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Brasil

Cotado para chefiar Polícia Civil no RJ foi condecorado por deputado ligado a miliciano

A movimentação ocorre durante o planejamento da atuação de forças federais no estado

Redação Jornal de Brasília

18/10/2023 20h50

Crédito: Reprodução

ITALO NOGUEIRA
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)

O delegado Marcus Amim, cotado para assumir a chefia da Polícia Civil do Rio de Janeiro, recebeu a principal condecoração da Assembleia Legislativa de um deputado ligado a um ex-PM condenado por liderar uma milícia na Baixada Fluminense .

O deputado Márcio Canella (União), um dos apoiadores da indicação de Amim como secretário, fez campanha ao lado do ex-PM Juracy Alves Prudêncio, o Jura, condenado e preso em 2009 sob acusação de homicídio e associação criminosa. A mulher do miliciano trabalha até hoje no gabinete dele na Assembleia Legislativa.

A mudança no comando da corporação é articulada após dias de pressão política de deputados estaduais sobre o governador Cláudio Castro (PL), incomodados com a resistência do atual secretário, José Renato Torres, nomeado há menos de um mês, em acatar as indicações da Assembleia Legislativa. A movimentação ocorre durante o planejamento da atuação de forças federais no estado.

Nesta quarta-feira (18), a Assembleia aprovou a toque de caixa a mudança na legislação que impedia a posse de Amim. Ele não tinha o tempo necessário como delegado para chefiar a instituição.

“A correria de se pautar a mudança era, tendo em vista a escolha do governador, para trazer de melhor o que ele entendia que a gente tem agora para oferecer junto à segurança pública”, disse o presidente da Assembleia, Rodrigo Bacellar (PL).

Em nota, Amin, atualmente presidente do Detran-RJ (Departamento Estadual de Trânsito), afirmou que recebeu a honraria “em razão do trabalho que desenvolveu para o combate à corrupção, ao tráfico de drogas e também às milícias”.

Canella disse que seu “mandato é pautado no combate à criminalidade” e negou ter ingerência sobre a indicação do delegado para o cargo. A defesa de Jura e de sua mulher não quis comentar.

O deputado propôs a concessão da Medalha Tiradentes, principal honraria da Assembleia, ao delegado Amim em abril de 2018. A cerimônia de entrega aconteceu em agosto.

Naquele mesmo ano, o deputado contou com o apoio de Jura na campanha de reeleição, quando o em-PM cumpria as condenações por homicídio e associação criminosa em regime semiaberto.

Os dois fizeram campanha juntos em Belford Roxo ao lado da deputada federal Daniela Carneiro (União), ex-ministra do Turismo na gestão do presidente Lula (PT) -o vínculo dela com o miliciano foi revelado pela Folha no início deste ano.

Jura, apontado como chefe do chamado “Bonde do Jura”, podia sair da prisão semiaberto em 2018 por ter sido nomeado no ano anterior como assessor de uma secretaria da Prefeitura de Belford Roxo, comandada por Waguinho (Republicanos), marido de Daniela Carneiro.

Em 2019, Canella nomeou a mulher de Jura, a ex-vereadora de Nova Iguaçu Giane Prudêncio, como assessora parlamentar de seu gabinete. Ela permanece empregada até hoje na Assembleia Legislativa e participou da campanha do deputado no ano passado.

O ex-PM voltou a ficar em regime fechado em janeiro de 2020 após a Justiça suspender a autorização de trabalho por identificar possíveis irregularidades na atuação dele na prefeitura. Desde maio deste ano Jura está em liberdade condicional após cumprir 16 anos de pena.

O Ministério Público foi contra a progressão de regime por considerar que ele mantinha liderança sobre o grupo criminoso, obrigando “moradores de diversas localidades a votarem em determinados grupos políticos”.

A Justiça, porém, entendeu que a Promotoria não apresentou fatos concretos que indicassem a atuação atual do ex-PM no crime. Avaliou também que o comportamento de Jura na cadeia era considerada excepcional.

A influência de Canella sobre a segurança pública do estado ficou evidente na campanha de 2022, quando teve o apoio explícito de oficiais da ativa da Polícia Militar, o que é vedado pela corporação. Ele foi o deputado estadual mais votado no Rio de Janeiro.

O deputado foi um dos que se rebelaram este mês contra o secretário de Polícia Civil, José Renato Torres. Nomeado há menos de um mês, o delegado deve ser retirado do cargo após manifestar a Castro que não acataria indicações de deputados da base do governo.

Torres participou das reuniões com o ministro da Justiça, Flávio Dino, sobre o apoio do governo federal às operações policiais no Rio de Janeiro.

De um lado, os membros da Assembleia Legislativa afirmam que o secretário não cumpriu compromissos, enquanto a cúpula da corporação vê pedidos em excesso.

O impasse foi tema de conversa em almoço entre Castro e o presidente da Assembleia, Rodrigo Bacellar (PL), que defendeu a exoneração do secretário.

A definição sobre a mudança se deu nesta terça-feira (17), quando o governador enviou para a Assembleia Legislativa proposta para alterar a Lei Orgânica da Polícia Civil. O projeto muda o critério de contagem de tempo de carreira exigido para o cargo de secretário da corporação.

Antes eram necessários 15 anos como delegado. Castro solicitou que seja considerado todo o período na instituição, permitindo a contagem do tempo como inspetor. Na justificativa do pedido, disse que ” a presente medida também tenciona alinhar um programa eficiente de promoção, onde o policial é incentivado a trabalhar e se qualificar cada vez mais, o que valoriza e prestigia a valorosa carreira”.

A mudança, aprovada pela Assembleia, era necessária para que Amin possa assumir como secretário, já que ele tem 10 anos como delegado, e 11 como inspetor.

As três entidades de classe de delegados e policiais civis do Rio de Janeiro (Sindelpol, Adepol e Sindpol) criticaram a proposta de mudança da lei.

“Infelizmente, a prática corriqueira de interferências políticas diretas na escolha do chefe da Policia Civil pelos mais diversos agentes externos, se tornou tão banal e escancarada no estado do Rio de Janeiro que não causa mais sequer surpresa ou perplexidade a sociedade carioca”, afirma a nota das três entidades.
Delegado diz que recebeu prêmio por combate às milícias

Amim afirmou, em nota, que recebeu a Medalha Tiradentes “em razão do trabalho que desenvolveu para o combate à corrupção, ao tráfico de drogas e também às milícias”.

“Em relação ao apoio político, cabe ressaltar que o delegado não compactua com atos ilícitos e que qualquer julgamento compete à Justiça”, disse o texto.

Márcio Canella disse, em nota, que “seu mandato é pautado no combate à criminalidade, na garantia do direito de ir e vir da população”. Ele ressaltou o fato de ter proposto em abril deste ano a criação da Delegacia Especializada de Repressão às Milícias Privadas.

O deputado afirmou que propôs a honraria a Amim por ele ter sido o responsável pela condução de operações contra milicianos e policiais suspeitos de corrupção. “Esses e outros importantes feitos traduzem o relevante serviço prestado pelo dr. Marcus Amim à sociedade fluminense, e o fazem merecedor da honraria concedida.”

Canella não comentou a campanha ao lado de Jura. Em relação à nomeação de Giane, mulher do miliciano, disse que ela é uma “liderança mulher e que apoiou sua candidatura em 2018”.

O advogado Luan Palmeira, que representa Jura e Giane, afirmou que não comentaria o caso.

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