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Brasil

Leo Pedalando pelo Mundo estabelece recordes enquanto inspira pessoas a realizar sonhos

Em busca de redenção, Leandro Oliveira bateu o recorde mundial entre o Alasca e a Terra do Fogo ao pedalar 22,4 mil km em 95 dias

Afonso Ventania

26/03/2024 6h30

Quem nunca pensou em largar tudo e viajar pelo mundo vivendo aventuras e experiências inesquecíveis? É o sonho de muita gente, mas poucos realizam. Seja por falta de coragem ou de oportunidade. Afinal, a minoria das pessoas está disposta a largar emprego, carreira profissional, família e uma vida confortável para sair pelo mundo em busca do improvável. O instinto do ser humano é buscar a estabilidade que, muitas vezes, padroniza comportamentos e escraviza.

Ser estável significa, muitas vezes, estar imóvel. E essa paralisia transmite uma falsa sensação de segurança. Aprisiona a mente, o coração das pessoas e, sobretudo, entorpece o desejo do espírito aventureiro de buscar novos caminhos, novos conceitos, novas possibilidades e, acima de tudo, novas conexões. Mas conexões reais, com pessoas e lugares, e não nas redes virtuais. Romper com os privilégios, padrões sociais e com as expectativas é um ato de coragem, mas, acima de tudo, uma atitude revolucionária de questionar a sociedade em que vivemos.

Diante da inércia e das possibilidades que a vida lhe apresentara, o maranhense Leandro Carlos da Silva Oliveira, 32 anos, passou a se sentir infeliz e entediado. Foi, então, que percebeu que precisava furar a bolha para conquistar sua liberdade. A faculdade de Engenharia Civil que cursava e empregos aleatórios como motorista de aplicativo e recepcionista de hotel não preenchiam o vazio existencial daquele jovem que perdeu o pai muito cedo e precisou deixar a terra natal para migrar com a mãe para Caldas Novas, no interior goiano.

Com a descoberta de um tumor, a mãe de Leandro, Maria de Jesus da Silva, chamada carinhosamente pelo filho de “Nêga”, precisou mudar para São Paulo em busca de melhores tratamentos. Venderam o carro e um terreno para custear as despesas. Sozinho em Caldas Novas, Leandro, que já questionava dentro de si os padrões sociais e ansiava por liberdade decidiu, em um rompante, largar a faculdade no último ano, pedir demissão e ir ao encontro da mãe.

Leandro Carlos da Silva Oliveira

Abalado psicologicamente, Leandro sentiu necessidade de espairecer de alguma maneira e decidiu começar a pedalar. Sem recursos, pediu dinheiro emprestado à tia e comprou uma bicicleta usada muito simples, mas boa o suficiente para garantir sua saúde mental. Com a cura da doença da mãe, ainda desgastado emocionalmente, o maranhense decidiu ir pedalando de São Paulo ao Rio de Janeiro com apenas R$ 75,00. E, no dia 29 de agosto de 2018, Leandro se libertou da âncora que o prendia aos padrões rígidos da sociedade, zarpou em direção ao desconhecido e renasceu como “Leo Pedalando pelo Mundo”.

Renascimento

Na bicicleta, Leo improvisou embalagens plásticas e tubos de PVC para armazenar suas roupas e equipamentos de viagem. Pedalava de chinelo de couro, roupas comuns (inapropriadas para a prática do ciclismo) e com pouquíssimo dinheiro. A simplicidade era compensada pela vontade de seguir em frente.

Logo percebeu, contudo, a riqueza das estradas. “As pessoas ajudam demais os cicloviajantes. Quando eu mais precisava, aparecia gente para me oferecer alimento e até estadia. Senti uma energia incrível”, conta. Por essa experiência que considerou “sobrenatural”, ele decidiu batizar a bicicleta como “Magia”. Aliás, batizar as bicicletas tornou-se uma de suas marcas. Ele já pedalou também a “Liberdade”, a “Fênix” e a “Bela”. Todos os nomes têm alguma relação com o momento da vida que o ciclista atravessava no período.

Já no ano seguinte, em 2019, Leo decidiu percorrer as capitais do Brasil. E a sede de conquistar terreno e avançar por rodovias e trilhas do país, o fez estabelecer um novo recorde. Ele cobriu 18,5 quilômetros entre as 27 capitais em apenas 166 dias. Em 2021, logo após a reabertura da quarentena estabelecida em resposta ao Covid-19, Leo voltou para estrada com o objetivo de superar o recorde do percurso entre o Monte Caburaí, em Roraima, e Chuí, no Rio Grande do Sul. Foram 10 mil quilômetros em apenas 44 dias.

As conquistas logo passaram a atrair muitas pessoas que se encantavam não apenas com as aventuras, mas com a humildade e o carisma do jovem maranhense. Muitos se emocionaram quando ele, em uma das cicloviagens, precisou trocar o único par de tênis que tinha por comida. “Foi numa viagem a Venezuela. Troquei o tênis por farinha e banana com os índios de lá”, relata.

E assim, o ciclista passou de aventureiro solitário a fenômeno na internet e foi conquistando cada vez mais atenção nas redes sociais e, em apenas uma delas, atualmente, já soma pouco mais de 210 mil seguidores. Com a audiência, a rede de contato ampliou e, há algum tempo, em suas viagens, Leo costuma dormir e se alimentar em casas de fãs e admiradores. “É uma benção. Ter pessoas que me conhecem e me apoiam ao longo do caminho. Sinto-me até mais protegido. E, com isso, nas cicloviagens no Brasil, não preciso carregar barraca e utensílios de cozinha, pois sei que alguém vai me acolher no fim do dia”, comemora.

Os patrocinadores e apoiadores também apareceram e começaram a ajudar a financiar outros desafios. Além disso, Leo criou uma loja virtual onde comercializa camisas, meias e vende rifas para quem gosta do trabalho dele e quer ajudar. Mas, por que ajudar alguém que vive pedalando por aí sem rumo? Inspiração. É isso que motiva as pessoas a acompanharem cada pedalada do Leo como se fosse uma novela da vida real.

“Fico ligado em todas as aventuras dele. Ele inspira qualquer um que pedala. Pela história de superação e pela simplicidade dele”, diz o estudante Marco André, que fez questão de conhecer o Leo pessoalmente em uma visita que ele fez ao patrocinador, em Brasília. “A simplicidade e o carisma dele é o que mais admiro e o que chama a atenção de todo mundo. Meu sonho era conhecê-lo”, emenda o brigadista Rubeny Lima.

A opinião dos fãs de Leo, reforça a percepção de que as pedaladas do jovem ciclista constroem uma visão crítica e ampla das questões humanas. Do viver com simplicidade e intensidade o momento. Enquanto muitos recorrem a comprimidos e terapias em consultórios psiquiátricos e psicológicos para amenizar a frustração, a ansiedade e a depressão, Leo pedala. E inspira! Esse é o real valor de cada gota de suor que escorre do corpo do jovem ciclista enquanto “gira o pedivela” pelo asfalto das estradas que desbrava.

Leo se diz grato por fazer o que ama e ainda por ter o apoio de tantas pessoas. São os seguidores, contudo, que o agradecem por cada quilômetro de aventura e pela inspiração. Todo vídeo ou foto postados pelo ciclista nas redes sociais é gatilho para cada um repensar sobre a própria vida. Eles se tornaram tão dependentes dos desafios do Leo Pedalando pelo Mundo quanto o próprio ciclista. Um círculo virtuoso em que todos ganham.

“Olha o Leo há cinco anos. Vivia na monotonia, fazia o que não gostava até perceber que eu estava vegetando. Aliás, muita gente faz o que não gosta para se sustentar. Mas o mundo tem tanta coisa boa para a gente ficar vegetando. Todos merecem usufruir o melhor que o mundo oferece. E não é só em cima de uma bicicleta. Descubra o que te faz feliz e viva. O que não é justo é as pessoas precisarem fazer o que não gostam só em troca de dinheiro ou status. A vida é muito curta e o mundo tem muito a nos oferecer”, ensina.

Recorde mundial

Já reconhecido nacionalmente e com uma bicicleta gravel de carbono super leve oferecida pelo patrocínio, Leo partiu para um objetivo ainda maior e rompeu as fronteiras do Brasil. Ele resolveu atravessar as Américas pedalando sem suporte. Ou seja, sem qualquer veículo de apoio. Leo deveria pedalar sozinho e carregando seus próprios equipamentos. Lavava a própria roupa, comprava a sua comida e, quando não encontrava hotel ou camping, pernoitava em barraca às margens das rodovias.

O desafio, no entanto, não era apenas pedalar do Alasca até a Terra do Fogo, mas bater o recorde da travessia estabelecido por um alemão, em 2018. Leo deu início à jornada desafiadora em 30 de maio de 2023, em Prudhoe Bay, no extremo Norte do Alasca (EUA), e pedalou 22.434,79km até Ushuaia, no extremo Sul da Argentina, com 123.803 metros de altimetria acumulada.

O ciclista alcançou seu destino no dia 2 de setembro de 2023 após cruzar 15 países, muitos fusos horários, e encarar todas as zonas climáticas do planeta em 95 dias, 16 horas e 57 minutos, superando o recorde anterior por 2 dias, 4 horas e 12 minutos.

“Em 2022 eu fiz a primeira tentativa, mas o planejamento não foi o melhor e ainda fiquei doente. Mas voltei mais forte psicologicamente e com uma estratégia mais eficiente para cumprir o desafio. Encarei condições climáticas severas, como baixíssimas temperaturas no Alasca, calor intenso no Texas e em algumas regiões do México e países da América do Sul, ventos fortes contrários na Patagônia Argentina, chuvas de granizo e até incêndios no Canadá”, recorda.

Leo também relata que alguns dos momentos mais tensos e arriscados foram na América do Norte por causa de animais selvagens, como ursos. “Precisava ficar muito atento. Eu levava spray de pimenta para me proteger em caso de ataque”, diz. Na Venezuela, devido à extrema pobreza que vive a população, o ciclista encontrou diversas dificuldades. “Fiquei sem sinal de internet e também, em vários momentos, não podia contar com energia elétrica e água potável para me hidratar”, completa.

Transamazônica

Leo tem uma relação paradoxal com a Amazônia. Foi lá que ele passou um de seus maiores sustos durante o desafio Alasca – Ushuaia. “Os índios jogaram pedras em mim quando eu passei pela região deles. Outra vez, eles queriam cobrar dinheiro para me deixar passar. Foram duas situações bem tensas. E lá também, pela grande desigualdade, não nos sentimos tão seguros”, afirma.

Pouco tempo depois de bater o recorde mundial, Leo descansou e já partiu para outro desafio. Voltar à região para estabelecer um recorde: da travessia completa da BR 230, a temida rodovia Transamazônica.

Construída durante a ditadura militar, a rodovia corta o Brasil no sentido leste-oeste e, em grande parte, não é pavimentada. O ciclista partiu de Lábrea, no Amazonas, e percorreu 5.464 quilômetros até Cabedelo, na Paraíba, em 25 dias, 8 horas e 55 minutos, o novo recorde da rota.

Dessa vez, Leo contou com o apoio e a inédita companhia da mãe. Vendedora de empadas em Caldas Novas (GO), Nêga, como é carinhosamente chamada pelo filho, ficou feliz pela oportunidade de ver pessoalmente o “Leo Pedalando pelo Mundo”. “Tô feliz com o avanço dele e acredito que tem um futuro promissor. Mas é muito preocupante. Na primeira vez que ele foi para o Alasca eu fiquei muito ansiosa e com o coração apertado. Mas não adianta dizer para ele não ir porque ele vai de qualquer jeito. Pelo menos agora eu tô tendo indo com ele para os desafios”, diz, sorridente.

RAAM

Movido a desafios e sem querer parar de pedalar, Leo já traçou o próximo objetivo; participar da competição de ultraciclismo mais difícil do planeta, a Race Across America (RAAM) que será disputada em junho, nos Estados Unidos. Sem dúvida, por se tratar de uma disputa em que enfrentará ciclistas de elite, será o maior desafio do maranhense até agora. Os atletas saem da Califórnia, na Costa Oeste, e pedalam 4.800 km até Nova Jersey, no outro extremo do país do Tio Sam. Vence quem cumprir o trajeto no menor tempo. Muitos atletas deixam até de dormir na ânsia de conquistar o título.

“A privação de sono será, com certeza, a maior dificuldade para mim. Mas, não a única. Vou atravessar o deserto de Mojave, subir as montanhas do Colorado e encarar ventos contrários fortíssimos. É uma prova em que o psicológico precisa estar bem e que demanda o apoio de uma equipe de apoio multidisciplinar”, explica, Leo. Ele pretende completar o percurso em 12 dias, o tempo máximo permitido pela organização.

Para bancar os custos da viagem e da participação no evento, Leo conta com o apoio dos milhares de seguidores que tem nas redes sociais e organizou uma vaquinha virtual. Afinal, os organizadores da RAAM exigem carros de apoio e o acompanhamento de médicos e outros profissionais. Além disso, é preciso pagar passagens aéreas, hospedagens e alimentação para toda a equipe.

No mundo em que façanhas individuais ecoam através das redes sociais e inspiram uma geração, Leo está derrubando barreiras e escrevendo a própria história enquanto supera desafios e angaria uma legião de amigos pelas estradas com sua atitude e carisma. Assim como na “jornada do herói”, o ciclista maranhense partiu de seu mundo comum para viver aventuras e superar inquietações numa odisseia intercontinental.

Porém, antes de retornar para casa mudado, como preconiza a narrativa, Leo está transformando o mundo e inspirando pessoas não apenas com palavras, mas com ações. Ou melhor, com pedaladas. No livro dos exploradores modernos, Leo Pedalando pelo Mundo será, certamente, um dos maiores protagonistas.

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