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Brasil

Anistia de dívidas na Ancine pode resolver caso de ‘O Som ao Redor’ na Justiça

Filme foi acusado de irregularidades com edital em governos Temer e Bolsonaro, mas estaria incluído na decisão da agência

FolhaPress

30/01/2023 14h59

Cena do filme “O Som ao Redor” – Foto: Divulgação

PEDRO STRAZZA

Entre as mais de 4.000 produções audiovisuais que podem ser beneficiadas pela decisão de prescrição de dívidas aprovada pela Ancine, a Agência Nacional do Cinema, na última terça-feira (24), um caso que chama a atenção é o de “O Som ao Redor”, de Kleber Mendonça Filho.

O filme teve o status de suas contas questionado pelo Ministério da Cultura em 2018, durante o governo Temer. Na época, concluiu-se que a produção teria vencido um edital de forma irregular, pedindo a devolução da verba com juros.

A cobrança seguiu-se para o governo Bolsonaro, que ordenou em 2019, pelo Diário Oficial, a restituição de R$ 2,2 milhões ao Fundo Nacional de Cultura.

O caso precedeu uma onda de reprovação de contas de produções audiovisuais pela Ancine, que incluiu filmes como “Xuxa e o Tesouro da Cidade Perdida”, de 2004, e “Trair e Coçar É Só Começar”, de 2006. Entre 2020 e 2021, a agência decidiu que 3.678 projetos com prestação de contas em aberto tinham que devolver aos cofres públicos o valor integral de verbas recebidas em editais, com multa de 50% sobre o débito.

A resolução assinada esta semana na Ancine, porém, declara a prescrição de prestações de contas de filmes e séries não analisados pelos servidores do órgão em cinco anos, com o governo perdendo o direito de cobrar ou penalizar proponentes depois desse período. Como o filme é de 2013 e a investigação foi concluída em 2018, o caso poderia ser declarado como expirado.

O edital federal que é centro da discórdia no processo de “O Som ao Redor” é um do Ministério da Cultura destinado a filmes de baixo orçamento. Vencido em 2009 pela produção, ele determinava que seriam aceitos projetos com “orçamento de, no máximo, R$ 1,3 milhão”.

As contas submetidas pela equipe à Ancine, porém, apontaram um orçamento de R$ 1.494.991, um valor 15% superior ao limite máximo estabelecido pela pasta na ocasião.

A irregularidade foi detectada e informada à Secretaria do Audiovisual em 2010, mas acabou ignorada, permitindo a “O Som ao Redor” a captação de R$ 1.709.978.

Denunciado à ouvidoria do ministério, uma investigação foi conduzida a partir de 2017. No ano seguinte, quando o caso veio a público, Mendonça Filho publicou uma carta aberta classificando as acusações como “injustas”, alegando que a devolução da verba seria uma “punição inédita no cinema brasileiro”.

“Creio que podemos concordar que o resultado final dessa multa absurda para ‘O Som ao Redor’, decidida internamente e na esfera administrativa do Ministério da Cultura, irá inviabilizar, de forma grosseiramente burocrática, nosso trabalho como produtores de cinema, um trabalho exemplar sob qualquer análise feita.”

A carta de nada adiantou. Em maio de 2019, já no governo Bolsonaro, o Diário Oficial publicou uma ordem de restituição do mesmo valor pela produção do filme, e o caso seguiu ao Tribunal de Contas da União.

Já a decisão da Ancine esta semana é parte de medidas tomadas para agilizar a análise de prestações de contas de projetos próximos de vencerem, o que segundo a agência torna “mais eficiente e efetiva a fiscalização dos recursos públicos”. A manobra em tese resolve um problema histórico: desde a sua criação em 2001, a Ancine lida com processos antigos graças a um pacote de 1.500 casos herdados do MinC.

Considerado pela crítica um dos melhores filmes brasileiros da década passada, “O Som ao Redor” foi escolhido representante do Brasil na disputa do Oscar de Melhor filme estrangeiro em 2014.

Procurados pela reportagem, Kleber Mendonça Filho e Emilie Lesclaux, produtora de “O Som ao Redor”, não responderam até a publicação do texto.

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