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Economia

Cliente da 123milhas poderá ser o último a receber, diz instituto

Nesta terça (29), a companhia de turismo online entrou com pedido de recuperação judicial na 1ª Vara Empresarial da Comarca de BH

Redação Jornal de Brasília

30/08/2023 6h15

Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

CRISTIANE GERCINA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Os consumidores afetados pela crise da 123milhas, que suspendeu em 18 de agosto pacotes e passagens comprados pela linha Promo123, poderão ser os últimos a receber, caso o pedido de recuperação judicial da empresa seja aceito na Justiça, diz o Ibraci (Instituto Brasileiro de Cidadania).

Nesta terça (29), a companhia de turismo online entrou com pedido de recuperação judicial na 1ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte. Na solicitação, alega que tem dívidas de R$ 2,3 bilhões. Em seu site, publicou mensagem informando que está “impedida temporariamente, sob penalidades da lei”, de realizar qualquer tipo de pagamentos.

“Com a recuperação judicial, há a transferência integral do risco do negócio para os consumidores, que serão os últimos a receber se algum dinheiro existir”, afirma Gabriel de Britto Silva, advogado especializado em direito do consumidor e diretor jurídico do instituto.

De acordo com Silva, isso ocorre porque, caso a recuperação seja aceita, há uma ordem para o pagamento dos credores. “Antes dos consumidores, há os créditos trabalhistas, os tributários e os pautados em garantia real”, diz ele.

Além disso, pelas regras, diz, só se avança para o pagamento da categoria seguinte se a anterior estiver totalmente satisfeita. E, caso não existam ativos suficientes para pagamento total da categoria, faz-se o rateio proporcional, o que significa que os consumidores, além de esperar por sua vez para ser ressarcido, podem receber menos do que pagaram.

O advogado explica que os clientes prejudicados encontram-se “na categoria dos credores quirografários, ou seja, aqueles que não possuem seu crédito pautado em qualquer garantia que seja”.

“O pedido de recuperação judicial era mais do que esperado. Claramente, a 123 Milhas passou a ofertar o produto relativo às passagens flexíveis Promo que, a toda evidência, não se sustentava economicamente. […] Em verdade, quem pagava as passagens dos que hoje viajariam, seria o volume de consumidores que pagavam suas passagens para viajar daqui há dois ou três anos. O negócio ruiria e era uma questão de tempo”, diz.

No pedido de recuperação judicial, a empresa afirma que a linha Promo corresponde a 5% dos 5 milhões de clientes anuais, o que dá cerca de 250 mil consumidores. No entanto, não informa o total de lesados com a suspensão.

Rodrigo Macedo, especialista em recuperação e falência no Andrade Silva Advogados, afirma que ao contrário do pedido de falência, onde existe uma ordem rígida para receber créditos, a recuperação judicial é mais flexível, o que pode ser bom ou ruim para o consumidor, dependendo da proposta a ser feita na Justiça. No entanto, antes de qualquer decisão judicial, quem comprou pacotes ou passagens não recebe.

“A recuperação judicial é uma tentativa da empresa de lidar com esta crise e a enxurrada de ações judiciais, permitindo uma gestão ordenada das dívidas, ajustando as obrigações à sua capacidade de cumprir”, afirma.

Em nota no seu site, a 123 milhas confirma o protocolo de pedido de recuperação judicial com “o objetivo de superar esse momento e propor uma saída de viabilidade financeira”. No entanto, a empresa afirma que está impedida de realizar pagamentos e que o voucher oferecido não poderá ser solicitado.

“A 123milhas está fazendo todos os esforços para apresentar o plano de recuperação judicial que busca viabilizar a preservação da empresa e a quitação dos compromissos com seus clientes. Mais uma vez, pedimos desculpas pelos transtornos”, diz a nota.

Nadime Meinberg Geraige, especialista em recuperação e falência do Maluf Geraigire Advogados, afirma que os consumidores deverão receber somente após aprovado o plano de recuperação judicial a ser proposto pela empresa. Há prazo de até 60 dias para isso. “Ainda não é possível saber, mas a empresa em recuperação judicial poderá apresentar algum desafio sobre esses créditos ou prazo para pagamento.”

CONSUMIDOR DEVE IR À JUSTIÇA, DIZ ADVOGADO

Para o advogado Alexandre Berthe, especialista em direito do consumidor, o cliente lesado deve acionar a Justiça, mesmo com o pedido de recuperação judicial da empresa, para tentar receber o que gastou na empresa. “A orientação que eu tenho dando para todo mundo que me procura é ir direto para a Justiça”, afirma.

Para ressarcir os consumidores lesados, que segundo a empresa representam 5% dos 5 milhões de clientes anuais, foram oferecidos vouchers, que são parcelados em três a cinco vales-compras.

Berthe acredita que aceitar o voucher não traz segurança ao consumidor. “É como se fosse um cheque e, quando a pessoa vai eventualmente trocar esse cheque no mercado, o mercado sabe que o emissor desse cheque hoje em dia é uma empresa que já está ‘ruim das pernas'”, afirma.

O advogado afirma, no entanto, que é preciso ainda esperar para saber se a Justiça vai aceitar ou não a recuperação judicial, chamado por ele de “salvo-conduto”.

Já Silva, do Ibraci, vê na atitude da empresa uso indevido da recuperação judicial. “Nestes casos, se faz um uso indevido do nobre instituto da recuperação, havendo abuso de direito e tentativa de legitimação da lesão aos credores pelo poder Judiciário, via recuperação.”

Segundo o Ministério da Justiça, a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) continuará tomando as medidas que forem cabíveis no caso da 123milhas para garantir os direitos dos consumidores. No entanto, com o pedido de recuperação judicial, ficam suspensos, por 180 dias, qualquer outro processo contra a empresa.

“O pedido de recuperação judicial é um artifício legal para que as empresas consigam se reestruturar e apresentar um plano à Justiça que evite sua falência”, diz o ministério.

“Desse modo, a Senacon, que tem, dentro de suas competências, o poder de aplicação de multas, sanções e gerir acordos, fica limitada ao que for determinado no âmbito do poder Judiciário, enquanto valer o prazo do pedido de recuperação. Os consumidores que têm créditos a receber da empresa também são considerados credores e podem estar sujeitos às decisões tomadas no âmbito do processo’, afirma, em nota.

QUAIS OS DIREITOS DOS CONSUMIDORES LESADOS PELA 123MILHAS?

  • O Código de Defesa do Consumidor traz três opções em casos como o da 123milhas: o cliente pode exigir o cumprimento do serviço a que tinha direito, como uma obrigação de fazer; pode aceitar o voucher oferecido pela empresa; ou pode solicitar os valores em dinheiro.
  • Para Silva, há o direito à restituição integral do valor pago, com juros e correção monetária, desde a data do pagamento já que a negociação foi em dinheiro, mesmo que parcelado em cartão, e não em voucher.

NÃO QUERO O VOUCHER. O QUE FAÇO?

  • Alexandre Ricco, especialista em direito do consumidor, diz que o consumidor poderá aceitar o voucher se for conveniente para ele, pois não há obrigação legal para a aceitação. “Contrariamente à posição da empresa, o Código de Defesa do Consumidor garante o direito de pedir o dinheiro de volta, insistir na prestação do serviço, ou solicitar ou uma prestação de serviço equivalente”, diz.

DEVO RECLAMAR NO PROCON ANTES DE ENTRAR NA JUSTIÇA?

  • Os clientes podem acionar o Procon e a plataforma consumidor.gov.br antes de ir ao Judiciário. “O problema é que a resposta pode demorar um tempo, o que é benéfico para a empresa, mas pode não ser para o cliente. Além disso, órgãos como Procon, Reclame Aqui e consumidor.gov.br não têm o poder de obrigar a empresa a fazer”, explica Berthe.

COMO RECLAMAR NO CONSUMIDOR.GOV.BR?

  • Para registrar reclamação no consumidor.gov.br é preciso ter senha do Portal Gov.br (clique aqui para acessar o site e registrar sua reclamação)
  • Anote protocolos e acompanhe sua reclamação

QUAL A ORIENTAÇÃO DO PROCON?

  • Procurado pela Folha, o Procon-SP (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor de São Paulo) afirma que mantém as orientações dadas anteriormente aos consumidores, enquanto a Justiça não se manifesta em relação ao pedido de recuperação judicial.
  • O órgão afirma que os consumidores devem entrar em contato direto com a empresa e tentar uma solução, dentre as opções estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor, como o cumprimento da oferta, a transformação em crédito ou a devolução do valor pago. O Procon reforça que “a escolha final deve ser sempre do consumidor, sem qualquer condicionante por parte da empresa”.
  • Se não houver acordos, a entidade diz que é possível registrar a reclamação nos órgãos de defesa do consumidor e também há a possibilidade de buscar a Justiça, especial para serviços que estavam contratados para acontecer no prazo inferior a 30 dias.

COMO ENTRAR COM AÇÃO NA JUSTIÇA?

  • Por se tratar de causa de até 40 salários mínimos, em geral, o consumidor lesado deve procurar o JEC Juizado Especial Cível). Causas de até 20 salários mínimos, o que dá R$ 26,4 mil neste ano, não precisam de advogado.
  • Para entrar com uma ação no JEC, é necessário que o consumidor tenha os documentos necessários que provem o dano material. A advogada Raquel Castilho, do Mauro Menezes & Advogados, afirma que, em geral, os casos da empresa devem ser de até 20 salários mínimos. Segundo ela, a vantagem a ação judicial é que a Justiça pode obrigar a 123milhas a devolver o dinheiro e ressarcir quaisquer outros prejuízos.

QUAIS DOCUMENTOS NECESSÁRIOS PARA ENTRAR COM AÇÃO?

  • Segundo o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), todos os comprovantes dos pagamento que foram feitos, trocas de emails com a empresa, recibos que foram emitidos e demais comprovantes de gastos extras devem ser anexados ao processo judicial. Quanto mais documentos tiver, melhor para comprovação dos danos materiais.
  • Maria Inês Dolci, advogada especialista em defesa do consumidor, completa dizendo que o consumidor precisa fazer uma reclamação por escrito e, se possível, gravar o que for falado por telefone. Caso não consiga contato nem por telefone ou email, ela também indica enviar uma carta registrada e anexar essa tentativa de comunicação ao processo.

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