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Brasileiros se arriscam na travessia aos EUA, e leste de Minas perde população e mão de obra

Dados do Serviço de Alfândega e Proteção das Fronteiras (CBP, na sigla em inglês) apontam que foram mais de 58 mil apreensões em 2021. O crescimento foi de 534% em relação a 2020, quando foram 9.147

FolhaPress

24/12/2021 7h28

Foto: Migrantes na fronteira (AFP)

Raquel Lopes, Ricardo Della Coletta e Pedro Ladeira
Brasília, DF

O produtor rural Pedro Alexandrino Filho, 34, sonhava desde criança melhorar de vida nos Estados Unidos. Quando se sentiu pronto, recorreu à migração irregular com a promessa de que chegaria bem. Não chegou.

Pedro morreu afogado na travessia do México para os EUA em setembro de 2020. Antes de migrar, como milhares de brasileiros que arriscam a vida na fronteira, o mineiro estava esperançoso.

“Eu tenho que passar, eu vou conseguir passar e realizar este sonho de ir para os Estados Unidos. Depois vou ajudar alguém da família que queira ir, mas não pretendo ficar muito tempo lá”, disse Pedro em uma mensagem de áudio para a irmã Angelita Gonçalves, 38, de Tarumirim, leste de Minas Gerais.

Nesta região do estado, onde está Governador Valadares, que a maioria das pessoas deixa a vida no Brasil para trás em busca de oportunidades nos EUA. Com isso, cidades perdem população e mão de obra.

O fluxo constante e crescente de partidas também deixa marcas. Angelita, que é balconista, não deu uma despedida considerada digna ao irmão. Hoje, ela guarda em casa cinzas do corpo que foi cremado no exterior.

“Eu queria o corpo dele, mas disseram que foi encontrado em estágio avançado de decomposição. Eu quero justiça porque sei que meu irmão sofreu, chegou a ficar detido e ninguém fez nada”, disse ela.

Pedro não foi o único a perder a vida. Desde 2020, oito brasileiros morreram, e dois estão desaparecidos, ao tentar fazer a travessia. Há ainda relatos de sequestros, estupros, extorsões e abandono no deserto.

As informações são da Polícia Federal e do Itamaraty, que voltam as atenções ao problema em razão da alta da migração irregular e dos riscos da empreitada, como vulnerabilidade diante de cartéis e quadrilhas mexicanos. Os coiotes, responsáveis pela travessia, geralmente estão fortemente armados.

João Francisco Campos da Silva Pereira, chefe da Divisão de Assistência Consular do Itamaraty, disse que semanalmente brasileiros entram em contato com o ministério para relatar desaparecimento de parentes ou amigos.

Há casos em que descobrem que o desaparecido está detido. No entanto, há episódios em que as autoridades americanas e mexicanas não têm nenhuma informação.

“O que a gente percebe é que muitas pessoas vão completamente desavisadas, sem saber onde estão se metendo. São pessoas mais vulneráveis, com grau de instrução mais baixo, com menos recursos financeiros”, disse Pereira.

Depois de um fluxo de migrantes reduzido em 2020 por causa da pandemia da Covid-19, a quantidade de brasileiros que tentaram entrar de forma ilegal nos EUA explodiu neste ano.

Dados do Serviço de Alfândega e Proteção das Fronteiras (CBP, na sigla em inglês) apontam que foram mais de 58 mil apreensões em 2021. O crescimento foi de 534% em relação a 2020, quando foram 9.147.

O Brasil é o sexto país com mais migrantes detidos em 2021. Perde somente para México, Honduras, Guatemala, El Salvador e Equador —os quatro primeiros geograficamente próximos aos EUA.

O aumento da migração é reflexo, entre outros fatores, do agravamento da crise econômica. Duval Fernandes, professor da PUC-Minas que estuda o tema, citou a situação de desesperança e a carência de oportunidades, especialmente no leste de Minas Gerais, como motores da nova onda de partidas.

“Migrar acaba se transformando no único caminho para que a pessoa possa realizar seu sonho “, disse Fernandes.

Esse fenômeno é sentido por quem presta assistência nos EUA. Liliane Costa, diretora-executiva da Brace (Brazilian American Center), disse que muitos levam um choque quando chegam ao país.

“Eles não sabiam o que iam enfrentar, são convencidos no Brasil de que aqui é a oitava maravilha. Eles vêm muito iludidos, achando que vão ganhar US$ 1.000 por semana, mas não sabem quanto custa o aluguel de uma moradia. Aqui não tem abrigo, tem gente morando em hotel, dentro de carro”, afirmou.

A Brace é uma organização sem fins lucrativos que acolhe migrantes. Geralmente é na entidade que brasileiros pedem informações quando chegam a Framingham, em Massachusetts.

O cônsul-geral do Brasil em Boston, Benedicto Fonseca Filho, relatou em telegrama no início deste mês que tem observado a chegada significativa de brasileiros pela fronteira sul dos EUA.

“O intenso e contínuo fluxo de novos imigrantes brasileiros em todo o estado tem produzido situações que, em alguns casos, permitem avaliar que se estaria chegando a perigoso ‘ponto de saturação’, com o esgotamento da possibilidade de acolhida de novos alunos nas escolas públicas, pressão sobre os serviços de saúde, e exaurimento das ofertas de postos de trabalho”, relatou Fonseca Filho em documento obtido via LAI (Lei de Acesso à Informação).

Enquanto cidades americanas lotam de brasileiros, municípios do leste mineiro perdem população, mão de obra, receita e fecham escolas. Governador Valadares, Tarumirim, Alpercata e Itanhomi enfrentam dificuldade para encontrar empregada doméstica, pedreiro, mecânico.

O prefeito de Tarumirim, Marcílio Bonfim, disse que, por causa da migração, 1.800 famílias foram embora somente em 2021. Com a debandada até de crianças, três escolas foram desativadas.

“A saída das pessoas acaba fazendo o município perder receita do fundo de participação, por exemplo, No entanto, a construção civil está aquecida por causa de muitas pessoas que vão e mandam dinheiro para a família”, disse Bonfim.

Cerca de 60% das obras são financiadas por quem migrou, segundo Laís de Paula Silva, secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Tarumirim. Ela disse que já perdeu cerca de 40 funcionários para a migração, até mesmo concursados.

“Toda família tem alguém que foi para os Estados Unidos. Minha mãe e meu pai mesmo foram em 1996 e voltaram em 2000”, contou Silva.

Rafael França, prefeito de Alpercata, afirmou que a migração desde 2020 fez a cidade ver a população ser reduzida em 5%, o que corresponde a cerca de 350 pessoas.

Ele disse que mão de obra está tão escassa que tem pedreiro que assume obra somente em 2023. Porém, França admitiu que na região falta emprego. Com salários baixos, muitos querem sair.

Na região?, Governador Valadares se transformou em um dos principais polos de migração e concentra historicamente o maior número de brasileiros que tentam entrar nos EUA. Não à toa a cidade tem até a Praça do Emigrante.

Há casas de câmbio e agências de turismo espalhadas pela cidade. O dólar circula pela região, tanto que moradores dizem que a cidade é conhecida como Valadólares.

Cidades do entorno absorvem essa influência. O gesseiro Rafael Sérgio, 23, morador da área rural de Tarumirim, tentou a travessia. “No Brasil tem muita pobreza, a comida está cara, a gasolina está cara. Queria ter um futuro melhor”, disse.

Ele ficou cinco meses preso à espera da deportação no Texas. Voltou ao Brasil em setembro deste ano. Segundo Sérgio, foram dias difíceis, ao dormir no chão e algemado por pés, mãos e barriga.

O jovem chegou ao Brasil em voo fretado dos EUA com deportados. Autoridades brasileiras autorizaram duas partidas semanais, mas pediram que os americanos parem de impor algemas durante o voo, não enviem doentes e não separem famílias.

Quem tenta entrar pela fronteira do México recorre a contrabandistas. Na região de Governador Valadares, há prestadores desse serviço ilegal que cobram até US$ 25 mil e oferecem falsificação de documento e aluguel de crianças.

Promover a migração ilegal virou crime em 2017. Desde então, a PF tem focado a prática que já se tornou a terceira mais lucrativa no Brasil —perde apenas para tráfico de armas e de drogas. Só em 2021 o crime movimentou R$ 8 bilhões.

“O emigrante não comete crime no Brasil. O criminoso é quem promove e explora essas pessoas como mercadoria. É como se estivessem exportando um escravo que chega lá com uma dívida enorme para pagar ao contrabandista”, disse Daniel Ottoni, delegado da PF em Governador Valadares.

Apesar de a maioria dos deportados ser mineira, autoridades brasileiras já acenderam o sinal de alerta com outros estados. Depois de Minas Gerais, lideram a lista Rondônia e Espírito Santo.

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