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Economia

Economia contradiz Guedes e diz que basta ter recursos para dar aumento real no salário mínimo

A medida foi defendida por Guedes, embora o ministro negue a intenção de conceder reajustes abaixo da inflação

FolhaPress

22/10/2022 9h55

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Idiana Tomazelli
Brasília, DF

O ministro Paulo Guedes (Economia) defendeu a desindexação do salário mínimo como um mecanismo para dar aumentos reais, acima da inflação, mas, segundo o próprio Ministério da Economia informou à Folha de S.Paulo, o aumento nesse formato depende de disponibilidade de verba e não há uma trava legal para o aumento mais benevolente.

Na prática, a posição da pasta sugere não ser necessária a desindexação defendida pelo ministro de Jair Bolsonaro (PL).

“Basta ter espaço no Orçamento e editar uma lei ou MP (Medida Provisória)”, disse a pasta via assessoria de imprensa. O ministro também foi questionado diretamente por meio de mensagem, mas não respondeu.

A Constituição Federal manda o governo assegurar a manutenção do poder aquisitivo do salário mínimo, promovendo o reajuste pela inflação observada no ano anterior. A desindexação seria retirar essa obrigação, permitindo a definição do percentual ano a ano.

A medida foi defendida por Guedes, embora o ministro negue a intenção de conceder reajustes abaixo da inflação.

“Se estiver tendo conversa de desindexação, é muito mais pensando se a inflação realmente aterrissar e a gente quiser dar um aumento real”, disse durante entrevista a jornalistas nesta quinta-feira (20) no Rio de Janeiro.

Mais tarde, no mesmo dia, o presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a admitir que, com a mudança, o percentual ficaria indefinido, embora tenha prometido dar um aumento acima da inflação em 2023.

“O Paulo Guedes fala muito em desindexação da economia. E daí no bolo, o que ele quer desindexar? O percentual fica indefinido. E, no momento, você tem a garantia de no mínimo […] no mínimo vai ter um aumento real, mais do que a inflação”, afirmou Bolsonaro durante participação no podcast Inteligência Ltda.

A restrição hoje é justamente de recursos. Cada 1% de alta no salário mínimo gera um impacto adicional de R$ 4,8 bilhões no Orçamento. A proposta de 2023 foi enviada pelo governo ao Congresso Nacional sem previsão de reajuste acima da inflação pelo quarto ano seguido, sob a justificativa de que não há espaço no teto de gastos -regra que limita o avanço das despesas à inflação.

Guedes e Bolsonaro se posicionaram após o jornal Folha de S.Paulo revelar os planos do ministro para flexibilizar a correção do piso nacional e das aposentadorias como forma de criar espaço no teto de gastos. Nas discussões internas, a intenção era considerar a expectativa da inflação para o ano corrente. A garantia mínima seria a meta de inflação, hoje em 3,5%.

A divulgação do plano deflagrou uma crise dentro do Ministério da Economia. Segundo relatos, o ministro, que chegou a fazer acusações públicas de “fake news”, iniciou uma operação interna para tentar descobrir quem havia sido o responsável pelo vazamento.

Guedes também foi cobrado pelo Palácio do Planalto, uma vez que as medidas tiveram péssima repercussão na campanha de Bolsonaro, que busca a reeleição e está em desvantagem em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Um clima de mal-estar se instalou nos bastidores, e a ordem agora é evitar novas polêmicas em torno do tema.

Nesta sexta-feira (21), o presidente gravou novo vídeo reiterando a promessa de reajuste real do salário mínimo, de todas as aposentadorias e também para os funcionários públicos, em uma tentativa de desarmar os ataques feitos à campanha após a revelação do plano.

Auxiliares de Guedes também adotaram o discurso de que há “chance zero” de se “quebrar o piso” em cima de salário mínimo e aposentadorias. A expressão é usada pelo ministro para ilustrar o efeito da adoção de medidas para frear o crescimento de despesas obrigatórias.

Na quinta-feira (20), Guedes negou a intenção de mudar a correção do salário mínimo “durante o jogo”, mas admitiu ser favorável à desindexação. Segundo ele, a medida pode muitas vezes ser “a salvação”.

O ministro chegou a citar exemplos comparando a correção do salário mínimo com a meta de inflação e expectativas para o índice de preços, elementos que constavam na proposta em discussão. No entanto, ele não explicou qual seria o balizador mínimo da atualização do piso nesse cenário.

“Vamos supor que agora que a inflação seja 5,5% esse ano e que a meta de inflação seja 3,5%. A gente evidentemente vai dar o 5,5%. A gente não vai, no meio do jogo, mudar a regra para atrapalhar alguém. Agora, suponha que aí, a expectativa de inflação para o outro ano já fosse mais baixa, fosse 5%, e você fala assim, vou dar 5,5% de novo, porque eu quero dar um aumento real. Você teria desindexado, e seria um aumento real”, afirmou na ocasião.

Desde a instituição do regime de metas de inflação, em 1999, é mais comum a variação dos preços marcar um percentual acima do centro da meta do que abaixo. Por isso, a mudança avaliada poderia levar a uma desvalorização real do salário mínimo e das aposentadorias.

Economistas do Made/USP (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo) estimaram que o piso nacional, hoje em R$ 1.212, teria um valor bem menor, de R$ 502, caso a política desde 2002 fosse a correção pelas expectativas de inflação, como na proposta.

Especialistas em contas públicas confirmaram que, para dar reajustes no salário mínimo acima da inflação, a desindexação defendida por Guedes não é necessária.

“O salário mínimo é definido por medida provisória anualmente, logo, não há um impedimento legal para tal alteração. A questão é que o salário mínimo impacta as despesas do governo, como Previdência, abono salarial, BPC (Benefício de Prestação Continuada), entre outros”, informou a IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado.

O consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados Ricardo Volpe afirmou que o reajuste pela inflação está na Constituição, mas isso não significa uma trava a aumentos maiores. “O que existe é, se o gasto obrigatório for acima de 95% do total, não pode dar aumento real para nenhuma despesa. Mas ainda não estamos nesse limite”, ressaltou.

Para o ano que vem, a previsão do governo é que as despesas obrigatórias fiquem em 93,7% do total. Os próprios técnicos consideram a marca de 95% muito difícil de ser atingida.

Outros interlocutores que pediram anonimato também asseguraram que uma proposta de desindexação só faz sentido para permitir ao governo conceder reajustes abaixo da inflação.

O Ministério da Economia já cogitou anteriormente propor a desvinculação de benefícios da Previdência ou do salário mínimo, mas esbarrou na resistência de Bolsonaro, que chegou a ameaçar com um “cartão vermelho” um secretário que foi porta-voz da ideia em 2020.

A maior flexibilidade nessas despesas, contudo, sempre foi uma bandeira de Guedes e é defendida por atuais integrantes da equipe econômica. Em junho, o secretário especial do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Esteves Colnago, afirmou em audiência pública no Congresso que a maior medida na área fiscal seria rever a elevação automática de despesas públicas -e citou como exemplo a desindexação de benefícios previdenciários e salário mínimo.

Guedes havia retomado a proposta para incluí-la em seu novo marco fiscal. Após voltar de viagem aos Estados Unidos, o ministro manteve várias reuniões com as áreas técnicas para elaborar a PEC (proposta de emenda à Constituição) com as mudanças, que também incluiriam uma reformulação do teto de gastos.

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