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Brasil

Exclusão e inconsistência de dados marcam a vacinação indígena

No Brasil, 276.713 (68%) indígenas receberam a primeira dose e 183.824 (45%) tomaram a segunda dose da vacina contra a Covid-19 até hoje

Geovanna Bispo

17/03/2021 6h11

Foto: Geovana Albuquerque/Agência Saúde DF

“Eles só querem vacinar quem vive nas comunidades. Quem mora fora, quem teve que sair para trabalhar ou estudar, não tem nem previsão”, afirma o estudante indígena Fetxawewe Tapuya. Com o avanço descontrolado da covid-19 no país e o ritmo lento de vacinação, os povos indígenas se mostram ainda mais vulneráveis à medida que os dados são imprecisos e o plano de vacinação excludente.

Utilizando dados fechados do Sistema de Atenção à Saúde Indígena (Siasi), a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), entende que apenas 409.883 indígenas estão aptos a tomar a vacina. Desses, 276.713 (68%) indígenas receberam a primeira dose e 183.824 (45%) tomaram a segunda dose da vacina contra a Covid-19 até hoje.

Diferentes dados, porém, mostram que, em 2010, existiam 896 mil indígenas no Brasil, sendo que 517 mil (57,7%) viviam em terras oficialmente reconhecidas e 379 mil (42,3%) em área urbana. As informações são do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em complemento a Fetxawewe, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) explica que a razão para essa diferença de números se dá pela exclusão de indígenas que vivem em terras não homologadas ou em áreas urbanas. “Foram excluídos da campanha de vacinação contra covid-19 cerca de 379.535 mil (42,3%) indígenas”.

A poeta e geógrafa indígena Márcia Kambeba, que mora em Belém (PA) e não foi vacinada, diz acreditar que o plano proposto pelo governo federal não é suficiente para frear os casos e mortes de indígenas. “ É necessário que se acelere a vacina para todos. Assim, creio eu, teremos uma forma de barrar o agravamento e aceleração do vírus nas comunidades.”

Erros

De acordo com pesquisa conduzida por organizações civis nacionais e internacionais, como Open Knowledge Brasil e Transparência Brasil, mais de 70% dos dados relacionados às vacinas contra o novo coronavírus divulgadas pelo Ministério da Saúde são incompletos ou inconsistentes.

Dessa forma, os dados de vacinação indígena não escaparam dessa estatística e mostram que sete dos 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal não possuem comunidades tradicionais. O que significaria que a população originária, seja residente de terras não homologadas ou morador da área urbana, desses lugares não poderiam tomar a vacina.

Ainda assim, Fetxawewe Tapuya, que mora no Santuário dos Pajés, em Brasília, recebeu a vacina em janeiro. “No mesmo dia que eu, cerca de 17 pessoas foram vacinadas, em sua grande maioria Guajajaras”. Desde então, 482 indígenas tomaram a primeira dose e 128 receberam a segunda dose vacina contra Covid-19 no Distrito Federal.
A Secretaria de Saúde do Distrito Federal e o Ministério da Saúde não explicaram os números.

Casos

Da mesma maneira que os números sobre a vacinação, os dados sobre os infectados também sofrem divergências. De acordo com a Sesai, 44.917 indígenas contraíram covid e 613 faleceram desde o início da pandemia. No entanto, em levantamento próprio, a Apib em conjunto com o Instituto Socioambiental (ISA), afirmam que 50.655 indígenas foram infectados e mil morreram.

Esta diferença de 5.738 casos e 399 mortes, se deve, segundo a Articulação e ao Instituto, ao critério de contabilização utilizado pela Secretaria. “A Sesai, vinculada ao Ministério da Saúde é responsável por contabilizar os casos de covid-19 entre indígenas, tem um critério que, para nós é excludente: apenas registram casos de indígenas aldeados – ou seja, aqueles que estão em territórios tradicionais. Indígenas que moram em contexto urbano e são atendidos pelo SUS não entram na conta da Sesai.”

Em nota, a Sesai nega que exista subnotificação dos casos e óbitos, já que, os indígenas que vivem em centros urbanos devem ser contabilizados pelas secretarias estaduais e municipais, não constando no levantamento de dados realizado por eles.

A secretaria acrescenta que, desde janeiro, vem elaborando documentos técnicos para orientar os povos, gestores e colaboradores sobre medidas de prevenção e de primeiros atendimentos em casos de covid-19 e que já foram enviados 789 mil insumos para 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) para auxiliar no combate ao vírus.

Plano Federal

Nesta terça-feira (16), o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF) homologou parcialmente o Plano Geral de Enfrentamento à Covid-19 para Povos Originários. O plano prevê acesso à água potável e saneamento básico para os povos, com o objetivo de enfrentar da melhor forma a pandemia e dá 48 horas para o Ministério da Justiça e da Segurança Pública (MJSP).

O ministério ainda terá, em um prazo de 15 dias, coordenar e apresentar um Plano de Execução e Monitoramento do Plano Geral, onde conterá o detalhamento da distribuição de cestas alimentares, acesso a água potável e saneamento, vigilância e informação em saúde, assistência integral e diferenciada, disponibilização de pessoa e equipamento e infraestrutura em geral.

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