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Economia

Dólar fecha praticamente estável de olho em Powell e conflito Israel-Hamas

Na ausência de indicadores locais relevantes, a formação da taxa de câmbio foi mais uma vez ditada pelo ambiente externo

Redação Jornal de Brasília

19/10/2023 18h39

O dólar à vista encerrou a sessão desta quinta-feira, 19, praticamente estável no mercado doméstico de câmbio. Pela manhã, a divisa até ensaiou uma alta mais firme, quando registrou máxima a R$ 5,0838, mas acabou perdendo fôlego ao longo da tarde. Com mínima a R$ 5,0198, o dólar fechou cotado a R$ 5,0528 (-0,03%). Na ausência de indicadores locais relevantes, a formação da taxa de câmbio foi mais uma vez ditada pelo ambiente externo. 

Investidores digeriram declarações do presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), Jerome Powell, no início da tarde, e monitoraram notícias sobre o andamento da guerra entre o grupo palestino Hamas e Israel. Com temores de alastramento do conflito pela região, com eventual envolvimento do Irã, os preços do petróleo fecharam em alta firme, apesar da retomada de negócios entre EUA e o setor petrolífero venezuelano

No exterior, o índice DXY – termômetro do comportamento do dólar em relação a seis divisas fortes, em especial euro e iene – recuava cerca de 0,30% no fim da tarde, ao redor dos 106,200 pontos. As taxas dos Treasuries longos voltaram a subir, com a T-note de 10 anos flertando com o nível de 5%. 

Em discurso em Nova York, Powell, repetindo falas recentes de dirigentes do BC americano, disse que o avanço das taxas dos Treasuries leva a um aperto das condições financeiras, o que pode ajudar o Fed a controlar a inflação. 

De outro lado, o chairman ressaltou a que a economia continua forte e que há dúvidas sobre os efeitos defasados do aperto monetário. Sinais de “crescimento persistentemente acima da tendência” ou de que o mercado de trabalho segue muito apertado, disse Powel, podem “justificar o aperto adicional da política monetária”. 

Para a economista Cristiane Quartaroli, do Banco Ourinvest, o quadro de incertezas em torno da política monetária americana, agravado pela guerra no Oriente Médio e seus efeitos sobre o petróleo, exacerbam a volatilidade no mercado de câmbio. “O discurso do presidente do BC americano foi cauteloso. A leitura de parte do mercado foi de que pode não haver novas altas de juros. Mas a próxima reunião é apenas no início de novembro e muita coisa pode acontecer até lá com essa questão da guerra”, afirma Quartaroli.

Após encontro com o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, o presidente de Israel, Benjamin Netanyahu, afirmou nesta quinta que o combate ao Hamas “será uma guerra longa”. À tarde, o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, deu sinais de que uma invasão da Faixa de Gaza é iminente. “Quem vê Gaza de longe agora, verá ela de dentro”, disse em visita a tropas israelenses estacionadas na região.

Para o economista-chefe da Nomad, Danilo Igliori, o discurso de Powell “não ajudou a iluminar” o caminho da política monetária americana. “Eu arriscaria dizer que se a reunião fosse hoje a probabilidade de manutenção seria maior. Mas tem muita coisa para acontecer até o final do mês, particularmente com relação aos desdobramentos da guerra no Oriente Médio. Se ficar claro que a oferta de petróleo vai sofrer de forma expressiva pode haver maior pressão para mais uma elevação”, afirma Igliori. 

Em visita ao Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado), o coordenador do grupo consultivo macroeconômico da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) e economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato Barbosa, afirmou que os juros mais altos nos EUA podem, em algum momento do primeiro semestre de 2024, causar desvalorização do real em relação ao dólar e, consequentemente, pressionar a inflação doméstica. 

“Se a relação entre a Selic e o juro nos EUA ficar muito baixa, os investidores também vão comprar mais títulos lá do que no Brasil”, disse Honorato.

Taxas de juros

Os juros futuros completaram a terceira sessão consecutiva de alta, após terem experimentado algum alívio na última segunda-feira. As taxas estiveram novamente sob forte pressão vinda dos Treasuries, com o retorno da T-Note de 10 anos se aproximando dos 5%, em dia marcado pelo discurso do presidente do Federal Reserve, sugerindo postura conservadora na condução dos juros. O noticiário geopolítico também contribuiu para a escalada das taxas via aumento dos preços do petróleo, mesmo com o câmbio bem comportado.

A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2025 fechou em 11,245% (máxima), de 11,073% no ajuste anterior, e a do DI para janeiro de 2026 saltou de 10,96% para 11,27% (máxima). O DI para janeiro de 2027 encerrou com taxa de 11,45%, na máxima, (11,12% na quarta-feira) e o DI para janeiro de 2029 subiu de 11,51% para 11,79%.

A curva local espelhou a configuração da curva norte-americana, com ganho de inclinação em ambos os casos. Nos EUA, o retorno da T-Note de 2 anos caiu, mas o do papel de 10 anos avançava a 4,98% no fim da tarde, com máxima de 4,994%.

Pela manhã, a alta das taxas era bem controlada, enquanto o mercado aguardava o discurso de Powell no Clube Econômico de Nova York marcado para as 13 horas, na esperança de algum alívio para descomprimir as taxas, ao mesmo tempo em que monitorava o noticiário sobre a guerra Israel-Hamas. À primeira parte da fala, o mercado reagiu positivamente, com os DIs chegando a zerar a alta. Num segundo momento, porém, retomaram a escalada, acompanhando o movimento dos Treasuries.

O estrategista-chefe da RB Investimentos, Gustavo Cruz, explica que Powell começou com uma “fala dovish”, dizendo entender que não estaria garantida a necessidade de alta de juros e que iriam analisar dado a dado. “O que acalmou o mercado, mas depois ele mudou o tom”, disse. “Ao mencionar que entre aliviar a parte fiscal e levar a inflação para a meta, a prioridade tem sempre de ser levar a inflação para a meta, acabou neutralizando aquele primeiro sentimento de grande alívio que o mercado poderia interpretar como mais nenhuma chance de alta de juros. Ainda tem”, afirmou o estrategista.

O dirigente apontou que a autoridade não mudaria sua política monetária por causa de um caminho insustentável do aspecto fiscal nos EUA. Powell avalia que os mercados estão voláteis, mas que a autoridade deve deixar “isso se desenrolar e observar”

As declarações neste segundo momento desencadearam nova escalada dos Treasuries, levando a curva por aqui a abrir mais de 20 pontos. O estrategista de renda fixa da BGC Liquidez, Daniel Leal, endossa o efeito Powell sobre as taxas dizendo que o tom “foi duro” e que o mercado está muito machucado também pelas incertezas relacionadas aos conflitos no Oriente Médio. “O mercado está muito tensionado, com os nervos à flor da pele”, disse. 

Bolsa

Em cima de preço e ponto de entrada favorável, o Ibovespa parecia até bem perto do ajuste final que obteria, nesta quinta-feira, algo que tem se mostrado cada vez mais raro – descolamento do exterior. Assim, operou em alta a maior parte da sessão, mesmo quando a fala do presidente do Federal Reserve passou a deprimir os investidores. Ao fim, prevaleceu o sinal hegemônico desde que a preocupação global com o nível dos rendimentos dos Treasuries se impôs ao apetite por risco, o que se agravou do dia 7 para cá com a abertura de nova frente de incerteza, desta vez no Oriente Médio, com o ataque do Hamas a Israel.

Nesta quinta-feira, mesmo com o sinal negativo na maior parte da sessão para os índices de ações em Nova York, e de novo avanço para os yields dos títulos do Tesouro americano, o Ibovespa resistia em leve alta aos piores momentos do dia para Nova York. Mas entregou um fechamento em leve baixa de 0,05%, aos 114 004,30 pontos, vindo de perdas nos dois dias anteriores, de 1,60% e 0,54%, após abertura positiva na semana, em alta de 0,67% na segunda-feira.

Em Nova York, Dow Jones mostrava baixa de 0,75%, S&P 500, de 0,85%, e Nasdaq, de 0,96%, no encerramento desta quinta Na B3, o índice de referência oscilou entre mínima de 113.767,75 e máxima de 115.062,61 pontos, no início da fala de Powell, saindo de abertura aos 114.059,49 pontos na sessão.

Na semana, o Ibovespa cede 1,51%, o que coloca o recuo do mês a 2,20%. No ano, o índice sobe 3,89%. O giro financeiro foi a R$ 22,0 bilhões na sessão, no dia seguinte ao vencimento de opções sobre o Ibovespa. 

Nesta quinta, mesmo sem a contribuição de Petrobras (ON -0,72%, PN -0,47%), apesar do sinal positivo do petróleo, o Ibovespa contava com apoio do setor de consumo, que subia perto de 1% à tarde, mas entregou fechamento pouco acima da estabilidade (+0,06%). 

O dia se mostrava especialmente positivo também para o setor financeiro, o de maior peso no índice, com as ações de grandes bancos mostrando alta bem mais acomodada no fechamento, com ganhos entre 0,49% (Bradesco PN) e 1,16% (Itaú PN) no fim do dia E, com o desempenho negativo não apenas de Petrobras – que veio de máxima histórica, na quarta-feira – mas também de Vale (ON -1,44%, na mínima da sessão no encerramento), o índice de materiais básicos (IMAT) fechou em baixa de 0,49%, após também ter chegado a mostrar avanço nesta quinta-feira.

Na ponta do Ibovespa, destaque para Cielo (+6,53%), Energisa (+3,27%) e Copel (+2,97%). No lado oposto, Magazine Luiza (-6,94%), CVC (-5,54%) e Gol (-4,97%).

No início da tarde, o discurso inicial de Jerome Powell chegou a animar os negócios em Wall Street, com os rendimentos dos Treasuries de 2 e 10 anos renovando então as mínimas da sessão, enquanto os três principais índices de ações (Dow Jones, S&P 500 e Nasdaq), em alta, buscavam as máximas do dia por lá.

Ao fim, as indicações reiteradas por Powell sobre a percepção do Fed quanto à inflação nos Estados Unidos acabaram por se impor, fazendo com que o ânimo inicial dos investidores refluísse.

“O sinal de Powell ainda é o de que os juros americanos permanecerão altos por mais tempo, e que a orientação da política monetária nos Estados Unidos continua a depender dos dados econômicos. Por aqui, houve descolamento em parte do dia na Bolsa, muito em função de preço, e o ajuste não era maior, nos melhores momentos da sessão, porque Vale caía e Petrobras corrigia um pouco, vindo ontem de máxima histórica”, diz Gustavo Harada, chefe da mesa de renda variável da Blackbird Investimentos.

“Era um dia de alívio na B3 após uma sequência ruim, em que ainda prevalece o ‘risk off’, a aversão a risco. As declarações de Powell, hoje, podem ser consideradas ainda ‘hawkish’, com a prioridade concentrada no combate à inflação, que permanece muito alta. Apesar disso, há sinais de que parece estar convergindo para a meta. Ainda assim, o conjunto da fala de Powell fez a curva de juros subir nos Estados Unidos, e o nosso DI futuro acompanhou por aqui, à tarde”, diz Larissa Quaresma, analista da Empiricus Research.

“Um ponto que chamou atenção na fala de Powell, e trouxe surpresa, foi sobre os yields dos Treasuries. Ele comentou que a trajetória dos juros de mercado parece não estar atrelada ao movimento inflacionário, e ressaltou que há preocupação com a trajetória fiscal do país, o que contribuiu para sustentar os rendimentos dos títulos americanos hoje, com o vencimento de 10 anos, em especial, refletindo na sessão essa variável fiscal”, diz Gabriel Costa, analista da Toro Investimentos. 

Contudo, “ao contrário do que sugeriria o movimento dos juros, a Bolsa resistia e mantinha a alta até bem perto do fechamento, no Brasil, diferentemente do que seria a correlação natural”, aponta Larissa, da Empiricus.

Assim, até o ajuste final, parecia que haveria, na B3, “pequena reversão à média após dois dias muito ruins, com bastante notícia negativa nessas últimas sessões, especialmente com a escalada no conflito Israel-Hamas que traz efeitos potenciais sérios para a macroeconomia, em particular aos preços do petróleo”, acrescenta a analista. Ela destaca que a retomada pontual beneficiava nesta quinta setores amassados, expostos a juros e ao ciclo econômico doméstico, como os de varejo, shoppings e construtoras, além do financeiro. Mas o “respiro nas carteiras” acabou não se sustentando no encerramento do dia.

Estadão Conteúdo

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