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Economia

Arcabouço pode ser ajustado para acomodar precatórios, diz ex-secretário do Tesouro

A solução proposta por Bittencourt é reincorporar a diferença de R$ 34,5 bilhões à base de cálculo do novo arcabouço fiscal para 2024

Redação Jornal de Brasília

28/09/2023 21h51

Foto: Agência Brasil

IDIANA TOMAZELLI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

Uma correção na base de cálculo do novo arcabouço fiscal pode ser a solução para acomodar as despesas futuras com precatórios sem precisar recorrer a mudanças controversas na classificação contábil dessas despesas, defende o ex-secretário do Tesouro Nacional Jeferson Bittencourt.

A nova regra fiscal aprovada sob a gestão do ministro Fernando Haddad (Fazenda) institui, a partir de 2024, um teto mais flexível para as despesas, definido a partir da correção dos limites vigentes em 2023.

O argumento de Bittencourt é que, hoje, a atualização dos limites parte de uma despesa subestimada de precatórios, uma vez que a configuração atual do Orçamento considera o subteto para o pagamento dessas sentenças, que continua em vigor.

Em termos numéricos, foram inscritos R$ 51,7 bilhões em precatórios para pagamento em 2023, mas apenas R$ 17,1 bilhões estão contemplados na previsão orçamentária.

A solução proposta por Bittencourt é reincorporar a diferença de R$ 34,5 bilhões à base de cálculo do novo arcabouço fiscal para 2024.

Dessa forma, o limite global de despesas ficaria R$ 36,2 bilhões maior –R$ 1,7 bilhão a mais do que a diferença atual, o que equivale à aplicação da mesma regra do arcabouço (correção da inflação de 3,16% e do ganho real de 1,7%). Esse efeito seria carregado para os anos seguintes.

Em 2024, o ganho do governo ainda seria duplo, pois a inscrição de sentenças judiciais para pagamento está em R$ 47 bilhões, menor do que neste ano.

Combinando os dois impactos, o governo até ganharia uma folga de quase R$ 7 bilhões no próximo exercício, e toda a despesa continuaria sendo primária, dentro das regras fiscais.

“O ponto mais importante é restabelecer o espírito do arcabouço, blindando a estatística fiscal de inovações na interpretação”, afirma Bittencourt, hoje economista na ASA Investments.

Na segunda-feira (25), a AGU pediu a derrubada do limite para precatórios instituído no governo Jair Bolsonaro (PL) e propôs o pagamento de parte das sentenças judiciais como despesa financeira, sem esbarrar em regras fiscais.

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pediu ainda autorização para quitar o estoque represado até agora por meio de crédito extraordinário, que também fica fora dos limites orçamentários. O passivo é estimado em cerca de R$ 95 bilhões.

O plano do governo de classificar parte do gasto com precatórios como despesa financeira foi antecipado pela Folha de S.Paulo em agosto.

A intenção do governo de desfazer o calote nas sentenças judiciais é vista positivamente pelo mercado, já que o fim do teto de precatórios em 2027 poderia detonar uma bomba fiscal superior a R$ 250 bilhões.

No entanto, a forma encontrada pela Fazenda vem sendo alvo de críticas de economistas, que veem a solução como contabilidade criativa.

Bittencourt, que era secretário do Tesouro em 2021 quando foi apresentada a PEC (proposta de emenda à Constituição) propondo o parcelamento de precatórios e deixou o cargo quando o texto migrou para o calote, afirma que a saída dada pelo governo à época teve “um efeito colateral grave, mas limitado no tempo”.

“Acho muito salutar que o atual governo tenha decidido encarar essa questão”, diz ele. “É bastante positivo resolver o efeito colateral. O que não pode acontecer e é ruim é a nova decisão trazer efeitos colaterais, e estes agora serão permanentes. Temos de usar os aprendizados.”

Para o ex-secretário, é razoável o governo pedir o afastamento de regras fiscais para regularizar o estoque represado de R$ 95 bilhões em precatórios, mas ele alerta para o “efeito colateral permanente” da reclassificação da despesa, que abre precedente para outros casos do tipo.

“O melhor seria tratar a origem do problema, que é estar com o valor errado dentro dos limites”, diz. Segundo ele, há precedentes no teto de gastos, quando foi preciso recalcular a base para incorporar impactos do Fies, programa de financiamento estudantil.

Bittencourt reconhece que sua proposta pode reavivar outro problema: a imprevisibilidade dos valores inscritos pelo Judiciário. “Do mesmo jeito que ganha R$ 7 bilhões de espaço em 2024, poderia perder R$ 10 bilhões”, afirma.

Em sua visão, seria possível discutir uma cláusula para excluir do arcabouço o excedente de sentenças em caso de elevação brusca.

O governo ainda pode ter ganhos adicionais de credibilidade. Lula vetou um dispositivo do arcabouço fiscal que proibia descontar despesas da meta fiscal –uma tentativa de evitar contabilidade criativa.

O argumento do veto foi manter a possibilidade de abater o chamado “encontro de contas”, em que credores usariam seus precatórios para quitar débitos com a União.

Na petição ao STF, a AGU também pede a inconstitucionalidade desse instrumento de compensação. “O governo poderia orientar a bancada a derrubar o veto, porque ele perdeu a razão de ser. Isso aumentaria a credibilidade da meta”, afirma Bittencourt.

Sem conhecer a proposta, que não lhe foi apresentada diretamente, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, disse em entrevista coletiva nesta quinta-feira (28) que o governo está aberto a discutir outras opções para resolver o problema dos precatórios.

“Nunca foi dito que ela é a melhor opção, ou que estava errada a anterior. O que foi colocado é que ela é a opção possível para resolver um problema complexo”, afirmou Ceron, ressaltando que o adiamento das sentenças pode ser considerado uma moratória.

“Não é que tem de ser assim [como proposto pelo governo]. É uma possibilidade de caminho para ter uma saída razoável. Qualquer outra solução que seja factível e melhor do que essa, estamos abertos a discutir”, disse.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou nesta quinta que a saída para os precatórios será “uma decisão do STF”. O BC é o órgão responsável pelas estatísticas de finanças públicas.

Segundo Campos Neto, não cabe ao BC fazer “nenhum tipo de comentário” sobre qual visão vai preponderar. “Entendo que é uma decisão do STF e do governo, e o BC segue o que for decidido”, disse.

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