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Brasil

O home office está transformando você em um robô; veja como voltar a ser humano

Excesso de linguagem corporativa no trabalho remoto está deixando as relações mais frias e distantes

Redação Jornal de Brasília

14/08/2021 9h01

Foto: Reprodução

Grant Thomas trabalhava como freelancer para uma agência de publicidade quando, em dezembro do ano passado, ouviu pela primeira vez alguém dizer que iria fazer uma “bio break” – ou seja, uma “pausa para atividades biológicas”, como ir ao banheiro. Ele se questionou se seria mesmo possível que as pessoas estivessem disfarçando os mais naturais intervalos humanos. Na verdade, esse é um efeito do home office: a comunicação corporativa à distância está deixando as conversas robotizadas.

Funcionários de escritório têm recorrido ao jargão corporativo com mais frequência, o que pode ser um problema. Ao mesmo tempo que a linguagem empresarial permite que os trabalhadores sintam que ainda fazem parte do todo da empresa e ajuda a recuperar algum senso de profissionalismo no home office, ela também gera mal-entendidos.

“Você fica parecendo um robô, uma máquina”, diz Thomas, 37, que agora trabalha como arquiteto de softwares na empresa de desenvolvimento BlueINGreen. “As pessoas tentam esconder essa coisa muito natural que todo mundo faz por trás de um verniz de profissionalismo”.

Além de bio break, ele tem ouvido com mais frequência termos corporativos clássicos, como “nice to e-meet you” (algo como, “prazer em conhecer você digitalmente”), desde que a pandemia do coronavírus forçou seus colegas e clientes a trabalharem de casa.

Durante a pandemia, culturas corporativas com pouca tolerância para os pontos fracos dos humanos, como cansaço ou esquecimento, deram lugar a ligações de Zoom, nas quais colegas de trabalho veem ao fundo cozinhas bagunçadas e gritaria de crianças. Ao mesmo tempo, os funcionários estão lidando com mais novas tecnologias do que nunca e se adaptando à comunicação digital com colegas que raramente encontram.

Para muitos funcionários, a pandemia causou uma rápida mudança nas expectativas e nos limites confusos entre a casa e o escritório. Admitir que você precisa se levantar da videoconferência para fazer xixi? Sem chance. De repente, a “bio break” pode parecer mais aceitável. “Retomamos o contato em um segundo momento” soa melhor do que “vamos deixar para depois porque meu aquecedor de água quebrou”. E “não estou disponível” é mais discreto que dizer “estou longe da minha mesa porque meu filho quer me mostrar um louva-a-deus morto”.

Melissa Jones Briggs, professora de comportamento organizacional na Stanford Graduate School of Business, diz que algumas pessoas usam eufemismos empresariais e termos corporativos como uma armadura contra a incerteza e o constrangimento. O trabalho remoto e o híbrido trouxeram muito dos dois.

“Quando estamos vulneráveis, é tentador usar uma linguagem mais corporativa, porque ela nos distancia e nos ajuda a ocultar nosso eu pessoal”, disse Briggs.

Linguagem

A fala corporativa nem sempre é uma coisa ruim. Muitos profissionais compartilham jargões que ajudam as pessoas a trabalharem juntas com mais rapidez, por exemplo. Mas esses termos compartilhados podem representar um risco para as empresas num momento em que os funcionários já estão se sentindo distanciados pela tecnologia, afirma Melissa. Se o Slack, o Zoom e o e-mail são uma camada de separação, a linguagem corporativa pode ser mais uma.

Esses riscos vêm sob algumas formas, de acordo com Tim Ito e Bob Wiltfong, coautores do livro The BS Dictionary: Uncovering the Origins and True Meanings of Business Speak (“O dicionário corporativo: descobrindo as origens e os verdadeiros significados da linguagem dos negócios”, em tradução livre).

Uma dessas formas é a falha na comunicação: se o jargão corporativo toma conta da cabeça das pessoas, isso levará a erros e decisões ruins, disse Wiltfong. Por exemplo, “end of day” (“fim do dia”, na tradução livre do inglês) pode significar duas coisas diferentes para dois funcionários diferentes.

Outra é a exclusão. Os funcionários confiam numa linguagem que é confusa para quem está de fora porque os define como pessoas de dentro, diz Wiltfong. Nesse momento em que algumas empresas estão assumindo compromissos verbais com ambientes de trabalho mais justos para pessoas de diferentes origens, o discurso corporativo vai contra esse objetivo.

Ambos os pontos podem significar problemas para empresas que estão pensando em modelos de trabalho híbridos, com alguns funcionários no escritório e outros em casa. Grupos assim divididos exigem uma comunicação mais clara, e a linguagem corporativa pode levar ao “engano”, afirma Melissa.

Para Wiltfong, porém, novos modelos de trabalho também podem representar uma oportunidade para que os funcionários corporativos repensem a maneira como se comunicam e defendam hábitos melhores. “Ao longo do último ano e meio, acho que surgiu um reconhecimento de que, gostemos ou não, temos de ser mais humanos”, diz. Ito, porém, apontou que “trabalho híbrido” já é, por si só, um termo corporativo.

Máquina

Algumas empresas estão recorrendo à inteligência artificial para ajudar a influenciar a escolha de palavras dos funcionários e gerenciar os jargões corporativos. Uma ferramenta de escrita por inteligência artificial chamada Linguix viu sua base de usuários inflar de cerca de 3 mil para mais de 115 mil desde que a pandemia começou, por causa do trabalho remoto, disse seu cofundador Alex Lashkov. Um cliente do setor de TI, por exemplo, usou a Linguix para dissuadir seus funcionários de usar a palavra “powerhouse” (algo como “potência” ou “casa de força”) para descrever certas coisas.

A demanda por outro assistente de inteligência artificial, o chamado Writer, que usa aprendizado de máquina para escanear as comunicações dos funcionários em busca de palavras e frases que suas empresas desejam evitar, disparou durante o ano passado, disse sua CEO, May Habib. O Writer conta com o Twitter e a Intuit entre seus clientes, e sua receita dobrou desde janeiro, disse ela, sem revelar números específicos.

Os algoritmos do Writer se baseiam no processamento da linguagem natural – uma inteligência artificial complexa que é “treinada” pela linguagem escrita que, teoricamente, depois consegue compreender e reproduzir – para ler o que os funcionários escrevem e fazer sugestões. Os algoritmos abrem caminho para ferramentas úteis, como a escrita automatizada e a pesquisa avançada. Mas alguns modelos foram criticados por reforçar o preconceito racial. No ano passado, uma ex-pesquisadora de inteligência artificial do Google alegou que foi demitida após apresentar pesquisas que apontavam os riscos de certos modelos de linguagem de inteligência artificial e criticava o tratamento da empresa com os funcionários de minorias. Na época, o chefe de pesquisa de inteligência artificial do Google disse no Twitter que a pesquisadora havia saído depois que um artigo de sua autoria não atendeu aos padrões de publicação da empresa.

A maioria das empresas usa o Writer para monitorar as comunicações externas com os clientes, mas algumas também o usam internamente, para evitar que os funcionários usem o tom errado em e-mails ou mensagens de Slack, disse Habib. Isso pode significar palavras passivo-agressivas ou linguagem que a empresa considere muito casual. Alguns clientes também usam a tecnologia do Writer para mirar o jargão empresarial.

“Nós definitivamente ajudamos as pessoas a se comunicarem de maneiras que sinalizam competência e confiança no trabalho, e o uso excessivo desses tipos de termos realmente prejudica tudo isso”, disse ela, observando que a grande maioria de seus clientes não obriga seus funcionários a adotar a ferramenta, mas alguns sim.

Thomas disse que não gostaria que as pessoas – nem mesmo as que fazem “bio breaks” – fossem submetidas a tais lembretes da inteligência artificial. Mas isso não significa que não temos escolha.

Pessoas que desejam uma linguagem mais clara, direta e humana no local de trabalho devem começar com sua própria comunicação, orienta Melissa. Antes de pensar em como os outros o veem, pense no que eles precisam de você e qual é o seu objetivo comum. Em seguida, escolha palavras que realmente ajudem a chegar lá, aconselha ela.

E, se você estiver com coragem, pode até admitir que vai sair da reunião para ir ao banheiro.

“Acho que todos ficariam mais felizes se pudéssemos ser mais autênticos o tempo todo”, disse Thomas. “Mas acho que isso deixa as pessoas desconfortáveis de uma outra maneira”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Estadão Conteúdo

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