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Economia

A moeda que veio para ficar

Há exatos 30 anos, o Real libertava o Brasil da aguda hiperinflação vivida nos anos 80 e 90

Vítor Mendonça

01/07/2024 5h00

Atualizada 30/06/2024 18h06

Brasil, Brasília, DF. 01/03/1994. O presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, exibe cédulas de R$100 reais. – Crédito:SERGIO AMARAL/ESTADÃO CONTEÚDO/AE/

Há 30 anos, o Brasil concluía um audacioso projeto que colocaria fim na disparada da inflação, praga que tanto atormentou os brasileiros nas décadas de 1980 e 1990: o lançamento do Real. Em 1º de julho de 1994 saía de circulação o Cruzeiro Real e a nova moeda brasileira era oficializada, acabando com a instabilidade econômica provocada pela alta de preços de quase 2.500% ao ano (1993). 

Foi na época da hiperinflação que as compras de mês, parte da cultura brasileira até hoje, passaram a ser praticamente diárias. Como o aumento constante da inflação provocava a remarcação sem trégua de preços nas gôndolas dos supermercados, que poderiam subir a qualquer momento todos os dias, as famílias pegavam os produtos que precisavam todos de uma vez. Caso esquecessem de algum item, quando voltassem para pegá-lo, já poderia estar mais caro.

A primeira etapa do novo plano monetário foi lançado pela equipe econômica do presidente Itamar Franco em 1993, equipe esta liderada pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. Com o sucesso da nova moeda, FHC entregou o ministério para o embaixador Rubens Ricúpero (leia entrevista na página 12) e se candidatou à Presidência da República nas eleições de 1994. Foi eleito em primeiro turno e reeleito em 1998. 

Tamanho era o problema brasileiro com a inflação que em oito anos, entre 1986 e 1994 – ano de lançamento do Real –, o país chegou a ter quatro moedas diferentes, frutos de planos econômicos que fracassaram em pouco tempo. Foram eles, em sequência, o Cruzado (1986-1989), Cruzado Novo (1989-1990), Cruzeiro (1990-1993) e Cruzeiro Real (1993-1994).

Na transição entre o Cruzeiro Real e o Real foi criada a URV (Unidade Real de Valor). O indexador começou a ser utilizado em 1º de março de 1994, quatro meses antes da entrada oficial do Real, a fim de que a população tivesse conhecimento do valor verídico dos produtos sem a temida hiperinflação e se acostumassem com a nova moeda. Diariamente, o Banco Central divulgava a variação do dia seguinte da URV a partir de uma média de três índices. A ideia era refletir a variação de preços até que o real se tornasse a moeda oficial.

De acordo com o professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Alberto Ramos, após sucessivas tentativas fracassadas de remodelação da economia brasileira, foram dois fatores que levaram o Plano Real a dar certo. O primeiro foi a experiência acumulada com os erros dos planos anteriores, o que norteou a equipe econômica a não repetir as imperfeições anteriores, como o congelamento de preços. O segundo foi o momento político, favorável para a consolidação do Real, com a continuidade de medidas políticas menos prejudiciais à economia.

“De alguma forma essa experiência acumulada [com os fracassos] serviu de insumo para, em termos práticos, desenhar um novo plano de estabilização diferente do anterior”, diz Carlos Alberto. “A sociedade brasileira estava esgotada com os fracassos e com o processo inflacionário que tinha mais de uma década. Isso de alguma forma viabilizou o processo de desindexação da economia.”

De acordo com o professor, o novo período com o Real pode ser considerado como um novo “milagre econômico” vivenciado no país,  não como nos moldes vividos e com mesmas políticas adotadas entre 1968 e 1973, mas como uma ruptura dentro da sociedade brasileira, encerrando o ciclo da hiperinflação e dando início à estabilização da economia brasileira.

Segundo o economista, a estabilização financeira é o primeiro passo de uma nação em direção ao crescimento econômico. A crise da hiperinflação, entretanto, era tão grande que, além de intensificar problemas mais latentes da sociedade, como a pobreza, era um impedimento para que novas medidas de desenvolvimento fossem adotadas.

“Todo processo inflacionário é um imposto sobre os pobres. Em 1994, porém, já há uma queda da pobreza”, afirma o professor. “Existe um [Brasil] antes e um depois do Plano Real. Realmente foi uma ruptura. A partir do plano ficou evidente o problema da pobreza, da distribuição de renda com o crescimento econômico. Foi possível debater esses aspectos da economia, que são mais importantes. […] Em todos os aspectos, foi realmente uma ruptura e um avanço para a sociedade.”

De acordo com levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Social, com base em microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e da Pnad Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a pobreza caiu drasticamente no Brasil já no ano seguinte à implementação do Real, em 1995. De 1993 até 1995, a porcentagem de pobres no país caiu de 34,51% para 28,39%.

Cédula de R$ 1,00 é cobiçada por colecionadores

Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

A emblemática cédula de R$ 1,00, que saiu de circulação em 2005, ainda pode ser encontrada com colecionadores e supersticiosos, conforme explica Lucicleide Mello, 46 anos, uma das proprietárias da loja Collecione, na Asa Norte. “As pessoas procuram ou para colocar na coleção ou para colocar na carteira como uma forma de atrair sorte”, afirmou.

Da família inteira do Real, entre cédulas e moedas do novo plano, a nota verde com a gravura de um Beija-flor no verso é a mais vendida na loja. “Mas as pessoas também procuram como forma de lembrança, porque o dinheiro físico está acabando com o uso do Pix”, relata ela.

O valor da nota, ao contrário do que se imagina, varia entre R$ 18,00 e R$ 20,00, segundo ela. As mais caras são em razão de alguma raridade específica na cédula.

A paixão de Lucicleide por itens colecionáveis começou com o marido, que colecionava, assim como o pai, cédulas e moedas brasileiras e estrangeiras. Há 15 anos eles montaram a loja com a intenção de, aos poucos, se desfazerem dos itens, com previsão de fechar pouco tempo depois. O negócio, no entanto, perdura até hoje.

Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

Os itens que mais saem são as moedas, seguidas das cédulas, principalmente de períodos mais antigos da história do Brasil, mais raros. Em terceiro, são carrinhos colecionáveis. De acordo com a comerciante, todos estes itens estão atrelados à memória afetiva dos consumidores. “Muitos chegam aqui falando que determinada cédula foi o primeiro salário deles”, contou.

“Quando eu era criança, não se tinha tanta facilidade no acesso ao dinheiro como as crianças têm hoje”, afirmou. Recebido como mesada, o dinheiro era pouco e guardado com muita diligência para que não se perdesse. “Traz essa memória das coisas boas de quando éramos crianças”, continuou.

No período da hiperinflação, ainda menina em Pernambuco, ela se lembra da insegurança econômica vivida pela família diante da crise. “Lembro de ir ao mercado e se precisássemos voltar para pegar algum produto, às vezes o rapaz já estava remarcando os preços nas prateleiras”, conta.

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