PATRÍCIA CAMPOS MELLO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
O Brasil é o país do WhatsApp. Embora não seja a nação com o maior número de usuários do aplicativo —está atrás da Índia e da Indonésia—, é o país que mais envia mensagens de áudio no mundo, quatro vezes mais do que qualquer outro, e dispara a maior quantidade de mensagens de texto e de conversas que desaparecem.
“O Brasil, por causa da intensidade do uso do WhatsApp, é fundamental [para a Meta]”, disse à Folha Will Cathcart, presidente do WhatsApp.
Segundo o executivo, o aplicativo vai continuar gratuito, sem anúncios em sua caixa de entrada, e aposta nos serviços de mensagem para empresas como um dos principais geradores de receita —a área já gera faturamento de US$ 10 bilhões anuais no WhatsApp, Facebook Messenger e Instagram.
Cathcart afirma que manterá a parceria com o Tribunal Superior Eleitoral e vai aperfeiçoar mecanismos para detectar envios de disparos em massa para impedir mau uso do aplicativo nas eleições municipais brasileiras no ano que vem.
Quais são os planos do WhatsApp para as eleições do próximo ano? No Brasil, temos pleitos em mais de 5.000 cidades. Existem adaptações ou recursos para evitar o uso indevido do WhatsApp?
Temos nos concentrado em aprender com as eleições recentes. Fizemos uma série de mudanças em produtos ao longo dos anos. Continuamos expandindo essas mudanças, tornando mais difícil o encaminhamento de mensagens, criando fricções, para o usuário pensar um pouco sobre o que está encaminhando antes de encaminhar.
Mais recentemente, com mensagens que foram encaminhadas muitas vezes, facilitamos a pesquisa no Google e trabalhamos com eles na qualidade da ferramenta.
Além disso, trabalhamos muito no combate a disparos de mensagens em massa. Aumentamos muito nossa capacidade de detectar e banir pessoas que estão criando várias contas para enviar mensagens em massa. E manteremos nossa parceria com o TSE [Tribunal Superior Eleitoral], trabalhando com checadores de fatos.
Sei que vocês não divulgam números atualizados, mas o Brasil ainda é o terceiro maior mercado para o WhatsApp, e a Índia, o primeiro? (em 2017, a empresa divulgou que tinha 120 milhões no Brasil).
Nós não divulgamos os números. Mas sim, como você esperaria, a Índia tem o maior número de pessoas usando o WhatsApp. O Brasil é o terceiro, atrás da Indonésia. A questão é que, no Brasil, não apenas há um dos maiores números de usuários no mundo. O Brasil é o país do WhatsApp, o uso per capita é muito alto.
É o país que envia mais mensagens no WhatsApp. De longe, o Brasil é o país que mais envia mensagens de áudio no mundo, quatro vezes mais do que qualquer outro.
Quando entrei no WhatsApp, na primeira semana fui ao Brasil. Saí convencido de que deveríamos adicionar mensagens que desaparecem, porque ouvimos várias pessoas no Brasil e em pesquisas qualitativas [focus groups] falarem sobre isso. Hoje o Brasil é o país que envia mais mensagens que desaparecem no WhatsApp. O Brasil, por causa da intensidade do uso do WhatsApp, é fundamental [para a Meta].
Existem números ou exemplos que mostram como o Brasil é um país tão voltado para o WhatsApp?
A maioria das mensagens já enviadas, o maior número de áudios enviados, o maior número de mensagens que desaparecem, tudo isso é do Brasil. No país, temos ótimos exemplos de como as pequenas empresas usam a plataforma. Com os canais lançados recentemente, estamos começando a ver muitos veículos de mídia, ONGs e celebridades chegando até as pessoas e sendo acessíveis pelo WhatsApp.
No Brasil, a etiqueta sobre enviar ou não mensagens de áudio é um tema controverso. Existe alguma tese sobre por que o Brasil envia o maior número de mensagens de áudio?
Acho que faz parte desse uso intenso. As pessoas usam muito os recursos. Com as mensagens de áudio, temos tentado melhorar a experiência do usuário a partir de sugestões. Já se pode ouvir a mensagem de áudio em velocidade 2x. Outra mudança foi permitir que as pessoas ouçam a mensagem de áudio, mas voltem para sua caixa de entrada enquanto ela ainda está sendo reproduzida. Porque as pessoas querem aproveitar o tempo para fazer outras coisas.
O WhatsApp contesta no Supremo Tribunal da Índia uma legislação que poderia resultar na quebra da criptografia do aplicativo. O sr. também criticou o projeto de Lei de Segurança Online do Reino Unido pelos mesmos motivos. Estamos discutindo a regulamentação no Brasil. O sr. está preocupado com a regulamentação que está sendo discutida no Brasil? E o quão grave é o fato de o Reino Unido e a Índia discutirem medidas que poderiam comprometer a criptografia?
É preocupante. Sempre fomos muito claros ao afirmar que acreditamos que as pessoas devem poder conversar umas com as outras sem que uma empresa esteja ouvindo, e é por isso que a criptografia é tão importante para o WhatsApp.
No Brasil, todo mundo fala pelo WhatsApp. Não acho que seria apropriado nós podermos ver o que todos estão dizendo, seria perigoso. Se tivéssemos acesso ao que todos estão dizendo, hackers poderiam conseguir acesso, governos estrangeiros também.
É muito importante para os direitos humanos, para a democracia liberal e para a segurança da internet que tenhamos segurança, privacidade. É preocupante para mim quando os países propõem coisas que minariam essa privacidade.
No Brasil, achamos que, obviamente, há muitas coisas boas a serem feitas em relação a mensagens em massa e eleições etc. Mas não achamos que a solução seja tirar a privacidade das pessoas.
Qualquer proposta de rastreabilidade compromete a criptografia?
Se uma autoridade quiser saber quem disse determinada coisa, a maneira de fazer isso é manter um registro de tudo que as pessoas disseram, e não achamos que devemos manter esse registro em comunicação privada, de alguém falando com a mãe, com seu cônjuge, uma fonte falando com um jornalista, um paciente falando com um médico. Acho perigoso pedir às empresas que mantenham registros.
O sr. acabou de mencionar comunicações privadas. O Whatsapp lançou os canais recentemente no Brasil. Essas são funcionalidades que se afastam da comunicação um para um. É uma comunicação um para muitos, uma transmissão, mais parecido com o Telegram. Qual é a ideia por trás disso?
Ambas as ideias surgiram ao observarmos como as pessoas estavam usando o WhatsApp e o que elas nos diziam. No caso das comunidades, por exemplo, vimos muitas organizações usando o WhatsApp para se comunicar, especialmente durante a pandemia de Covid, para divulgar informações sobre a doença, distanciamento social ou vacinas, e, durante as eleições, vimos as autoridades eleitorais usando.
As comunidades e os canais também possuem criptografia de ponta a ponta?
As comunidades, sim. Gostaríamos de adicionar a opção de canais pequenos e criptografados, por exemplo, talvez uma empresa queira divulgar informações apenas para seus funcionários ou uma escola apenas para os pais.
Mas, para canais grandes, com 1 milhão de pessoas, a criptografia não faz sentido. Temos acesso ao conteúdo e podemos aplicar regras e diretrizes de uma maneira diferente. Não dá para alguém enviar mensagens secretamente para milhões de pessoas no WhatsApp, não permitimos.
E os canais têm uma política de moderação?
Sim, existem regras sobre o que não é permitido. As pessoas também podem fazer denúncias. E removeremos os canais se eles estiverem violando as diretrizes.
Quais são os principais geradores de receita do WhatsApp?
Existem dois. Queremos ser um ótimo lugar para as pessoas conversarem com empresas quando quiserem, e vemos muitas pessoas no Brasil fazendo isso —conversando com o restaurante para entrega de comida, com o cabeleireiro para marcar um horário.
Podemos oferecer a essas empresas serviços extras pagos, como ajudar pequenas empresas com anúncios no Facebook ou Instagram. São anúncios do tipo clique para o WhatsApp, porque muitas dessas pequenas empresas não têm um site. É muito mais fácil do que fazer um site, o cliente apenas clica no anúncio e é direcionado para o WhatsApp da empresa.
A outra coisa é voltada para grandes empresas. O WhatsApp é gratuito, mas, se você é uma grande empresa, não pode ter todos os seus clientes enviando mensagens para um único telefone. No caso da Folha, ou de uma companhia aérea ou uma rede de supermercados, não dá para fazer isso.
Mas, se você quiser que os clientes se comuniquem com você, você pode integrar através da nossa API. As mensagens irão para um sistema de atendimento ao cliente e cobramos por isso. Hoje, incluindo WhatsApp, [Facebook] Messenger e Instagram, as ferramentas de mensagens da Meta para empresas são um negócio de US$ 10 bilhões por ano e em crescimento.
É uma ótima ferramenta para oferecer maneiras extras para elas atenderem seus clientes, conseguimos construir um negócio. É muito diferente do modelo que você vê em geral para o Facebook ou Instagram. É focado em comunicação de clientes com empresas.
Uma reportagem recente no jornal nipo-britânico Financial Times dizia que a Meta estava discutindo colocar anúncios no WhatsApp.
A matéria alegava que íamos colocar anúncios na caixa de entrada. Não estamos fazendo isso, nem discutindo isso. Não achamos que esse seja o modelo certo. As pessoas, quando abrem sua caixa de entrada, não querem ver propaganda.
Então o WhatsApp vai continuar sendo gratuito e sem anúncios?
Sim, na sua caixa de entrada e na sua experiência de mensagens. A razão pela qual eu qualifiquei a resposta é que poderia haver anúncios em outros locais —canais ou status. Por exemplo, canais poderiam cobrar para que as pessoas se inscrevam, poderiam ser exclusivos para membros pagos, ou os proprietários talvez queiram promover o canal. Mas, não, não vamos colocar anúncios na caixa de entrada.
Vocês já estão implementando algumas funcionalidades de IA no WhatsApp, fora do Brasil. Quais delas estarão disponíveis em breve para os usuários do WhatsApp no Brasil?
Sim. Precisamos garantir que eles funcionem muito bem, especialmente em vários idiomas. Falamos sobre figurinhas (stickers), as pessoas adoram figurinhas, mas precisam escolher um que esteja no aplicativo ou exista. Com figurinhas de IA, é possível digitar o que quiser e criar um sticker, você pode digitar “pinguim de gravata borboleta” ou “cachorrinho triste”, o que quiser. É um jeito de tornar as mensagens mais divertidas.
Outra coisa é que temos os agentes de IA, com quem você pode conversar, trocar mensagens, e ele responde às suas perguntas. Ele pode dar ideias, pesquisar na internet e dar informações recentes e precisas. Obviamente, trata-se de IA, então estamos aprendendo. Mas trata-se de uma maneira de acessar informações sem ter que pesquisar na internet, entrar em sites.
O último que já anunciamos, e esperamos que chegue ao Brasil em breve, é a IA para ajudar as empresas a responderem aos seus clientes. Se você é uma grande empresa ou uma empresa de médio porte e normalmente não consegue responder a todos os clientes rapidamente, você poderia ter um agente de IA para responder algumas das perguntas iniciais, informações mais básicas. Depois disso, entraria um humano para fechar o negócio ou resolver uma questão mais difícil de atendimento ao cliente.
As empresas já têm chatbots, o que é ótimo, mas com IA poderíamos fazer com que o chatbot seja capaz de realmente conversar em português, e responder a quase qualquer pergunta. Seria incrível chegar a esse ponto.
Sabemos do potencial da IA generativa para ter “alucinações” ou ser usada para desinformação. Como vocês estão lidando com isso em termos de ter chatbots com IA?
A Meta tem trabalhado com parceiros do setor, como a Microsoft, para validar e avaliar a IA, utilizando várias técnicas para treinar a IA a responder corretamente e como evitar viés.
RAIO-X
- Will Cathcart, 40, é presidente do WhatsApp. Formado em economia matemática na Universidade Colgate, ele chefia o WhatsApp desde março de 2019 e, antes, foi vice-presidente de produtos no Facebook e gerente de produtos no Google.