acumulado do ano. Também começaram a cair as expectativas para o PIB em 2022.

“Entendo que o ruído já foi gerado e isso tem de ser explicado. O governo tem de passar uma mensagem responsável sobre qual será a trajetória fiscal daqui para a frente”, afirmou Campos Neto em evento na quinta-feira (19).
Para tentar amenizar a situação, Campos Neto disse na semana que, quando o governo explicar como será pago o novo Bolsa Família -renomeado de Auxílio Brasil- e esclarecer que a medida não vai impactar as contas públicas, o ruído deve diminuir.

Segundo o presidente do BC, o mercado relaciona as últimas medidas anunciadas às eleições de 2022, o que gera desconfiança. No fim de maio, Guedes já havia sinalizado que as eleições diminuiriam o compromisso com a austeridade. “Nós jogamos na defesa nos primeiros três anos, controlando despesas. Agora vem a eleição? Nós vamos para o ataque”, disse em entrevista à Folha de S.Paulo.

Na semana passada, após ser questionado sobre a preocupação dos analistas com o cenário fiscal e a piora no mercado de juros, Guedes disse que a explicação está na politização e no clima eleitoral. “O fiscal não está fora de controle. Vejam os dados. Os números não dizem isso. A explicação está na politização, na agudização da política e do clima eleitoral”, afirmou em entrevista ao jornal Valor Econômico.

Internamente, a equipe econômica repete a lógica de Guedes ao dizer que a economia mostra bons sinais. Adicionalmente, integrantes ressaltam a crise institucional como fator de pressão sobre o dólar, o que impulsiona os preços. “De um lado, Lula aparece à frente nas pesquisas eleitorais. De outro, a reação aqui dentro é a tentação de jogar o Bolsa Família para R$ 400, o mercado especulando se vamos furar o teto. Não tem nada que ver com a realidade econômica”, afirmou Guedes.

As declarações do ministro foram dadas após o governo apresentar uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para parcelar dívidas reconhecidas pela Justiça -os precatórios- e que deveriam ser pagas em 2022. A medida dribla o limite constitucional do teto de gastos ao abrir espaço para o Auxílio Brasil.

Apesar dos argumentos da equipe econômica em torno da proposta, as preocupações do mercado geraram pressões adicionais em indicadores como o câmbio, ajudando a alimentar as expectativas de inflação e afetando o mercado de juros.

A economista e consultora Zeina Latif afirma que a diferença de discurso entre Guedes e Campos Neto é de certa forma esperada como parte do esforço do governo de diminuir a percepção de deterioração nas contas. Mas, para ela, a negação sobre o desafio fiscal intensifica as preocupações. “Não admitir [o risco fiscal] é um problema. Quando fica muito nessa negação, os agentes econômicos ficam mais preocupados. Aumenta o temor”, diz.

Para ela, a situação também preocupa pela elevação do tom do BC e pelo descolamento da inflação do Brasil em relação à de outros países. Em sua visão, isso sinaliza um problema de política econômica.
Enquanto isso, diz Latif, a Economia se ausenta da tarefa de arrefecer temores inclusive no Congresso. “Você vê uma omissão do governo. Por exemplo, a discussão da reforma tributária. Onde está o Ministério da Economia? A gente está sem rumo ali.”

Para Latif, a ausência de medidas concretas para enfrentar desafios como o pagamento de precatórios lembra os eventos que levaram à falta de credibilidade das contas da então presidente Dilma Rousseff (PT). “Teve um momento em que os analistas e agentes de mercado olhavam o resultado primário e o resultado da dívida líquida e falavam que era irrelevante. [Consideravam haver] Tanta contabilidade criativa que o número não representava nada”, diz.

O economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC, diz que a autoridade monetária e a Economia estão caminhando em direções opostas. “Se não houvesse desalinhamento, não haveria ruído.” O analista lembra que o afastamento entre a autoridade monetária e a pasta é recente. “Há pouco tempo, Guedes reclamava de ministros fura-teto; agora ele quer furar o teto.”

Para ele, Guedes está engajado em reeleger o presidente Jair Bolsonaro em 2022 e Campos Neto precisará conter a escalada de preços. “O que vemos é o governo afrouxando o teto e vitaminando o Bolsa Família. Além disso, não sabemos como será o projeto de Imposto de Renda em termos de arrecadação. Isso tudo com a relação entre dívida e PIB em trajetória de elevação”, afirma.

José Luis Oreiro, economista e professor da UnB (Universidade de Brasília), discorda que o risco fiscal seja o motivo da piora das projeções. O professor aponta falhas tanto do governo -na gestão da oferta no país- como do BC -ao usar a Selic para tentar conter preços sem que isso gere efetividade no cenário atual.

“O governo poderia ter adotado políticas proativas para tentar resolver os gargalos nas cadeias de produção, mas nada foi feito. No caso dos alimentos, Guedes acabou com os estoques reguladores da Conab [Companhia Nacional de Abastecimento] em 2019, então o governo ficou sem instrumentos”, diz.

Procurados, Ministério da Economia e BC não haviam se pronunciado até a publicação deste texto.

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