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Brasil

Geóloga descobre rochas de plástico em ilha oceânica brasileira

A única presença humana na ilha se deve a uma pequena base da Marinha e uma estação de pesquisas científicas

Redação Jornal de Brasília

21/03/2023 10h03

Foto: AFP

Há poucos locais no planeta tão remotos quanto Trindade, uma ilha vulcânica no Atlântico sul, aonde se chega após uma viagem de navio de até quatro dias, zarpando da costa do Espírito Santo.

Por isso, a geóloga Fernanda Avelar Santos perdeu a fala ao encontrar neste pequeno território um sinal inquietante do impacto humano em uma paisagem praticamente intocada: rochas formadas pela contaminação de plástico que flutua no oceano.

A geóloga as viu pela primeira vez em 2019, quando foi à ilha desenvolver sua tese de doutorado sobre um tema completamente diferente: deslizamentos de terra, erosão e outros “riscos geológicos”.

Ela trabalhava perto de uma reserva natural protegida, conhecida como Parcel das Tartarugas, maior berçário do mundo das tartarugas verdes, em risco de extinção, quando se deparou com um afloramento de 12 metros quadrados de rochas azuis esverdeadas e aspecto peculiar.

Intrigada, levou dezenas de amostras para seu laboratório.

Ao analisar o material, Santos e sua equipe identificaram as rochas como um novo tipo de formação geológica, resultante da fusão dos materiais que a Terra usa para formar rochas há bilhões de anos e um novo componente: lixo plástico.

“As principais conclusões são que o ser humano está atuando como agente geológico, influindo em processos que anteriormente eram completamente naturais, como a formação de rochas”, disse a cientista à AFP.

“Isso entra no cenário do Antropoceno, que vem sendo muito falado na ciência hoje em dia, que é a época do tempo geológico que pode marcar a influência do ser humano nos processos naturais da Terra em nível global. Esses detritos plásticos com aparência de rocha podem ficar preservados no registro geológico e representar o Antropoceno”, acrescentou.

Ilha paradisíaca

A descoberta a deixou “triste” e “chateada”, disse Santos, que é professora da Universidade Federal do Paraná.

A geóloga descreve Trindade como “paradisíaca”: uma ilha linda de 9,2 km2, cuja distância a transformou em um refúgio para todo tipo de espécies: aves marinhas, peixes endêmicos, caranguejos em extinção, tartarugas verdes.

A única presença humana na ilha se deve a uma pequena base da Marinha e uma estação de pesquisas científicas.

“É maravilhosa”, resumiu a pesquisadora.

“É uma área de proteção ambiental muito importante, então foi mais espantoso ainda que dentro da Ilha da Trindade, em uma das praias mais sensíveis do ponto de vista ecológico, tenha um tipo de poluição destes”, explicou.

Ela voltou à ilha no fim do ano passado para coletar mais amostras e aprofundar o estudo do fenômeno.

E encontrou formações plásticas similares às registradas anteriormente em locais como Havaí, Grã-Bretanha, Itália e Japão desde 2014.

Mas Trindade é o local mais remoto do planeta onde foram encontradas até agora, afirmou.

Ela disse temer que à medida que as rochas sofram erosão, microplásticos se infiltrem, contaminando ainda mais a cadeia alimentar da ilha.

Foto: AFP

‘Mudança de paradigma’

Seu estudo, publicado em setembro passado na revista Marine Pollution Bulletin, classificou o novo tipo de “rochas”, encontradas em todo o mundo, em vários subtipos: “plastiglomerados”, similares às rochas sedimentares; “piroplásticos”, similares às rochas clásticas; e um tipo não identificado anteriormente, “plastistones”, similar às rochas ígneas, formadas pelo fluxo de lava.

“A contaminação marinha está provocando uma mudança de paradigma nos conceitos de rochas e formações de depósitos sedimentares”, escreveu sua equipe.

“As intervenções humanas agora são tão generalizadas que a gente tem que questionar o que é realmente natural”, explicaram.

O principal ingrediente que Santos descobriu nas rochas foram restos de redes de pesca.

Mas as correntes oceânicas também arrastaram grande quantidade de garrafas, lixo doméstico e outros resíduos plásticos do mundo todo para a ilha, afirmou a geóloga.

Santos quer transformar o tema em seu principal ângulo de pesquisa.

Trindade “é o lugar mais protegido que eu já conheci”, assegurou.

“O problema é que ainda está no meio do Oceano Atlântico, no meio de rotas de navio, e no meio de correntes oceânicas. Então, mesmo sendo muito protegida, é muito vulnerável ao lixo e à contaminação do mar. Isso reflete o problema global do lixo no mar”, acrescentou.

© Agence France-Presse

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