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Brasil

Cadastro do SUS e sistema que emite certificado de vacina impedem uso de nome social

Algo semelhante acontece com os certificados de vacinação emitidos pelo ConectSUS, aplicativo do Ministério da Saúde

FolhaPress

28/01/2022 18h57

FOTO: DREW ANGERER/AFP

Victoria Damasceno
São Paulo, SP

Pessoas trans estão sendo impedidas de usar seu nome social em alguns dos principais cadastros do SUS (Sistema Único de Saúde). O problema acontece as vésperas do Dia da Visibilidade Trans, celebrado neste sábado (29).

A opção para incluir o nome social está bloqueada no Cadweb SUS, plataforma utilizada pelos servidores da saúde para consulta, alteração e inclusão de cadastro de pacientes do SUS.

Algo semelhante acontece com os certificados de vacinação emitidos pelo ConectSUS, aplicativo do Ministério da Saúde. Os certificados são emitidos com o nome de registro do usuário, mesmo se o nome social estiver cadastrado.

No caso do Cadweb SUS, o campo disponibilizado para inserir o nome social do paciente aparece como indisponível –é possível alterar todos os outros campos da ficha, menos esse. Servidores afirmam que perceberam o bloqueio há pelo menos um mês, mas o problema não foi resolvido.

Alguns estados e municípios possuem outros sistemas que podem ser utilizados no lugar do cadastro nacional e, assim, conseguem mitigar o prejuízo causado pelo erro. Na maioria das vezes, quando há a possibilidade de se usar outro programa, o sistema municipal ou estadual transfere os dados para o nacional, sobrepondo as informações, inclusive o nome social.

Outra alternativa tem sido colocar os dados através da plataforma do E-SUS para depois sincronizar com o CadSUS, uma ferramenta administrativa que concentra o cadastro nacional de usuários do SUS.

Funcionários informaram que os sistemas do Ministério da Saúde passaram a apresentar instabilidade desde os ataques hackers sofridos pela pasta em dezembro de 2021.

O Ministério da Saúde afirma, em nota, que a instabilidade do sistema se deu em decorrência da integração dos dados do CadSUS com as informações da Receita Federal, uma unificação que está sendo realizada dentro dos sistemas do Governo Federal.

De acordo com a pasta, a mudança ocorreu em cumprimento ao decreto nº 10.046/2019, que institui o Cadastro Base do Cidadão. A pasta não explicou porque somente o campo do nome social aparece bloqueado no cadastro do Cadweb SUS.

Caia Maria Coelho, pesquisadora e vice-coordenadora da Natrape (Nova Associação de Travestis e Transexuais de Pernambuco), recebeu as primeiras denúncias sobre o problema no sistema há cerca de um mês enquanto desenvolvia o trabalho de acompanhamento de políticas públicas para a população transexual em sua organização.

A pesquisadora conta que assim que o problema foi identificado o Ministério da Saúde foi notificado, mas não houve resolução.

“O nome social sumiu do dia pra noite, sendo que isso é uma garantia conquistada pela população trans e não obtemos resposta. Isso é muito preocupante”, diz. “É inadmissível que um erro aconteça nesse momento político de desmonte de vários direitos. É muito preocupante.”

Desde 2009 pacientes do SUS têm direito ao uso do nome social, independentemente do estabelecido no registro civil. Uma portaria do Ministério da Saúde de agosto daquele ano assegurou o nome de uso de preferência do usuário.

Bruna Benevides, secretária de articulação política da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), destaca que não garantir a inserção do nome social configura uma violação dos direitos humanos das pessoas trans e travestis.

“Nós temos um decreto federal que determina o reconhecimento e uso da identidade de gênero e do nome social das pessoas trans. Negar o nome social tem sido responsável pela exclusão de pessoas trans de diversos espaços” declara.

“As pessoas trans devem ter o direito ao nome social assegurado em todas as políticas públicas.” Os certificados de vacinação do ConectSUS também não estão emitindo o nome social dos pacientes. Os dados pessoais que constam no documento são o nome de registro civil, CPF, nome da mãe, nascimento, sexo e nacionalidade.

Os usuários que utilizam o nome social relatam que mesmo quando possuem a carteira nacional do SUS e o certificado de vacinação que é preenchido pelos agentes de saúde no ato da aplicação do imunizante atualizados com o nome social, o certificado online não é emitido corretamente.

Nicolas Barros, 28, diz que conseguia emitir o certificado com o nome social antes do ataque hacker sofrido pelo Ministério da Saúde. Desde então, seu nome de registro aparece no documento. No aplicativo, por outro lado, seus dados sempre estiveram desatualizados.

Barros sente que o sistema está ficou enfraquecido após os ataques, pois embora tenha suas informações atualizadas desde 2018, seu nome social não aparece em nenhum dos registros do SUS.

“Principalmente para as pessoas que possam estar em processo de retificação ou aqueles que tem mais disforia com tratamento social é algo que dificulta bastante. A gente luta muito para ter o nosso nome nos lugares, para se sentir representado, então é uma coisa que nós não deveríamos estar passando”, diz, se referindo à disforia de gênero, uma angústia persistente devido à incompatibilidade entre o gênero que a pessoa se identifica e o que lhe foi atribuído no nascimento, podendo estar associado a doenças como ansiedade e depressão.

O Ministério da Saúde não respondeu aos questionamentos sobre a ausência do nome social no certificado de vacinação.

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