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Brasil

Novo programa representa futuro incerto na Ilha de Marajó

Com mais da metade da população do município dependente, a secretária diz que a maior preocupação é sobre a continuidade do auxílio

FolhaPress

31/12/2021 8h07

Victoria Damasceno e Krime Xavier
Curralinho, PA

Após passar a madrugada na rede de uma embarcação, Maria Raimunda do Nascimento, 55, desembarcou no município de Curralinho (PA) para se certificar de que não teria problemas para receber os R$ 400 prometidos pelo governo Bolsonaro com a criação do Auxílio Brasil. O aumento seria significativo, visto que hoje ganha R$ 136.

Foram quatro horas de viagem do rio Piriá, onde mora, até a cidade. Sem o cartão do Bolsa Família para sacar o benefício, Nascimento teria que usar seu RG, que, por estar rasurado, não era aceito em todas as agências. Por isso, ela e o marido foram até a cidade se certificar de que o documento não seria recusado.

A viagem, no entanto, foi perdida. Teria que tirar uma nova carteira de identidade, mas o serviço só estaria disponível em 2022. Fora da época da colheita de açaí, quando o marido consegue ganhar algum dinheiro vendendo os frutos que colhe, os dois dependem do programa, da caça e da pesca para se alimentar.

“[A gente se mantém] na fé e na coragem. Vai, pesca peixe, mas se torna muito difícil.”

A expectativa em torno dos R$ 400 prometidos pelo Auxílio Brasil é uma realidade entre os beneficiários de Curralinho.

Enquanto para muitos o aumento terá pouco impacto, moradores e comerciantes esperam melhorias nas condições de vida da população. Por outro lado, a incerteza quanto à continuidade do pagamento gera preocupações.

A cidade de 35 mil habitantes, localizada na Ilha de Marajó, é marcada por casas palafitas, que fora da região central do município se confundem com a vegetação amazônica e as águas do rio Pará. Da capital paraense, Belém, são cerca de seis horas de barco.

Dados do Ministério da Cidadania mostram que 5.427 famílias eram beneficiárias do Bolsa Família, o que corresponde a 66% da população local. Destas, 92% estariam em extrema pobreza se não fosse o programa.

Continuam, porém, em condição de pobreza. Em 2019, o PIB per capita do município foi de R$ 7.391,80. A título de comparação, o município com maior valor, São Paulo, chegou a R$ 62,3 mil.”

Apesar da expectativa em torno do aumento, a secretária de Assistência Social, Rithiane Freitas, afirma que os usuários não foram informados de forma adequada sobre a mudança do programa, ao passo que servidores públicos receberam instruções “confusas” sobre seu funcionamento.

Com mais da metade da população do município dependente do benefício, a secretária diz que o ponto de maior preocupação é sobre a continuidade do auxílio, uma vez que só há garantia do pagamento de R$ 400 para 2022, quando o presidente Jair Bolsonaro tentará reeleição.

“A gente sente uma instabilidade com essa nova nomenclatura, Auxílio Brasil. A gente sente que pode ser instável tanto para as famílias quanto para o próprio município porque, se não houver continuidade do programa, o município que vai arcar”, diz a secretária.

O benefício de Marcilene Barbosa Pantoja, 30, passou de R$ 357 para R$ 400 em novembro, quando o programa foi instituído e os pagamentos tiveram um pequeno acréscimo. Mãe solo de três crianças, Pantoja não tem outra fonte de renda. Apesar da expectativa que havia nutrido em torno do aumento do benefício, mal consegue alimentar a si própria e os filhos.

“Não dá para se virar, ainda mais com três crianças. Só [consigo comprar] alimento mesmo, luz, gás, o básico”, diz.

Já o benefício de Maria de Lourdes Gomes de Freitas, 36, passou de R$ 772 para R$ 882. Mãe de nove filhos, ela vive só com o que ganha do programa.

Em uma casa de palafitas à beira do rio Mucuta, Freitas mora com os filhos, marido e outros familiares. Esperava que a mudança do programa promovesse um aumento maior para aqueles com mais dependentes. Mesmo com o acréscimo, ainda não chegou ao seu objetivo, que é cozinhar apenas com o gás de cozinha, deixando de lado o fogão à lenha.

“Com esse dinheiro eu compro alimento para os meus filhos. As coisas para eu comer, tudo para casa. E falta”, conta.

A renda de grande parte das famílias provém principalmente do benefício, uma vez que o açaí, que tem sua safra entre junho e dezembro, é o que movimenta a economia local. O fruto garante o salário dos ribeirinhos no período, que vendem para intermediários ou empresas que exportam ou fabricam produtos alimentícios ou cosméticos.

No restante do ano, dedicam-se à pesca ou à produção de farinha de mandioca ou tapioca. Muitos, porém, não têm os recursos para produzir além do necessário para a alimentação de sua família.

A baixa renda da população local, somada à sazonalidade do açaí, faz com que o aumento prometido pelo Auxílio Brasil traga a expectativa de melhora nas condições de vida dos moradores da cidade, avalia Danilo Araújo Fernandes, professor e coordenador da pós-graduação em economia da UFPA (Universidade Federal do Pará).

Programas de transferência de renda são o que garante a estabilidade dos ribeirinhos e, por isso, o aumento tem impacto significativo nas famílias e no município, explica o professor. Por viverem à base da economia informal, os recursos provenientes destes programas são os principais motores do comércio local.

“Quando você pega a circulação de renda do município, o conjunto de benefícios faz diferença. A reforma da Previdência, por exemplo, vai gerar receita a longo prazo, por que a reforma demora um tempo para ter efeito concreto. Agora o Bolsa Família, o auxílio emergencial tem efeito imediato”, diz Fernandes.

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