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Brasil

Pobreza aumenta violência em região amazônica onde morreram Bruno e Dom

O caso atraiu atenção internacional sobre o Vale do Javari, lar da reserva indígena com a maior concentração de povos originários isolados do planeta

Redação Jornal de Brasília

23/06/2022 15h57

Foto: Reprodução

Muito perto do lugar onde o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Pereira empreenderam sua última viagem na Amazônia, um grupo de pessoas quebra pedras com marretas sob um sol escaldante.

Parece uma cena de tempos antigos, mas é o Brasil do século XXI, na cidade de Atalaia do Norte, o ponto de partida para aventureiros, missionários, caçadores furtivos e contrabandistas atraídos pelo Vale do Javari, uma vasta extensão de mata selvagem na fronteira com Peru e Colômbia.

Phillips, de 57 anos, e Pereira, de 41, retornavam em uma lancha para Atalaia do Norte, depois de uma expedição na região, quando foram assassinados em 5 de junho.

As lideranças indígenas garantem que o crime foi uma vingança dos pescadores ilegais pela luta de Bruno Pereira, um servidor licenciado da Fundação Nacional do Índio (Funai), contra a caça e pesca furtivas nas reservas dos povos nativos.

O caso atraiu atenção internacional sobre o Vale do Javari, lar da reserva indígena com a maior concentração de povos originários isolados do planeta.

A região tem sofrido com o aumento da pesca, desmatamento e garimpo ilegais, e o tráfico de drogas, crimes que, segundo especialistas, estão sendo alimentados pela pobreza.

Sentada em um toco de madeira sobre a terra batida, Carmen Magalhães da Roxa explica que está quebrando pedras para vendê-las a projetos de construção por quatro reais o balde.

“Não tem outro trabalho. Se não quebrar essas pedras, não vou ter dinheiro para pagar a conta de luz, nem para comprar meus remédios”, diz Roxa, de 54 anos, ao desferir golpes de marreta junto com outros quebradores.

“Já acertei meus dedos, me machuquei com pedaços. Mas, o que se pode fazer?”, pregunta, mostrando as marcas em suas mãos.

Falta de opções

Em Atalaia do Norte, uma cidade ribeirinha de aproximadamente 20 mil habitantes, 75% da população vive na pobreza.

Quase tudo na cidade é produzido localmente ou trazido de barco de Manaus, em uma viagem de oito dias. Existem poucas oportunidades para sair da pobreza.

Os moradores locais afirmam ter três opções de emprego: agricultura, pesca ou trabalhar para a prefeitura, o maior empregador do município.

Além disso, segundo os analistas, a anarquia crescente criou uma quarta opção: o crime ambiental, financiado pelo dinheiro de organizações do narcotráfico que prosperam na tríplice fronteira.

“Os traficantes se inserem nas populações locais empobrecidas, apresentando suas redes como uma oportunidade”, escreveu Aiala Colares, especialista em segurança da Universidade Estadual do Pará (UEPA), em um artigo recente.

Uma mistura violenta

A pobreza e a anarquia resultaram em uma mistura violenta nesta região remota. Os críticos afirmam que a frágil presença do Estado, um problema antigo na Amazônia, se aprofundou durante o mandato de Jair Bolsonaro. Na atual gestão, o governo reduziu o peso dos órgãos de proteção ambiental, como Ibama e ICMBio, e também da Funai.

Ademais, houve aumento da violência no Vale do Javari.

A base da Funai situada junto da reserva indígena foi alvo de diversos ataques com armas de fogo em 2019.

Naquele mesmo ano, o chefe do combate à caça e pesca ilegal da Funai na região foi assassinado na cidade fronteiriça de Tabatinga, um crime que segue sem solução.

Do outro lado da fronteira, homens armados atacaram um posto da polícia peruana em janeiro, ferindo quatro oficiais e roubando um carregamento de armas. Desde então, o posto permanece fechado.

Marivonea Moreira de Mello, uma mãe de quatro filhos de 45 anos que trabalha para a prefeitura de Atalaia, lembra que, não faz muito tempo, costumava dormir com as portas de sua casa abertas. Agora, admite que não se atreveria a fazê-lo. “Nossos jovens estão ficando viciados em drogas. Meu próprio filho é viciado. Tem 20 anos”, conta.

Marivonea se animou quando o exército, a marinha, a polícia e os meios de comunicação de todo o mundo chegaram a Atalaia do Norte depois que Bruno e Dom desapareceram.

Contudo, agora que quase todos já foram embora, ela se preocupa com o que vai acontecer. “Falta polícia, falta segurança, falta tudo”, afirma.

© Agence France-Presse

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