Menu
Brasil

Correios: Ressalva de auditoria em balanços se repete desde o início do ano sem solução da estatal

Os Correios registraram, ao fim de setembro, R$ 5 bilhões em provisões, ante R$ 2,72 bilhões no quarto trimestre de 2024

Redação Jornal de Brasília

05/12/2025 6h20

172804848766ffed6759fec 1728048487 3x2 md

Agência dos Correios em Florianópolis – Divulgação

O balanço dos Correios para o terceiro trimestre de 2025, que trouxe prejuízo acumulado de R$ 6,05 bilhões no ano até setembro, inclui ressalva da auditoria independente que já havia sido feita no primeiro semestre, sem ter sido ainda resolvida pela estatal.

Procurada pelo Estadão, a estatal afirmou que “as demonstrações contábeis dos Correios são elaboradas e publicadas em conformidade com a legislação e normas vigentes”. E também que “os documentos são examinados por auditoria independente, segundo as normas brasileiras e internacionais”.

Pelo terceiro relatório trimestral seguido, os Correios escrevem que “em decorrência dos apontamentos realizados pela auditoria independente e das avaliações dos órgãos de controle, está em andamento um processo de revisão das estimativas e riscos nos processos judiciais pela Assessoria Jurídica”.

A questão é que, se ao final dessa revisão for confirmado que os riscos foram subestimados, haverá necessidade de provisões financeiras maiores, para eventuais derrotas na Justiça, e isso significará também um aumento do prejuízo — já bilionário — relatado em balanço.

Em comparação com o fim de 2024, no balanço mais recente, o valor das provisões para processos judiciais aumentou. Os Correios registraram, ao fim de setembro, R$ 5 bilhões em provisões, ante R$ 2,72 bilhões no quarto trimestre de 2024.

Os processos trabalhistas estão entre os principais motivos de preocupação. O texto do balanço do terceiro trimestre destaca que há atenção específica para a “análise das estimativas dos processos relacionados à cumulatividade do AADC (Adicional de Atividade de Distribuição e/ou Coleta Externa) com o AP (Adicional de Periculosidade), considerando a existência de decisões ainda pendentes de trânsito em julgado (definitivas), incertezas quanto à aplicação retroativa dos efeitos e outras variáveis jurídicas em análise”.

O texto conclui que “eventuais impactos decorrentes dessa revisão poderão ser refletidos nas próximas Demonstrações Contábeis, de acordo com o avanço das análises técnicas em curso”.

Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) colocam a empresa como a maior litigante trabalhista do País. Considerando todas as instâncias judiciais, foram registrados 56.481 novos casos nos últimos 12 meses. Isso significa 154 ações por dia ou 6 por hora.

Para as auditorias, as grandes companhias costumam contratar alguma integrante do grupo chamado Big Four, as quatro maiores globais, Deloitte, EY, KPMG, and PwC. O mercado também tem outras empresas internacionais e locais especializadas em atender empresas de médio porte. Não é o caso da Consult Auditores, empresa sediada em Curitiba e com filial em Cascavel (PR) que não faz parte dos nomes mais conhecidos da atividade.

O que especialistas dizem sobre os relatórios

Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, o pequeno detalhamento dessas informações no balanço chama atenção. Mesmo notas explicativas da auditoria não são incluídas no demonstrativo financeiro, e nem mesmo o nome dela.

Segundo a auditora e consultora Magali Camazano, os riscos de perda de processos judiciais, segundo as normas contábeis vigentes, devem ser classificados pelas empresas em possível, provável ou remota. “A empresa constitui provisão quando a perda é provável, o que prejudica o resultado, em especial de uma empresa com problemas financeiros”, diz. Quando o risco de perda é possível, ele pode ser citado no balanço, mesmo sem se fazer provisões para isso.

O relatório de auditoria independente disponível no site dos Correios, feito pela Consult Auditores, remetendo ao terceiro trimestre deste ano, cita que “os procedimentos de auditoria identificaram avanços implementados pela Empresa na classificação dos riscos processuais; entretanto, ainda foram observados pontos que requerem aprimoramento nos critérios utilizados e nos controles internos, o que pode impactar a consistência dos valores relacionados a processos judiciais e passivos contingentes”.

O relatório de auditoria do último trimestre de 2024 e o do primeiro deste ano destacam “fragilidades” nos critérios e controles internos adotados pela estatal.

Procurada pela reportagem, a Consult Auditores afirmou que, “por questões de impedimento legais”, não poderia apresentar informações dos clientes de auditoria.

Finanças preocupantes

Para entender o relatório de auditoria, é importante diferenciar os termos “ressalva” e “ênfase”. Ressalva indica possíveis problemas de confiança de dados, como as citadas nos recentes balanços dos Correios. Já a ênfase coloca uma “lupa” em dados de balanços que podem constituir problemas financeiros ou até mesmo trazer resultados positivos.

O termo ressalva, aliás, com a adoção, pelo Brasil, de novas regras de contabilidade em conformidade com os padrões internacionais, foi, em 2017, rebatizado de “opinião modificada”, porém ainda é empregado pela auditoria contratada pelos Correios.

Uma das ênfases levantadas pela Consult Auditores cita a obrigação de pagamento de plano de saúde como benefício pós-emprego (aposentadoria), com cálculos atuariais que “apresentam evidências de déficit no custeio global do plano”.

Descompasso entre receitas e despesas

Essa observação reflete análises de especialistas no acompanhamento do desempenho das estatais de que um dos grandes motivos para o prejuízo bilionário dos Correios está num descasamento entre o aumento de gastos operacionais, em especial, com reajustes de benefícios dos empregados, e uma queda nas receitas, por conta de concorrência com outras transportadoras e a entrada em vigor da taxa das blusinhas.

“Não me lembro de ver uma deterioração tão acelerada, e antecipável, assim de uma empresa”, afirma o professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EESP) Márcio Holland, ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda. “Houve uma evolução muito forte de gastos com pessoal e reajustes de benefícios, entre outros, como se os Correios fossem viver com uma ampliação de receitas.”

Um exemplo disso é que o pagamento de benefícios a empregados subiu de R$ 2,79 bilhões, no trimestre encerrado em dezembro de 2024, para R$ 4,97 bilhões, no terceiro trimestre deste ano. Significou uma alta de quase R$ 2,2 bilhões.

Já a receita líquida de vendas e serviços dos Correios ficou acumulada, de janeiro a setembro deste ano, em R$ 12,34 bilhões, frente aos R$ 14,15 bilhões do mesmo período de 2024. Trata-se de uma queda de cerca de R$ 1,8 bilhão.

“Vemos um passivo corroendo um ativo que vai caindo. Somando as perdas com o maior pagamento de benefícios, muitos que não são mais comuns no setor privado, com a menor receita, já se cria um prejuízo contratado de R$ 4 bilhões”, diz Holland. “Além disso, houve a necessidade de pagamento de precatórios e o tiro no pé que o governo deu com o fim do monopólio com a taxa das blusinhas, que tirou cerca de R$ 2 bilhões de receita anual dos Correios. Tudo isso exigia uma gestão mais cuidadosa.”

O plano de reestruturação da estatal apresentado inclui um programa de demissão voluntária, de pelo menos 10 mil empregados, venda de imóveis, renegociação de contratos e busca por novas formas de aumentar a receita. Para Holland, um dos problemas do plano é que não tem tamanho suficiente para resolver o rombo, e um plano de demissão aumenta os custos no curto prazo.

A iniciativa também envolve a busca de um empréstimo de R$ 20 bilhões, para socorrer a empresa, feito por vários bancos e com garantia do Tesouro Nacional. No entanto, o empréstimo oferecido foi reprovado, já que o Tesouro informou aos Correios que não dará aval ao aporte caso as taxas de juros estejam acima de 120% do Certificado de Depósito Interbancário (CDI).

Estadão Conteúdo

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado