Menu
Na Hora H!

Mulher é resgatada após viver 39 anos em situação análoga à escravidão

Segundo o MPT, a paraibana era mantida em ambiente insalubre e degradante, onde cuidava sozinha de quase 100 cães

Redação Jornal de Brasília

04/02/2022 18h02

Foto: Agência Brasil

Uma mulher foi resgatada em uma residência em Campina Grande após viver 39 anos em situação análoga à escravidão. Segundo o ministério, a paraibana de 57 anos era submetida a jornadas exaustivas, sob pressão psicológica e em ambiente insalubre e degradante, onde cuidava sozinha de quase 100 cães.

A mulher foi resgatada durante operação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) iniciada no último dia 30 de janeiro e encerrada na quarta-feira (2), com a participação de auditores fiscais do Trabalho, Polícia Federal, Defensoria Pública e Ministério Público do Trabalho (MPT)

O Ministério Público do Trabalho na Paraíba (MPT-PB) ajuizou ação solicitando autorização judicial para que a equipe pudesse ingressar na residência do empregador e resgatar a trabalhadora. O MPT-PB também solicitou apoio do Centro de Zoonoses de Campina Grande, que colaborou com a ação dando suporte aos auditores fiscais, já que havia um grande número de animais no local.

“O Ministério Público do Trabalho participará de reunião para o pagamento das verbas rescisórias à trabalhadora e assinatura de Termo de Ajuste de Conduta com o empregador. Caso não haja o pagamento de forma consensual, o MPT vai ingressar com ação civil pública para o cumprimento de todas as obrigações previstas em lei e pagamento de todos os direitos da trabalhadora, inclusive indenização por danos morais coletivos e individuais”, informou o procurador do Trabalho Raulino Maracajá.

Segundo a coordenadora da operação, a auditora fiscal do Trabalho Lidiane Barros, a ação foi complexa, como costumam ser as operações em âmbito doméstico. “A trabalhadora foi arregimentada da sua cidade de origem pelo empregador e sua família para trabalhar como doméstica. Cuidava dos patrões idosos, limpava a casa, arrumava e cozinhava, além dos cuidados com a matriarca da família que ficou acamada e com dificuldades de locomoção. Ainda, a empregada vivia um processo de coação psicológica que a levava a aceitar as condições indignas de trabalho com afirmações de que ela teria responsabilidades com os idosos por ser uma pessoa considerada da família”, relatou.

Há 5 anos, a carga de trabalho da doméstica havia aumentado consideravelmente com o cuidado de cerca de 100 cães adotados pelos patrões. Esse trabalho era feito todos os dias da semana, inclusive domingos e feriados. Apesar de a empregada receber valores referentes ao salário mínimo mensal, 13º e férias, não havia a possibilidade do efetivo gozo do descanso semanal remunerado, feriado e das férias de 30 dias. Apesar de ter folgas eventuais nos feriados de São Pedro e Ano Novo, nunca pôde ficar mais de quatro dias fora do trabalho.

Jornadas Exaustivas

A jornada da trabalhadora iniciava por volta das 7h e se encerrava após a meia-noite em virtude do elevado número de cães e da obrigação de limpar toda a casa e espaços destinados ao abrigo dos animais, além de alimentá-los (preparação do fígado de galinha, arroz, cuscuz e ovos, distribuição nas vasilhas e fornecimento escalonado para os grupos de cachorros).

“A trabalhadora estava submetida a jornadas exaustivas de trabalho, uma das modalidades de trabalho análogo ao de escravo, pois foi verificado que exercia atividades intensas sem o repouso necessário, uma vez que trabalhava de domingo a domingo, aproximadamente 16 horas por dia, sem os descansos intra e interjornada garantidos em lei”, explicou a auditora.

As atividades diárias também envolviam limpar e lavar os canis, limpar fezes e urinas dos cachorros tanto na parte externa, quanto dentro da casa. Havia em média 15 a 30 cachorros alojados no interior da casa.

Adoecimento do Trabalho e moradia

Durante a operação, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel verificou também que a trabalhadora possuía um adoecimento das unhas das mãos, o qual, segundo o seu próprio relato, “[…]esse problema na unha começou quando começou a pegar sabão, água sanitária e ficar muito com a mão na água; que não sabe se tem a ver com os cachorros; que as unhas coçam, doem e ficam inchadas; que quer ficar boa do problema, mas tem que passar pela médica; que incomodam tanto que já pensei em colocar água fervendo nos próprios dedos para ver se “matava” a bactéria; […]”.

Segundo a auditora fiscal do Trabalho Lidiane Barros, tal situação, associada às coceiras pelo corpo da trabalhadora, pode ser enquadrada como adoecimento em virtude do trabalho, tendo em vista o contato diário com urina, fezes e vômitos dos aproximadamente 100 animais do canil e dentro da casa.

Com base em informações apuradas, foi elaborado pela auditoria-fiscal do Trabalho um relatório preliminar da situação, com base no qual o Ministério Público do Trabalho solicitou autorização judicial para ingresso na residência e assim foi concedido. O ingresso na residência ocorreu com o apoio do Centro de Controle de Zoonoses de Campina Grande-PB, e constatou-se que a casa tinha um cheiro extremamente forte de fezes, urina e vômitos decorrente da grande concentração de animais.

A trabalhadora resgatada contou que costumava dormir em um quarto com cama e armário, mas foi apurado pelo Grupo Móvel que em um determinado momento o colchão que a trabalhadora usava foi destinado às cadelas em trabalho de parto e a trabalhadora dividia um colchão de solteiro com a idosa da qual cuidava. Quando a saúde da idosa piorou, a resgatada passou a dormir em uma mesa na cozinha. Ao saber da situação, familiares deram uma rede à trabalhadora, a qual usava até então.

Na quarta-feira (2), a equipe levou a trabalhadora resgatada para casa de familiares no interior da Paraíba e a auditoria fiscal do trabalho emitiu a guia de seguro-desemprego especial para trabalhador resgatado.

Pós-Resgate         

Após o resgate, o empregador foi notificado para quitar as verbas rescisórias e o pagamento das diferenças salariais considerando horas extras e seus reflexos, adicional noturno e seus reflexos, valores referentes à não concessão do intervalo intrajornada, adicional de insalubridade de 20% (conforme NR 15, anexo 14), férias vencidas, férias proporcionais e férias com período aquisitivo completo, férias concedidas e não gozadas, descanso semanal remunerado, feriados trabalhados; recolher o FGTS e as contribuições sociais previstas e será autuado por submeter trabalhadora doméstica à condição análoga à escravidão.

A empregada doméstica resgatada terá direito ao recebimento de três parcelas do Seguro-Desemprego especial do Trabalhador Resgatado, no valor de um salário-mínimo cada.

Por parte da Defensoria Pública Federal, o defensor público Douglimar Morais informou que “a Defensoria Pública da União está representando a trabalhadora e vai propor um acordo ao empregador para pagamento de todas as verbas rescisórias devidas e um valor a título de dano moral individual para reparar toda a exploração de trabalho e dano à saúde física e mental da empregada. Não sendo aceito a proposta, ingressará com as medidas judiciais cabíveis. Além disso, está acompanhando a empregada junto aos órgãos de serviço social e de saúde para garantir atendimento médico e psicológico visando resgatar à sua dignidade, a sua saúde e reconstrução social.”

A assistência social de Cuité-PB prestou o acolhimento necessário à trabalhadora, no qual recebeu atendimento médico e da assistência social. Conforme informações da coordenadora do CREAS, Emilene de Vasconcelos, “A trabalhadora resgatada foi encaminhada para o Centro de Atenção psicossocial-Caps e agendamento da primeira consulta psiquiátrica, além do acompanhamento psicológico. Já no dia 3, houve visita domiciliar para acolhimento e articulação com a rede de Saúde para os encaminhamentos das seguintes especialidades médicas: Dermatologista, ginecologista, cardiologista e exames com o clínico geral.”

As informações são do MPT

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado