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Brasil

Conheça o primeiro vendedor de rua do Lago Norte

Édson “Vascão” adoça a vida dos moradores das Península há 36 viradas de calendário

Gustavo Mariani

24/10/2022 10h02

No último dia de aulas do já longínquo 1978, o garoto Edinho despediu-se dos colegas da escola fundamental, sabendo que não os reveria mais. Seu pai, um pedreiro pobretão, avisara-lhe que, a partir de então, ele teria de trabalhar e ajudá-lo nas despesas de casa. E lá se foi o garoto, aos 12 de idade, para as ruas do Gama, vender o que o pai pudesse comprar para ele passar adiante. Num desses dias, já noite, ele zanzava pelas portas de um barzinho com música e muita gente dançando, quando uma garota de rua, de uns 14/15 de idade, engraçou-se com ele, o seduziu o levou para um prédio abandonado onde a sua turma costumava dormir. O Edinho que não conhecia o sexo, desmaiou ao ter o seu primeiro orgasmo.

Ele, no entanto, não tinha tempo para orgasmos. Tinha era uma cota estipulada, pelo pai, para entregá-lo a cada dia. Foi crescendo assim. Lá pelas tantas, já rapazinho e tentando melhorar suas “vendas externas”, migrou para o Plano Piloto e conheceu um cara que convidou-lhe a vender melancias em um quiosque que montava à entrada do Lago Norte. Ele foi ver, conferiu que melancia vendia bem. E lá se vão 36 viradas de calendário que esta história começou.

Todos os dias, a partir das nove da matina, Edson Ribeiro está com a sua banquinha montada pelas proximidades do maior supermercado do Lago Norte, quase sempre vestido com a camisa do Vasco da Gama, o que valeu-lhe o apelido de “Vascão”. Sorte dele, pois torcedores do clube carioca compram muito (para ajudá-lo) das suas laranjas, tangerinas, morangos e mangas.

O Vasco pode ter time ruim (estã na Série B do Campeonato Brasileiro), mas seu torcedor tem um bom coração. Todos me ajudam muito, afirma.

Nascido no Gama, em 24 de outubro de 1966, Edson ‘Vascão’. que aniversaria hoje, nunca foi importunado pelos gerente da antiga SAB – Sociedade de Abastecimento de Brasília, quando começou as suas “vendas externas” em frente ao estabelecimento. Só mais recentemente, entre fins do Século 20 e os primeiros tempos desta era, os fiscais do Governo do Distrito Federal começaram a ameaçar confiscar as suas frutas. Numa dessas ocasiões, um senhor que lhe comprava tangerinas, doeu-se por ele e discutiu com os agentes estatais, que ameaçaram chamar a polícia e denunciá-lo por desacato. Quem era o defensor do “Vascão? O já reformado (aposentado) coronel Carlos Alberto Ulstra Brilhante, acusado de ter sido um dos maiores torturadores da época da Ditatura dos generais-presidentes. Em outros tempos, aqueles ficais fariam alquilo? Só se quisessem sentar na “cadeira do dragão”, como se atribuía às ordens do militar sobre as suas denunciadas torturas.

Dias depois de escorraçado pelos fiscais do GDF, o “Vascão” voltou a tê-los em seu encalço. Daquela vez, quem intercedeu por ele foi o então Ministro da Justiça, o também coronel Jarbas Passarinho, morador nas proximidades e que horrorizou-se com a violência verbal dos homens: “Vocês querem que este rapaz esteja roubando, assaltando?”, os indagou o ministro, que não lhe disse quem ele seria. Da mesma, Édson Ribeiro não sabia que era Luís Inácio Lula da Silva que comia uvas diante dele, juntamente com Geraldo Magela Pereira, o candidato do PT ao governo do GDF-2002. Ele espantou-se de ver um vendedor de sacos de lixo catando os caroços cuspidos pelo Lula, e não acreditou que o cara seria o tal. Achava que fosse alguém muito parecido. “Deixe de ser besta, rapaz. O Lula vem aqui, comer na rua?”, duvidou.

O “Vascão” não votará no pernambucano Luís Inácio, no segundo turno das eleições presidenciais, no próximo dia 30; “Votarei no (Jair) Bolsonaro porque ele bota no meu bolso R$ 600 mensais, dinheiro que me ajuda a comprar frutas pra vender e sobreviver. O Lula nunca me deu nada”, justifica o seu anunciado voto. E não não abre. Cobra do vendedor e sacos: “Você plantou um pé de uva, já colheu vários cachos e nunca conseguiu se aproximar do Lula pra oferecer-lhe uma uvinha, sequer. Ainda vai votar em quem não dá a mínima pra você?”

Édson Ribeiro passou 14 temporadas amigado com uma namorada. Tem três. Filhos. Quando começou a sua atividade comercial pelo Lago Norte havia mais cerrado do que residências pelo setor. “Nunca vi ninguém vendendo nada por aqui, naqueles tempos em que só tinha mato, barro e lama, quando chovia, o que me fazia colocar as frutas no chão chão, em cima de jornais. O primeiro que montou um quiosque foi Seu Moranguinho, pra vender melancias”, relata ele, que diz gastar R$ 11, diariamente, com passagens de ônibus para trabalhar. “As vezes, tem vascaíno que paga a minha passagem”, comemora.

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