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Brasil

Entenda golpe milionário que roubou quadro de Tarsila do Amaral, segundo investigação

Os quadros faziam parte do acervo da francesa Geneviève Rose Coll Boghici, 82, que os herdou há sete anos

FolhaPress

10/08/2022 19h04

Agentes encontram a obra ‘Sol Poente’, de 1929, de Tarsila do Amaral (1886-1973), embaixo de cama de suspeitos de terem roubado idosa no Rio de Janeiro – Divulgação/Polícia Civil do RJ

Júlia Barbon
Rio de Janeiro, RJ

Um grupo acusado de aplicar um golpe estimado em R$ 725 milhões na viúva de um colecionador de arte foi alvo de uma operação nesta quarta (10), no Rio de Janeiro. Nesse valor estão incluídas 16 obras de artistas como Tarsila do Amaral, Cícero Dias e Di Cavalcanti.

Os quadros faziam parte do acervo da francesa Geneviève Rose Coll Boghici, 82, que os herdou há sete anos após a morte do marido romeno Eugéne Boghici, conhecido como o marchand Jean Boghici. A filha do casal, Sabine Coll Boghici, está entre os presos.

Segundo as investigações da Polícia Civil fluminense, ela e outras seis pessoas de uma mesma família são suspeitas de praticar os crimes de associação criminosa, estelionato, extorsão, roubo e cárcere privado contra a idosa.

No total, três foram detidos temporariamente nesta quarta e dois continuam foragidos –um homem não teve mandado de prisão expedido e outro morreu. Sabine foi presa na casa de Rosa Stanesco Nicolau, sua companheira, onde foram encontradas diversas telas embaixo de uma cama.

Sua defesa ainda não se pronunciou sobre as acusações. A reportagem tentou localizar quatro advogados que constam em outros processos em seu nome, sem sucesso.

O cálculo dos R$ 725 milhões inclui as obras de arte avaliadas pela vítima em aproximadamente R$ 710 milhões, joias roubadas estimadas em R$ 6 milhões, pagamentos de R$ 5 milhões feitos pela francesa após ser enganada e de outros R$ 4 milhões feitos sob suposta coação e ameaça.

Como o golpe teria começado Segundo o inquérito, o golpe teve início em janeiro de 2020, quando, ao sair de uma agência bancária em Copacabana, na zona sul do Rio, Geneviève foi abordada por uma mulher. Era Diana Rosa Stanesco Vuletic, que disse ser vidente e ter visto que sua filha estava doente e morreria em breve.

Ela então convenceu a idosa –cuja filha tem problemas psicológicos desde a adolescência, incluindo depressão, ansiedade e crise de pânico– a ir com ela até seu apartamento no bairro. Ali jogou búzios, confirmou a previsão trágica e a levou para a casa de uma segunda vidente que faria a cura.

Era Jacqueline Stanescos, diz a polícia, que para fazer o trabalho perguntou à viúva onde ela morava e quais bens tinha. Geneviève desconfiou, não quis responder, e seguiu com Diana para a casa de uma terceira cartomante que seria “de confiança”, Rosa Stanesco Nicolau.

Conhecida como Mãe Valéria de Oxóssi, a mulher jogou búzios, tirou cartas e disse que sua filha tinha um espírito ruim que a levaria à morte. Cobrou, então, um pagamento. A idosa depois contou a situação à filha, Sabine, que a convenceu a realizar todos os pagamentos para curá-la.

Depois desses pagamentos, que somaram R$ 5 milhões em pouco mais de dez dias e foram feitos nas contas do pai e do sogro da primeira “vidente”, a filha começou a isolar a mãe da convivência com outras pessoas e dispensou os funcionários da casa, o que fez a francesa desconfiar.

Início das agressões e ameaças Ainda de acordo com as investigações, nesse momento Sabine começou a agredir e ameaçar Geneviève, além de negar-lhe comida, para forçá-la a fazer as transferências. Sob a desculpa da pandemia, ela não podia ver nem ligar para ninguém, a não ser as pessoas que faziam o tratamento espiritual. O isolamento teria durado até abril de 2021.

A filha chegou a colocar uma faca no pescoço da mãe diversas vezes, segundo o depoimento da idosa, enquanto, ao telefone no viva voz, a companheira Rosa a mandava matar. A partir de setembro de 2020, sob essa suposta coação, foram feitos mais 38 pagamentos somando R$ 4 milhões ao filho de Rosa.

Nesse período, a mulher passou a frequentar a casa, ameaçando amaldiçoar e agredir Geneviève se ela não obedecesse. Foi aí também que a companheira da filha começou a levar objetos de valor do apartamento, incluindo os 16 quadros, dizendo que eles estavam amaldiçoados e precisavam ser rezados.

Quando os crimes teriam sido planejados Os investigadores acreditam que o plano pode ser sido arquitetado entre setembro e dezembro de 2019, pouco antes da abordagem pela “vidente” na saída do banco.

Nesse período, segundo a idosa, a filha se mudou com os cachorros para uma casa da família em Itaipava, em Petrópolis, na região serrana. O caseiro contou à patroa que Sabine falava ao telefone o tempo todo com uma mulher chamada Valéria e que elas brigavam muito.

Geneviève disse à polícia que “sempre teve um lado místico, tendo estudado, feito curso de astrologia, meditação e yoga, tendo inclusive ido por um mês para a Índia”, por isso ficou impressionada com as previsões das videntes sobre sua filha.

COMO O GOLPE FOI DESCOBERTO

A francesa procurou a polícia no primeiro semestre deste ano, um ano após o cárcere. Ela teve certeza de que Sabine estaria envolvida no esquema quando descobriu que 5 das 16 obras foram levadas pela filha a uma galeria de arte de São Paulo. O dono disse que, por conhecer a família, foi induzido a vendê-las.

Ele devolveu à viúva três dessas telas que ainda não haviam sido comercializadas: “O Sono”, de Tarsila do Amaral, “O Menino”, de Alberto Guingnard, e “Mascaradas”, de Di Cavalcanti.

As outras duas, “Maquete para Meu Espelho”, de Antônio Dias, e “Elevador Social”, de Rubens Gerchman, não puderam ser recuperadas porque foram vendidas ao fundador do museu argentino Malba (Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires).

Em nota enviada por sua assessoria de imprensa, o fundador do museu, Eduardo Costantini, afirma no entanto que as aquisições foram feitas para sua coleção privada, não para o acervo do museu.

Quais as obras foram subtraídas e recuperadas Encontradas na casa de Rosa Stanesco Nicolau, companheira de Sabine:

1 – “Ela”, aquarela de Cícero Dias, avaliada em R$ 1 milhão
2 – Aquarela em papel sem título, de Cícero Dias, avaliada em R$ 1 milhão
3 – “Sol Poente”, de Tarsila do Amaral, avaliada em R$ 250 milhões
4 – “Pont Neuf”, de Tarsila do Amaral, avaliada em R$ 150 milhões
5 – “Retrato”, de Michael Macreau, avaliada em R$ 150 mil
6 – “Rue des Rosiers”, de Emeric Marcier, avaliada em R$ 150 mil
7 – “Eglise Saint Paul”, de Emeric Marcier, avaliada em R$ 150 mil
Devolvidas pela galeria de São Paulo
1 – “O Menino”, de Alberto Guignard, avaliada em R$ 2 milhões
2 – “Mascaradas”, de Di Cavalcanti, avaliada em R$ 1,5 milhão
3 – “O Sono”, de Tarsila do Amaral, avaliada em R$ 300 milhões
Vendidas para o Malba (Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires)
1 – “Maquete Para Meu Espelho”, de Antônio Dias, avaliada em R$ 1,5 milhão
2 – “Elevador Social”, de Rubens Gerchman, avaliada em R$ 1,5 milhão

Outras

1 – “Porto de Pesca em Hong Kong”, de Kao Chien-Fu, avaliada em R$ 1 milhão
2 – “Coruja ao Luar”, de Kao Chi-Feng, avaliada em R$ 1 milhão
3 – “Mulher na Igreja”, de Ilya Glazunov, avaliada em R$ 500 mil
4 – Desenho representando uma paisagem, de 1935, de Alberto Guignard, avaliada em R$ 150 mil

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