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Brasil

Por que o desmate cresce no cerrado e cai na Amazônia

O aumento, em comparação ao período anterior (2021-2022), é de 16%, o terceiro crescimento consecutivo

Redação Jornal de Brasília

03/08/2023 23h25

Foto: Arquivo/Agência Brasil

PHILLIPPE WATANABE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Enquanto a Amazônia vê sinais de melhora no ainda elevado desmatamento no bioma, a destruição do cerrado continua em franco crescimento, como apontam os dados divulgados nesta quinta-feira (3). O que explica essa situação e diferença?

De agosto de 2022 a julho de 2023 (esse é o intervalo usado para registrar o desmatamento), o cerrado perdeu 6.347 km² de vegetação, apontam dados do Deter, programa do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O aumento, em comparação ao período anterior (2021-2022), é de 16%, o terceiro crescimento consecutivo, de acordo com a medição feita pelo Deter (que tem por intuito auxiliar operações de fiscalização). Os dados do Prodes (sistema, também do Inpe, específico e mais sensível para medir desmate) para o bioma devem ser divulgados no fim do ano.

A primeira explicação possível para a diferença de situação entre os dois biomas é a própria lei. Segundo o Código Florestal de 2012, as propriedades, quando autorizadas pelos órgãos ambientais competentes, podem derrubar áreas maiores no bioma cerrado.

As propriedades privadas que estão na Amazônia devem manter vegetação nativa em pé (o que é chamado de reserva legal) em 80% de sua área. Já para o cerrado o valor é de apenas 20% ou 35% (caso de áreas de cerrado localizadas na Amazônia Legal).

Essa diferença de tratamento dada pela legislação foi, inclusive, questionada pela ministra Marina Silva, de Meio Ambiente e Mudança Climática, nesta quinta-feira. “No caso do cerrado, há quase que uma acomodação, porque pode explorar [por lei] 80% [da vegetação nativa]. Então a ciência precisa dizer qual a base de sustentação e a base de suporte [da exploração] do bioma”, disse a ministra.

Vale lembrar que o cerrado tem cerca de metade do tamanho da Amazônia e registra taxas de desmatamento tão elevadas quanto. Além disso, somente pouco mais de metade do cerrado ainda conta com vegetação nativa.

Outro ponto que leva ao descolamento dos dois processos de avanço de desmatamento é o fato de que, na Amazônia, a derrubada costuma estar concentrada em áreas públicas, enquanto no cerrado ela está em propriedades particulares.

Tal cenário de devastação localizado em terras públicas na Amazônia, diz Isabel Figueiredo, coordenadora do programa cerrado e caatinga do ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza), permite uma capacidade de atuação maior do governo federal, por meio do Ibama, no bioma. Já no caso do cerrado, a responsabilidade acaba ficando em maior grau para os estados e seus órgãos de fiscalização.

Dessa forma, enquanto se vê uma maior atenção para ações de fiscalização de comando e controle na Amazônia, algo semelhante é de difícil realização no cerrado.

Especialistas ouvidos destacam ainda que, mesmo com potencial de desmate legalizado maior, nem toda derrubada no cerrado é legal –afinal, são necessárias autorizações de supressão válidas para que o desmatamento seja feito dentro de uma propriedade.

Outro ponto a ser levado em consideração é a maior proteção na Amazônia em forma de unidades de conservação e terras indígenas. Dados do MapBiomas apontam que somente cerca de 12% do território do cerrado está em alguma área de conservação ou terra indígena, enquanto as propriedades privadas ocupam 67%. Esses dados reforçam o potencial de atuação de organismos como o Ibama na floresta amazônica.

Ao se falar de desmatamento no cerrado é necessário citar o agronegócio, especialmente a soja, que está presente em cerca de 10% de todo o bioma, área ocupada que cresceu 1.443% entre 1985 e 2021, também de acordo com dados do MapBiomas.

Segundo os especialistas consultados, o foco em produção no bioma para produção de alimento e grãos, com menor preocupação ambiental, tem levado o cerrado a um cenário de sacrifício.

“Ele está sendo colocado na berlinda”, diz Ane Alencar, diretora de ciências do Ipam.

Ana Carolina Crisostomo, especialista de conservação do WWF-Brasil, ressalta a necessidade de mais transparência e mecanismos de rastreabilidade associados a commodities. “Sabemos que o desmatamento está concentrado na expansão da fronteira de produção de grãos”, diz. “É totalmente possível [fazer a rastreabilidade].”

O bioma amazônico também sofria com o avanço da soja e tal processo foi detido especialmente a partir da moratória da soja. Tal acordo levou à proibição do comércio, da aquisição e do financiamento de grãos produzidos em áreas desmatadas ilegalmente na Amazônia após julho de 2008.

A moratória, porém, não é válida para o cerrado.

A especulação sobre as terras do cerrado caminha junto ao processo de desmate para agronegócio.

Alencar destaca que há valorização, para posterior venda, de áreas já desmatadas no bioma.

Por fim, há ainda uma questão cultural, dizem os especialistas. O cerrado não é tão valorizado quanto a Amazônia ou a mata atlântica, por exemplo, e chega até a ser visto como um bioma menos rico, apesar de ser a mais biodiversa savana do mundo e ter grande importância para o país na questão hídrica.

Segundo os especialistas, há necessidade de melhorias na governança estadual sobre o cerrado.

Para isso, o governo federal poderia auxiliar na articulação entre os estados, na busca por investimentos para o bioma e na ampliação de áreas protegidas, diz Crisostomo.

Figueiredo diz, porém, que que tal tipo de ação por parte da esfera federal em busca de articulação já pode ser vista.

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