JOÃO GABRIEL E JÉSSICA MAES
BELÉM, PA (FOLHAPRESS)
O incêndio no pavilhão principal da COP30, a conferência sobre mudança climática das Nações Unidas, é o novo episódio de tensão entre a ala negociadora do Brasil do evento e a Casa Civil do governo Lula (PT).
Nesta quinta-feira (20), as negociações ficaram paradas por cerca de seis horas em razão do fogo e das inspeções necessárias após o incidente, o que invariavelmente afetará o ritmo das tratativas. O presidente da cúpula, o embaixador André Corrêa do Lago, afirmou que o caso gera atraso em negociações já difíceis.
A avaliação de diplomatas não só do Brasil é que problemas estruturais desde a questão dos hotéis caros em Belém até os problemas nos pavilhões interferem no humor dos negociadores, o que afeta as discussões.
O secretário extraordinário da Casa Civil para a COP30, Valter Correia, por sua vez, afirmou que, depois do incêndio, as negociações foram retomadas normalmente.
“A única coisa que a gente sabe, segundo o Corpo de Bombeiros, que não foi nada da estrutura” disse.
O fogo aconteceu em um dos momentos mais delicados da negociação, no penúltimo dia oficial das tratativas, quando o impasse entre países sobretudo europeus e árabes ameaça travar as discussões.
Os grupos divergem quanto a temas centrais da COP30, como o mapa do caminho para o fim dos combustíveis fósseis, o financiamento climático e para adaptação e o debate em torno das medidas unilaterais de comércio.
Desde o início deste ano, diplomatas relataram à Folha de S.Paulo, sob reserva, o receio de que os problemas com hotéis, transporte, logística e segurança transbordassem para as tratativas climáticas e prejudicassem os seus resultados.
Também há quem reclame da postura do Governo do Pará, sob Helder Barbalho (MDB), por exemplo, por não ter atuado devidamente para controlar a manifestação que tentou entrar na área reservada do pavilhão ainda no segundo dia da conferência, e por, depois, ter dito que não tinha responsabilidade, tentando se descolar do problema. A segurança externa está a cargo da Polícia Militar, enquanto a interna é da ONU.
Após o incêndio, quatro negociadores, de diferentes países, divergiram sobre os impactos que o transtorno poderia ter. Parte afirmou, também sob reserva, que isso atrapalharia o humor dos representantes, outros ponderaram apenas que apenas seria necessário ter mais tempo para concluir as conversas, mas que elas não seriam atrapalhadas pelo incidente.Mas todos relatam que a sequência de problemas, no mínimo, incomoda, já que não é usual que os trabalhos sejam atravessados por estes contratempos.
A sequência de problemas se arrasta desde o primeiro semestre, mas a crise se acentuou logo após as reuniões preparatórias da COP30 que aconteceram na Alemanha.
Como revelou a Folha de S.Paulo, em julho dezenas de negociadores enviaram uma carta ao governo Lula e à UNFCCC (o braço climático das Nações Unidas), pressionando para que ao menos parte da conferência fosse transferida para outra cidade.
No documento, são citados sobretudo os altos preços de hospedagem da cidade de Belém, mas também preocupações com a logística.
Estes temas são de responsabilidade da Casa Civil e do governo Barbalho, mas transbordaram para a diplomacia.
André Corrêa do Lago foi diversas vezes questionado sobre esse assunto.
Durante o segundo semestre, reuniões entre países sobre a COP, que deveriam tratar dos temas da conferência, acabaram falando de logística. O tema foi tratado inclusive nos corredores de um retiro organizado pelo Azerbaijão, que tinha como objetivo ajudar os negociadores a conversar em um clima mais leve e informal que as tratativas oficiais.
A própria UNFCCC relatou preocupação com o tema de hospedagem neste período, sob receio de que países não conseguissem arcar com os custos de estar na cidade de Belém.
Em resposta, a Casa Civil montou uma força-tarefa para tentar resolver, caso a caso, a estadia de diferentes delegações.
Ao mesmo tempo, o Brasil endossou o pleito de outros países para que a ONU ampliasse o auxílio dado a diplomatas, como forma de ajudar a resolver o problema e a demanda foi atendida.
O problema dos hotéis foi aos poucos resolvido, mas, com o início das negociações, outros problemas surgiram, agora com o pavilhão principal da COP30. Houve reclamações de que o ar-condicionado não dava conta de resfriar o espaço, banheiros tiveram falta de água e chegaram a ser interditados, e a chuva forte na cidade causou goteiras e alagamentos.
O novo estopim da crise foi quando, no segundo dia do evento, cerca de 150 manifestantes que pediam o fim da produção de petróleo e a taxação dos ricos conseguiram romper as barricadas de segurança feitas nos arredores da chamada zona azul área reservada apenas aos credenciados e onde acontecem as reuniões diplomáticas e quase conseguiram entrar no prédio.
Os manifestante dentre eles, indígenas foram expulsos com truculência pelo policiamento da ONU, quando já haviam derrubado as portas do local.
Após o acontecido, a UNFCCC fez uma carta criticando o governo Lula pelas condições de infraestrutura e pedindo aumento na segurança. Novamente o tema logístico passou a ser comentado pelos diplomatas, acentuando a crise entre os negociadores e a Casa Civil.
Três dias depois da manifestação na zona azul, um outro ato aconteceu em frente à entrada da COP30.
Corrêa do Lago e a CEO da COP30, Ana Toni, deixaram suas agendas e foram pessoalmente conversar com os manifestantes, primeiro na rua e depois em uma reunião fechada, para evitar que a tensão escalasse. As ministras Marina Silva (Meio Ambiente) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas) também participaram do encontro.
Ao fim, a avaliação foi que a rápida ação dos diplomatas foi o que ajudou a resolver o tema.
Os problemas de estrutura foram aos poucos resolvidos pela organização do evento e a segurança, de fato, foi reforçada. Sob reserva, críticos da Casa Civil afirmaram que, apesar dos problemas graves iniciais, a resposta da pasta foi a contento.