GUSTAVO GONÇALVES E LUCAS LEITE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
O ex-presidente do Inep Luiz Cláudio Costa classificou como grave o novo episódio de semelhança entre questões do Enem 2025 e materiais do estudante de medicina Edcley Teixeira. O exame foi aplicado neste domingo (7) em três cidades do Pará.
Ex-reitor da UFV (Universidade Federal de Viçosa) e presidente do Inep, órgão ligado ao MEC (Ministério da Educação), entre 2012 e 2014, Costa afirmou que, caso tenha ocorrido algum acesso antecipado às perguntas, a isonomia do exame teria sido comprometida, já que isso daria vantagem indevida a quem teve contato prévio com o conteúdo.
Menos de um mês após o escândalo envolvendo a antecipação de perguntas do Enem, apostilas do estudante voltaram a apresentar ao menos cinco questões muito semelhantes às aplicadas no segundo dia de provas na Grande Belém. A situação se agravou porque, após o primeiro caso, o material circulou nas redes sociais, permitindo que candidatos no Pará tivessem acesso ao conteúdo antes da aplicação.
“Causa atenção aí, porque é um fato recorrente com essa fonte […] É preciso apurar tudo em detalhe para preservar a credibilidade do exame. O instituto é de muita qualidade, mas é necessário garantir tranquilidade aos estudantes”, disse Costa à Folha. Segundo ele, o Inep precisa ampliar o banco de itens para reduzir o risco de repetição.
O atual presidente do Inep, Manuel Palacios, afirmou à Folha que não há indícios de vazamento e que o resultado da aplicação no Pará será mantido. Ele negou que a circulação das apostilas tenha beneficiado candidatos e disse que a nota do Enem é calculada por um modelo psicométrico que considera o conjunto das respostas, de modo que mesmo itens parecidos não alteram o desempenho global.
Segundo Palacios, as coincidências observadas em materiais de Edcley Teixeira decorrem de memorização parcial de questões de pré-testes realizados em anos anteriores. “Não houve vazamento. O que ocorreu foi um esforço de recuperação de itens pela memória, o que pode gerar semelhanças, mas não afeta a validade da prova”, afirmou.
Procurado, o estudante disse que a semelhança entre suas apostilas e as questões decorre da “identidade consolidada” do exame, e não de acesso irregular ao conteúdo.
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De acordo com ele, seu material reproduz padrões da matriz de referência por meio de engenharia reversa e ferramentas lógico-computacionais. Ele afirmou que a coincidência não configura irregularidade e defendeu que o Inep reveja a anulação de itens.
Palacios afirmou que muitas das coincidências envolvem tarefas típicas do ensino médio, como interpretação de gráficos e cálculo de proporções. “Em muitos casos, é a tarefa que é semelhante, não o item. São problemas usuais das áreas avaliadas”, disse.
Costa defendeu o pré-teste, mas afirmou que o problema surge quando itens pré-testados retornam ao exame no mesmo ano. “Parece que questões do pré-teste estão sendo usadas no mesmo ano da aplicação. Isso mostra que é necessário ampliar muito o banco de questões.”
Palacios disse que, segundo informações de sua equipe, os itens utilizados foram pré-testados em 2023 e 2024, dentro de um conjunto que abrange cerca de dez anos de pré-testes. O mais antigo, nesta edição, é de 2013.
Ele ainda ressaltou que o pré-teste não é um ensaio da prova final, mas um processo que calibra itens que podem ou não ser incorporados ao Enem. “Sem pré-testes, não é possível produzir resultados comparáveis entre edições.”
O presidente do Inep afirmou que o principal desafio hoje é operacional. Segundo ele, a realização das rodadas de pré-testes que envolvem cerca de 800 questões enfrenta dificuldades pela necessidade de reunir um grande número de estudantes. “É preciso mobilizar cerca de 15 mil alunos a cada etapa, e muitos faltam. Daí você precisa criar incentivos para a participação.”
USO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Costa também defendeu o uso de tecnologia para reforçar a produção e a segurança dos itens e disse que a inteligência artificial pode apoiar tanto a criação quanto a testagem, sob supervisão humana.
Em entrevista anterior à Folha, a ex-presidente do Inep Maria Helena Castro também apontou que, no médio e longo prazo, a IA pode ser uma saída para a geração de questões.
Palacios afirmou que o Inep estuda o uso de IA para simular respostas, mas disse que o processo depende antes de tudo da participação de estudantes, porque são eles que permitem calibrar a máquina.
Segundo ele, as simulações só fazem sentido quando a ferramenta aprende a partir do comportamento real dos participantes. “Você combina humanos com máquinas”, disse. O presidente acrescentou que, mesmo com o avanço da tecnologia, a participação humana não deve desaparecer. “Os estudantes continuam essenciais no processo.”
Edcley Teixeira, aluno de medicina da UFC (Universidade Federal do Ceará), ganhou notoriedade após antecipar perguntas do Enem 2025 e também de edições de 2023 e 2024. Ele nega qualquer vazamento e diz basear suas previsões em padrões de pré-testes oficiais utilizados pelo Inep na calibração de itens.
À Folha de S.Paulo o estudante atribuiu sua capacidade de antecipação à experiência acumulada em 13 participações no Enem e afirmou aplicar um “método de percepção algorítmica”, baseado na leitura de editais e na observação de padrões linguísticos nas questões.
O MEC já havia anulado três questões do Enem 2025 e acionado a Polícia Federal após a divulgação de vídeos em que o estudante mostrava perguntas semelhantes às aplicadas na prova nacional de novembro.
A aplicação no Pará mobilizou cerca de 95 mil candidatos em Belém, Ananindeua e Marituba, em exame adiado devido à COP30. Uma edição do Enem voltada à população privada de liberdade está prevista para este mês.