O Ministério Público Federal (MPF) formalizou uma denúncia contra a desembargadora afastada do Tribunal de Justiça do Amazonas, Encarnação Salgado, além de outras 14 pessoas, incluindo advogados e um ex-servidor da Corte, pela venda de decisões judiciais para traficantes da facção criminosa Família do Norte (FDN). A magistrada está afastada das funções desde junho de 2016.
A denúncia, enviada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pela subprocuradora Lindôra Araújo, foi anunciada nesta sexta-feira, 5, pelo MPF. O órgão pede a condenação do grupo por corrupção e organização criminosa.
O ponto de partida da investigação, que acendeu o alerta na Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi o número de liminares deferidas pela desembargadora em habeas corpus para o mesmo grupo de advogados. Ao longo do inquérito, conversas foram interceptadas em grampos telefônicos, depoimentos colhidos e materiais apreendidos, incluindo celulares do grupo.
A partir daí, os investigadores chegaram ao modus operandi atribuído aos denunciados. De acordo com a Procuradoria, a desembargadora cobrava propinas de até R$ 200 mil para soltar traficantes da organização criminosa FDN, concentrada na capital amazonense, durante o plantão judiciário. Para operacionalizar o suposto esquema, os advogados escolhiam datas específicas para ajuizar as petições, garantindo que o pedido fosse analisado por Encarnação. As operações seriam intermediadas pelo servidor denunciado, que trabalhava como auxiliar da magistrada.
Em alguns casos, o Ministério Público afirma que atestados médicos falsos foram apresentados pelos advogados para justificar o pedido de conversão de prisão preventiva em domiciliar. Eram incluídas doenças como tuberculose ou HIV.
O valor cobrado, que conforme a denúncia variava de acordo com a condição do preso, era dividido entre o advogado, o médico que forneceu o atestado e a magistrada.
A análise da conta-corrente da desembargadora concluiu ainda que suas movimentações financeiras eram incompatíveis com o salário. De 2012 a 2015, ela recebeu depósitos em dinheiro no total de R$ 165 mil, dos quais R$ 108 mil vieram de depositantes não identificados e R$ 56 mil da própria titular, além de créditos autorizados não identificados no total de R$ 13 mil, afirma a denúncia.
As suspeitas de irregularidades vieram a público em 2015, quando foi aberta a Operação La Muralla 2. O afastamento da magistrada foi determinado na esteira da ação. Antes disso, ela já havia sido denunciada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), também por venda de decisão judicial.
Além da condenação pelos crimes de corrupção passiva, corrupção ativa e organização criminosa, o MPF pede que a magistrada continue afastada do cargo e pague indenização por danos morais coletivos. Também requer a perda da função pública.
O presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas, Jorge Chalub Pereira, disse ao Estadão que, como o inquérito corre em sigilo, não é possível se manifestar sobre a denúncia.
“A desembargadora Encarnação está afastada desde 2016. Como as apurações foram feitas no CNJ e no STJ, nós não conhecemos o processo, que corre em segredo de Justiça. Nós estamos aguardando uma decisão. Não tenho como dar opinião, isso foge à atribuição e competência do tribunal”, afirmou.
O desembargador também observou este foi um caso ‘isolado’ na Corte do Amazonas e que o tribunal segue as diretrizes de fiscalização e correção estabelecidas pelos órgãos superiores.
“Nós procuramos implantar as políticas de controle. O tribunal segue os manuais, resoluções e orientações para fiscalização e controle, nos termos da Corregedoria Geral de Justiça. Mas cada caso tem que ser analisado. Por isso é importante o devido processo legal”, acrescentou.
COM A PALAVRA, A DEFESA DA DESEMBARGADORA
A reportagem entrou em contato com o advogado que defende a desembargadora Encarnação Salgado, por ligação e mensagem, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria. O espaço permanece aberto a manifestações.
Estadão Conteúdo