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Brasil

Em quase dois séculos, Porto Alegre aterrou trechos do Guaíba para triplicar o centro histórico

A margem do Guaíba “andou” cerca de 300 metros desde então, e originalmente ficava onde hoje está a rua dos Andradas

Redação Jornal de Brasília

18/05/2024 13h30

(Photo by ANSELMO CUNHA / AFP)

MARIANA ZYLBERKAN, IRAPUAN CAMPOS E NICHOLAS PRETTO
SÃO PAULO, SP 

Nascida à beira do lago Guaíba, em 1772, Porto Alegre aterrou trechos do longo de quase dois séculos para ampliar o centro e parte das regiões sul e norte da cidade. Desde a primeira metade do século 19, quando foi feito o primeiro acréscimo de terra, a capital gaúcha triplicou a área central com as sucessivas intervenções.

A margem do Guaíba “andou” cerca de 300 metros desde então, e originalmente ficava onde hoje está a rua dos Andradas. A primeira obra de intervenção, no início de 1800, avançou um quarteirão lago adentro, quando foram criadas cerca de 2 km de novas vias -as atuais ruas Sete de Setembro e Voluntários da Pátria.

Nos primórdios da formação da cidade, os aterros serviram para ampliar a atividade portuária e, posteriormente, para dar espaço à construção de prédios como o Mercado Público, a prefeitura e o porto, conhecido hoje como Cais Mauá. “Boa parte do nosso patrimônio histórico está em zona de aterro”, diz o arquiteto Gianluca Perseu, professor da Anhanguera Porto Alegre.

Há duas semanas, as mesmas áreas aterradas ficaram novamente submersas após as fortes chuvas que causaram a morte de mais de 150 mortos na maior parte do Rio Grande do Sul. Entre as construções afetadas no centro histórico estão o cais, o mercado e a prefeitura.

A retomada pela água dos terrenos que já foram parte do Guaíba aconteceu por uma questão topográfica. “Essas partes da cidade foram afetadas simplesmente porque estão em áreas mais baixas”, diz o professor Joel Avruch Goldenfum, diretor do Instituto de Pesquisar Hídricas da UFRGS.

As obras de aterro foram feitas ao longo dos anos justamente nos trechos mais rasos próximos à margem.

“O que foi aterrado é uma parcela pequena [afetada] diante do volume imenso de água que invadiu a cidade. Do ponto de vista dessa magnitude, as áreas que antes eram lago tiveram participação mínima na inundação”, diz Jaime Federici Gomes, professor da Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Até as obras de ampliação da região central Guaíba adentro, a zona portuária da região sul ficava na cidade de Rio Grande, onde o Guaíba deságua no oceano. “Porto Alegre tinha vontade de crescer e receber as grandes embarcações estrangeiras. Por isso, o primeiro Plano Diretor foi atrelado à infraestrutura de saneamento. Sem uma rede de esgoto, a cidade cheirava mal e isso poderia afastar os novos visitantes”, diz Perseu.

Por isso, o centro da capital gaúcha foi erguido na porção de terra em forma de península às margens do lago. Houve também o quesito segurança por ser um local abrigado e seguro, explica o professor aposentado da UFRGS Carlos Morelli Tucci.

“As ilhas ao redor não tiveram essa mesma importância para o desenvolvimento de Porto Alegre e se transformaram em áreas de preservação”, diz. “Era uma forma barata de conseguir área de construção na região central da cidade”, continua sobre a estratégia dos aterros.

Os aterros também serviram como estratégia de amortecimento de cheias durante o processo de urbanização de Porto Alegre. Nos anos 1970, obras retraíram a margem do Guaíba por alguns metros ao longo de cerca de 4 quilômetros para a criação do Parque Marinha do Brasil.

A região tem um trecho que serve como um lago artificial para absorver a água das chuvas. “Essas áreas tinham que destinadas ao uso público porque corriam o risco de serem ocupadas de forma irregular e serem transformadas em áreas de risco. A orla é inundável, mas poucas pessoas se lembram que pode alagar”, diz o professor Goldenfum.

Na mesma área aterrada, foram construídos o estádio Beira-Rio, inaugurado em 1969 à beira do Guaíba, o bairro Praia de Belas e o Anfiteatro Por do Sol.

O Centro Administrativo de Porto Alegre, que reúne prédios públicos, como os Correios, a Casa de Cultura Mario Quintana e a rodoviária também foram erguidos em áreas aterradas.

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