Os dois juízes do Trabalho que suspenderam nesta sexta, 5, a possibilidade de uma demissão coletiva de funcionários da Ford que trabalham nas fábricas de Taubaté (SP) e Camaçari (BA) justificaram a medida como uma maneira de evitar possíveis violações aos direitos dos trabalhadores. A produção em ambas as sedes foi encerrada pela empresa no mês passado após a Ford anunciar o fim da produção no Brasil.
As liminares determinam que a montadora deve se abster de promover dispensa coletiva sem prévia negociação com a entidade sindical dos profissionais. Durante as negociações, a Ford também fica proibida de suspender o pagamento de salário e licenças remuneradas aos seus funcionários. Além disso, a empresa deverá apresentar em 15 dias todas as informações que sejam necessárias às negociações e à tomada de decisões pela categoria profissional.
Segundo a juíza Andréia de Oliveira, titular da 2ª Vara do Trabalho de Taubaté, a dispensa em massa de funcionários sem negociação com o sindicado ‘não contribui para a melhoria da condição social de ninguém, muito menos dos trabalhadores envolvidos’.
“A dimensão da empresa, o número de empregos diretos e indiretos atingidos e o impacto social para o País não comportam uma solução simplista para o caso”, frisou.
O juiz substituto Leonardo de Moura Landulfo Jorge, da 3ª Vara do Trabalho de Camaçari, seguiu o mesmo entendimento para barrar a dispensa coletiva na fábrica baiana. Segundo ele, uma eventual demissão em massa sem a comunicação e negociação com o sindicato ‘estará eivada de vícios intransponíveis, violando direitos constitucionais dos trabalhadores’.
“A conduta da parte ré, em não envidar todos os esforços para a concretização da efetiva negociação coletiva, quando esta se torna imprescindível, seja não fornecendo informações relevantes ou mantendo canal de diálogo de forma individual com os trabalhadores, viola frontalmente o princípio da boa fé objetiva que norteia a relação contratual”, apontou Landulfo Jorge.
Ambas as decisões fixam multa de R$ 1 milhão em caso de descumprimento e são resultado de uma atuação coletiva do Ministério Público do Trabalho (MPT). Após o anúncio da Ford no mês passado, a Promotoria criou um Grupo Especial de Atuação Finalística (Geaf) para monitorar os impactos dos fechamentos das fábricas em Taubaté, Camaçari e Horizonte (CE).
Ao Estadão/Broadcast, o procurador-geral do MPT Alberto Balazeiro afirmou que espera que as duas decisões levem a montadora a ‘sentar na mesa’ para a negociação.
“O que buscamos é a negociação. O que a Ford fez até agora não foi negociar. Uma negociação não pode começar com a demissão de todo mundo”, afirmou Balazeiro. “Não se trata apenas da questão trabalhista daquele grupo de funcionários, mas do dano a toda uma cadeia produtiva e à sociedade. São questões maiores como a preservação da empregabilidade, a utilização de um volume expressivo de recursos públicos e um dano social de grande envergadura”, completou.
A Ford já havia encerrado, em 2019, a produção de caminhões em São Bernardo do Campo (SP), no ABC Paulista. Em Camaçari eram produzidos os modelos EcoSport e Ka; em Taubaté, motores; e em Horizonte eram montados os jipes da marca Troller.
A montadora planeja manter no Brasil somente a sede administrativa, em São Paulo, o centro de desenvolvimento de produto, na Bahia, e o campo de provas de Tatuí (SP). A estimativa da própria empresa é que 5 mil funcionários seriam impactados com a mudança.
MPT espera que Ford negocie saída do país
As duas decisões liminares publicadas na noite desta sexta-feira, 5, que impedem a Ford de demitir seus funcionários nas fábricas de Camaçari (BA) e Taubaté (SP) foram comemoradas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Autor das duas ações, o órgão espera que a partir de agora a multinacional “sente à mesa” para negociar de fato uma reparação aos danos causados pela sua saída do País.
“O que buscamos é a negociação. O que a Ford fez até agora não foi negociar. Uma negociação não pode começar com a demissão de todo mundo”, afirmou ao Estadão/Broadcast o procurador-geral do MPT, Alberto Balazeiro. “Não se trata apenas da questão trabalhista daquele grupo de funcionários, mas do dano a toda uma cadeia produtiva e à sociedade. São questões maiores como a preservação da empregabilidade, a utilização de um volume expressivo de recursos públicos e um dano social de grande envergadura”, completou.
No dia 11 de janeiro, a montadora americana anunciou o fechamento das fábricas em Camaçari (BA), onde produz os modelos EcoSport e Ka; Taubaté (SP), que produz motores; e Horizonte (CE), onde são montados os jipes da marca Troller. Segundo a Ford, o encerramento da produção nas três cidades afetará cerca de 5 mil funcionários, mas o MPT estima que mais de 122 mil pessoas podem perder o emprego, considerando a cadeia de fornecedores de peças e serviços à companhia.
“Todo mundo foi pego de surpresa, não houve nenhum tipo de aviso da Ford a ninguém. A empresa precisa entender que tem responsabilidade sobre todo o entorno. Camaçari e Taubaté giram em torno da fábrica, há toda uma cadeia de fornecedores. E o Estado brasileiro investiu muito para que essa cadeia existisse, com incentivos tributários – federais, estaduais e municipais – além de empréstimos do BNDES”, afirmou Balazeiro.
Desde o anúncio da Ford no mês passado, o MPT formou um grupo de trabalho para acompanhar os desdobramentos do fechamento das fábricas nos três Estados. Apesar de uma reunião com executivos da empresa no dia 14 de janeiro, o órgão reclama que a Ford não tem sido transparente sobre o encerramento das atividades no Brasil.
“A empresa precisa criar um plano de desmobilização. Falta transparência. Demos dez dias para que apresentassem esse plano e a Ford pediu mais 30 dias. Enquanto isso, demitiriam os funcionários e chegaram a anunciar o encerramento total das atividades em 18 de fevereiro. Deixamos a porta aberta para a Ford e até hoje não recebemos um documento básico. É impossível começar uma negociação coletiva com essa assimetria de informação”, acrescentou o procurador-geral do Trabalho.
Segundo ele, as liminares tratam apenas das fábricas de Camaçari e Taubaté porque a Ford ainda não divulgou uma data para o encerramento das atividades em Horizonte. “Ninguém quer forçar uma empresa a ficar no País, mas a companhia precisa entender que o impacto de sua saída é muito maior. Na França, a Ford pagou 20 milhões de euros como indenização trabalhista ao desmobilizar uma fábrica com 800 funcionários”, citou.
O procurador reclamou ainda do que chamou de “assédio negocial” da empresa, que estaria buscando individualmente os funcionários para oferecer o pagamento de indenizações trabalhistas – por fora da negociação coletiva com os sindicatos. “No meio desta pandemia, é como oferecer um bote para quem está se afogando no meio do mar. Mas o MPT quer mostrar que o papel da Ford vai além de simplesmente pagar as verbas rescisórias aos próprios funcionários. O Estado brasileiro se sentiu violentado”, concluiu Balazeiro.
Estadão Conteúdo