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Brasil

Perguntas sobre renda, raça e CPF viram entraves no Censo

O órgão afirma que a recomendação é, inicialmente, registrar em delegacia um boletim de ocorrência e comunicar ao coordenador

FolhaPress

19/08/2022 18h28

IBGE

Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

Isabella Menon
São Paulo, SP

“Eu não vou responder. É muito perigoso. Vocês tão pensando o quê? Chegam na minha casa do nada.” É comum que recenseadores ouçam reclamações como esta durante a coleta de dados para o Censo de 2022, que teve início em 1º de agosto.

A Folha acompanhou o trabalho de duas equipes em dois locais da cidade de São Paulo, na Vila Clementino e em Paraisópolis (ambos na zona sul), durante esta quinta-feira (18). Em ambos, os pesquisadores do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) relatam que muitas pessoas sentem medo de divulgar informações pessoais e a recusa em abrir a porta não é incomum.

Além disso, perguntas referentes à renda da residência e de dados pessoais, como CPF, assustam alguns. Diocélia Virmonde da Silva, 35, agente censitária municipal e responsável pelo posto de coleta da Vila Clementino, diz que pessoas com rendas mais baixas costumam receber melhor os pesquisadores.

Até o fim da coleta de dados, o posto que ela trabalha vai visitar 30.000 domicílios. Até agora, já foram 3.000, sendo que cerca de 20% se recusaram a receber o pesquisador, que tentam convencer as pessoas a mudarem de ideia. .”Explicamos que é importante para as políticas públicas”, diz. Apenas em último caso, afirma ela, o agente informa que responder o questionário é obrigatório por lei.

Da Silva conta que, hoje, o maior problema são os condomínios. “Temos que entrar em contato com o porteiro, que fala com o zelador e passa para o síndico. Só que eles demoram muito para nos responder e eu preciso ir até lá e explicar a urgência”, diz.

A agente censitária supervisora Vanessa Celina Campos, 20, diz ainda que, por se tratar de um ano de eleições, muitos acham que a pesquisa tem cunho político.

“Não tem nenhuma questão política. Isso causa receio, as pessoas acham que vamos perguntar em quem eles vão votar e não tem nada a ver”, afirma ela.

O recenseador Alberto Longo Craveiro, 46, analisa que pessoas mais idosas que vivem só e passam muito tempo sozinhas acabam conversando com os pesquisadores. “Com a pandemia, as pessoas ficaram muito só e elas veem no recenseador uma oportunidade para conversar.”

A pesquisa, que costuma ser realizada de dez em dez anos, é considerado o trabalho mais detalhado sobre as características demográficas e socioeconômicas da população brasileira. A edição mais recente ocorreu em 2010. A nova pesquisa seria em 2020, mas foi adiada devido à pandemia.

Em 2021, o levantamento foi travado pela segunda vez. À época, o que impediu o trabalho foi um corte na verba prevista pelo governo federal. A decisão causou preocupação, uma vez que os dados são usados para uma série de políticas públicas e até decisões de investimento de empresas.

Em um grupo de WhatsApp, recenseadores relatam problemas que surgem durante as coletas. É comum, segundo eles, que pessoas se irritem com perguntas relacionadas a sexo e raça.

Uma funcionária do Rio de Janeiro, que pediu para não ser identificada, relata que um homem quase a agrediu quando ela perguntou sobre o gênero. Em relação a raça, uma funcionária de Natal, Rio Grande do Natal, que também pediu para não ser identificada, disse que durante a coleta ela perguntou para um senhor qual a raça que ele se identifica e ouviu que isso era uma invenção da esquerda.

O IBGE usa o conceito de autodeclaração para atribuir cor e raça, dentro das classificações branco, preto, pardo, amarelo e indígena. Os termos são parte da nomenclatura oficial do instituto.
Júlio Costa, coordenador censitário responsável por Paraisópolis e Morumbi, diz que o número de recenseadores para o Censo atual ainda é baixo –seu grupo começou a coleta com 84 pesquisadores, mas ao menos quatro já desistiram. Por isso, ele espera receber nas próximas semanas mais 100 pessoas para reforçar suas equipes.

Ele diz que algumas pessoas tem uma visão de que apenas pessoas pobres devem responder o Censo, o que é um problema. “Como é que podemos medir a diferença social se nem todos responderem?”, indaga.

A recenseadora Nathalia Bruni conta que em Paraisópolis, as pessoas não costumam ter problema em relatar a renda. Já nos condomínios de alto padrão, sim. “Aí, você pensa: se ficou com medo é porque alguma coisa tem”, brinca ela.

Já a recenseadora Joana Barreto considera comum as pessoas ficarem desconfiadas por desconhecem o Censo. “Isso acontece principalmente com a população mais velha daqui, que nunca foi entrevistada, não conhece e acha que se trata de um golpe.”

Entre as visitas, ela conta que já se deparou com situações inusitadas, como quando entrevistou um homem maçom que queria dar a ela uma bíblia. “Ele queria que eu ficasse carregando uma bíblia enorme”, lembra ela, que não aceitou o presente.

Há, no entanto, funcionários que relataram tentativas de agressões durante a coleta. Um recenseador de Goiânia, que optou por não divulgar a identidade, afirmou que passou por duas situações em que se sentiu ameaçado. Em uma delas, quando tentou realizar a coleta de dados, um homem ameaçou pegar uma arma de fogo, caso ele não deixasse o local.

Na segunda, outro homem começou a xingá-lo e começou a simular que pegaria algo dentro de casa para agredi-lo. Ele relata que as duas situações foram relatadas à supervisora, mas não obteve respaldo e, na semana passada, foi demitido.

Procurado, o IBGE afirma que, em relação à ofensa ou outro tipo de violência, cabe à unidade estadual do instituto monitorar caso a caso. “O que é informado é encaminhado aos órgãos de segurança. Se necessário, o recenseador receberá da Coordenação de Recursos Humanos apoio da área médica e social”, diz o instituto em nota.

O órgão afirma que a recomendação é, inicialmente, registrar em delegacia um boletim de ocorrência e comunicar ao coordenador ou ao supervisor para as providências cabíveis. Além disso, o IBGE ressalta que o agente, pesquisador ou recenseador é servidor público federal. Por isso, crimes contra ele são sujeitos a investigações federais.

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