ISABELLA MENON
FOLHAPRESS
Um adolescente de 14 anos confessou à Polícia Civil ter produzido e divulgado deepfakes de colegas em um site pornográfico no interior de São Paulo. Segundo a investigação, a motivação foi vingança depois que ele deixou uma escola particular e passou a se sentir rejeitado pelos antigos colegas.
Ao menos 14 amigas dele tiveram o rosto modificado, por meio de montagem, em imagens de nudez. As vítimas estudam em um colégio particular da cidade. As fotos foram publicadas em uma plataforma adulta com sede em Luxemburgo.
Casos de deepfake atingem adolescentes entre 12 e 17 anos em ao menos 10 estados do país Vulkanov/Adobe Stock Mão do A delegada Fernanda Hetem, titular da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Indaiatuba e responsável pelo caso, afirma que o adolescente admitiu ter mirado especialmente três colegas.
“Ele disse que queria se vingar de três meninas em especial. Para não ficar muito evidente que os alvos eram só essas três, resolveu fazer montagens com várias outras colegas também”, afirmou a delegada à Folha.
Segundo ela, o garoto contou que estudava na mesma escola particular das vítimas. Após problemas financeiros, a família o transferiu para uma escola estadual.
Ele relatou à polícia que, depois da mudança, passou a acreditar que os antigos colegas o evitavam por causa da mudança de padrão de vida. Dizia chamá-los para sair e, em seguida, via fotos deles reunidos sem sua presença.
O caso foi registrado em setembro, depois que uma das adolescentes viu o próprio rosto em uma imagem de nudez no site e procurou a polícia. A mãe acessou a página, reconheceu a filha em diferentes fotos e fez o boletim de ocorrência. Outras alunas descobriram as montagens na sequência.
A DDM identificou o site e enviou um ofício à empresa responsável, em Luxemburgo, pedindo dados da conta que havia feito as postagens.
Com essas informações, a polícia oficiou as empresas, que encaminharam dados de IP e endereços de acesso. Eles apontavam para dois imóveis em um mesmo condomínio de uma cidade no interior de São Paulo, em que moravam um menino e uma menina, ambos adolescentes.
A delegada pediu mandados de busca e apreensão para as duas casas. A operação foi realizada simultaneamente, para evitar troca de informações entre os adolescentes.
Na residência da garota, ela negou envolvimento e disse que havia compartilhado a senha do wi-fi com um colega -o adolescente que morava na outra casa. Na casa dele, a família foi informada de que todos os eletrônicos seriam recolhidos.
“Quando ele viu o desespero dos pais com a apreensão de notebooks, computadores e celulares, confessou. Os pais ficaram em choque, não imaginavam que tivesse sido ele”, diz Hetem.
O celular do garoto foi encaminhado para perícia no Instituto de Criminalística. Segundo a delegada, o inquérito já foi concluído e será agora remetido à Vara da Infância e Juventude.
De acordo com a policial, a circulação das imagens em um site estrangeiro fez com que algumas mães temessem que as filhas estivessem na mira de redes internacionais de exploração sexual.
“Teve mãe com medo de tráfico de mulheres, de sequestro, por ser um site internacional. Havia muita angústia. De modo geral, agora estão aliviadas por saber que se tratava de um adolescente querendo se vingar, e não de uma organização criminosa”, afirma.
Como o autor tem 14 anos, o caso é tratado como ato infracional. Nessa faixa etária não há prisão, mas possibilidade de aplicação de medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, como advertência, acompanhamento por equipe técnica e prestação de serviços à comunidade.
“Não é caso de internação. Ele não tinha antecedentes. Agora caberá ao Ministério Público e ao juiz da Infância definir qual medida será aplicada”, diz Hetem.
O caso reflete sobre ma uma tendência já observada por entidades que monitoram violência digital em escolas. Levantamento recente da Safernet, ONG que atua na defesa dos direitos humanos na internet, identificou dezenas de adolescentes vítimas de deepfakes sexuais em colégios brasileiros desde 2023, em sua maioria em instituições privadas.
COMO DENUNCIAR
No site da Safernet, é possível denunciar conteúdos, artificiais ou reais, de imagens de abuso e exploração sexual infantil, pelo link denuncie.org.br Relatos de vítimas de deepfakes podem ser feitos de forma anônima e segura diretamente por meio do formulário https://bit.ly/pesquisadeepfake ou com a ajuda de profissionais de saúde mental do canal de ajuda da SaferNet