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Brasil

Vitimização policial: recorrente, porém pouco investigada

Diante de números relevantes, Ministério da Justiça propõe projeto para reverter cenário

Mayra Dias

12/08/2021 5h00

Atualizada 11/08/2021 20h33

Pouco são os debates e estudos que cercam o cenário da vitimização dos profissionais de Segurança Pública no país. Se tratando do Distrito Federal, conseguir dados e informações sobre tal assunto é ainda mais difícil. Conforme traz uma pesquisa realizada e publicada, de forma independente, pelo Policial Militar Felipe Palma, catalogou-se na capital, entre 2015 e 2019, 119 casos de violência contra os profissionais em situação de combate.

Os dados, contudo, são limitados e restritos, “reflexo de uma cultura de segurança ainda incipiente e de uma junção ainda não consolidada entre segurança pública e ciência”, traz o documento.

Ainda de acordo com o estudo, desse número, 54,6% ocorreram fora de serviço, ou seja, quando o policial militar se encontrava de folga, em situação de reserva remunerada, ou reformado. Os 45,4% restantes sucederam-se em serviço, demonstrando, assim, uma divisão equilibrada.

Divulgação PMDF

A pesquisa publicada por Felipe, intitulada “Dinâmicas de combate no Distrito Federal: A realidade enfrentada pelo policial militar de 2015 a 2020”, mostra ainda que, contemplando esses resultados, foram contabilizados 61 antagonistas feridos e 42 mortos, enquanto 20 policiais militares foram feridos e 13 mortos.

Vale ressaltar, que a reunião das informações coletadas pelo policial militar tiveram por base o projeto conduzido pelo Federal Bureau of Investigation (“FBI”), intitulado Law Enforcement Officers Killed or Assaulted (“LEOKA”), e os números constatados são fruto de uma pesquisa realizada, somente, através da plataforma Google, sobre os confrontos armados letais (ou com potencial letal) envolvendo policiais militares do Distrito Federal.

O profissional, que não se limitou a estudar apenas a capital federal, mas também o cenário nacional, destacou ainda que, se tratando da vitimização letal do policial, a tendência local apresenta uma significativa diferença estatística quando comparada com a dinâmica do Brasil. Das 13 vítimas fatais, 92,3% foram mortas fora do período de atividade, enquanto apenas 1 policial militar foi assassinado durante o serviço. Se, conforme frisa o autor, forem incluídos os 6 policiais militares que sucumbiram diante de outros tipos de conflitos, assim como em situações familiares e passionais (cenários que a pesquisa não contempla), 94,73% dessas mortes vão contar como ocorrências fora de serviço. “Esses dados se chocam com as porcentagens apresentadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública sobre a vitimização de policiais civis e militares no Brasil”, desenvolve Felipe em seu texto.

Cenário Nacional

Se tratando do país como um todo, uma projeção trazida pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), revela que, em todo país, 397 policiais morrem por ano em função do exercício. Uma outra publicação, também feita de forma independente por Felipe Palma, ajuda a evidenciar esses números, salientando que, somente no mês de janeiro de 2021, foram noticiados 26 assassinatos de policiais fora de serviço, 1 caso de policial em ação, 4 agentes mortos em acidentes com viaturas e 1 policial vitimado por disparo acidental durante serviço. “Foram noticiadas 27 mortes violentas intencionais, sendo que em aproximadamente 96% dos casos, o policial se encontrava fora de serviço”, diz o texto.

O mesmo levantamento mostra ainda que, os estados do Nordeste e Sudeste estão empatados com relação a quantidade de casos, apresentando 10 notificações cada. “No entanto, a situação do Pará chama a atenção, especialmente pelo fato de, dos 4 casos relacionados, 3 envolverem policiais penais, mortos em contexto de execução”, discorreu o policial. Dos 27 casos noticiados, a maioria envolve policiais militares, seguidos de policiais penais. Quanto ao gênero, todos os profissionais mortos em janeiro eram do sexo masculino.

Na avaliação do especialista em Segurança Pública, Julio Hott, estes números revelam que, ser policial, é uma atividade de risco no Brasil. “Uma das causas é o notório crescimento do número de armas de fogo em circulação. Isso faz com que, ocorrências de violências mais simples, como brigas domésticas ou de trânsito aumentam o risco de que os envolvidos estejam em posse de arma de fogo”, argumenta o professor do CEUB, destacando, inclusive, a cultura da relação infrator x policial, como outro fator relevante na situação. “Quando o infrator ou suspeito é tratado como inimigo da sociedade, isso transforma essa interação em uma relação de guerra urbana”, completou.

Ministério da Justiça quer intervir

Diante de tal panorama, o Ministério da Justiça e Segurança Pública se prepara para a 1ª Jornada Técnica para criação de Diretriz Nacional de Atendimento Pré-Hospitalar Tático para Profissionais da Segurança Pública. O projeto, conforme indica a pasta, visa contribuir para a redução de mortes de policiais no exercício de sua função ou em razão dela, através do fomento de capacitações, padronização técnica de equipamentos e aquisições de produtos para a atividade.

Divulgação PMDF

De forma inédita, a entidade planeja discutir a elaboração de um protocolo nacional que irá, entre as suas funções, preparar os seus profissionais que atuam na linha de frente combatendo, diariamente, a criminalidade. De 9 a 20 de agosto, desta forma, 10 profissionais que compõem a Câmara Temática, instaurada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública do MJSP (Senasp) para debater o tema, irão discutir as matizes do projeto, assim como o plano curricular para o emprego da atividade, a descrição dos equipamentos e insumos, e o protocolo de manejo clínico nível básico do APH Tático.

A Câmara Temática, por sua vez, é composta por representantes das secretarias Nacional de Segurança Pública, de Operações Integradas e de Gestão e Ensino em Segurança Pública do Ministério, além de 31 especialistas convidados, incluindo médicos, enfermeiros e instrutores, integrantes de diversas instituições de segurança pública federais e estaduais das cinco regiões do país. “O projeto de elaboração da Diretriz segue um dos princípios da Lei do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), que é a proteção, a valorização e o reconhecimento dos profissionais de segurança pública. Além disso, é importante destacar a utilização de técnicas padronizadas, desenvolvidas por especialistas tanto da área da saúde como da segurança pública”, afirmou, para o Jornal de Brasília, a pasta.

Para o professor universitário, tal iniciativa é a proteção, a valorização e o reconhecimento dos policiais. “Mas além disso, é mais uma área de formação para os próprios policiais exercerem esse atendimento com técnica e equipamentos eficientes e suficientes também para a prevenção, o que não acontece hoje”, acredita. Julio pontua ainda que a atividade policial deve sempre caminhar em concordância com as atualizações disponíveis para a sociedade, de modo a sanar deficiências graves, como estas que levam o profissional a óbito. “Uma técnica de atendimento pré-hospitalar vai diminuir deslocamentos desnecessários para primeiros socorros e desafogar os prontos socorros hospitalares, além de prevenir, valorizar e humanizar o policial que passa a lidar diretamente com as consequências violentas de sua profissão”, finaliza o especialista.

Ainda de acordo com o Ministério, o projeto, que deverá ser publicado por meio de Portaria do órgão até o final do ano, tem caráter orientativo aos estados, municípios e Distrito Federal, para seguir padrões mínimos técnicos de fomento às capacitações, padronização de equipamentos e instrumentos que devem ser utilizados durante o possível acidente envolvendo o policial, bem como a orientação de aquisição de materiais por parte das Secretarias de Segurança Pública estaduais.

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