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Mães fazem vigília na Justiça de SC para recuperar filhos enviados para adoção

Com cartazes e camisetas, elas pedem a volta dos filhos, enviados para famílias substitutas por decisão da Justiça

FolhaPress

05/08/2022 8h34

Foto: Arquivo Pessoal

Mauren Luc
Curutiba, PR

Onze mães se revezam há três semanas na frente da Vara de Família de Blumenau (SC). Com cartazes e camisetas, elas pedem a volta dos filhos, enviados para famílias substitutas por decisão da Justiça.

“Não vamos sair daqui sem nossos filhos”, diz Antonia Sousa, 36, que trabalha apenas um período para, no outro, poder voltar para frente do Fórum. É assim com todas as mães ali, conta a auxiliar de serviços gerais que tem duas filhas.

Em 2020, quando foi ao hospital ter a caçula, deixou a mais velha sob os cuidados do Conselho Tutelar, pois era mãe solo e estava sem acompanhante. Com problemas na gravidez, ficou internada por três meses com o bebê prematuro. Ao sair, afirma que precisou provar a questão de saúde para conseguir a menina de volta.

“Desde então, eles [Conselho Tutelar] sabem todos os meus passos”, diz. Segundo ela, as filhas nunca ficaram sozinhas, não sofreram violação sexual e nunca passaram fome. “Agora levaram as duas”, conta. Entre a retirada das duas crianças do lar, em abril de 2022, até a destituição do poder familiar, para adoção, se passaram 79 dias.

O argumento dos conselheiros seria a baixa frequência frequência escolar, mas a mãe afirma que as faltas foram justificadas. “Nem fizeram o estudo social com minha tia, que poderia ficar com elas. Como em dois meses decidem a vida de duas crianças”, questiona.

Quem realiza o estudo social das famílias em vulnerabilidade é, inicialmente, a Assistência Social do município, após medidas de proteção ou pedidos feitos pelo Conselho Tutelar. Os relatórios de análise são apresentados ao Ministério Público, que avalia se apresenta, ou não, o processo ao Poder Judiciário, que é quem decide se devolve a criança à família ou a encaminha para adoção.

O número de adoções em Blumenau passou de seis, em 2019, para 46 em 2021. Os dados são do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e mostram que, no município —entre janeiro de 2018 e agosto de 2022— 177 crianças e adolescentes foram retirados de suas famílias. Nesse período, foram autorizadas mais adoções (110) do que reintegrações (64) às suas famílias de origem.

O fato de a cidade ter registrado mais adoções do que devoluções para as famílias chama a atenção. Levantamento feito pela Folha mostra que em outras grandes cidades catarinenses, como Florianópolis e Joinville, a tendência é inversa. Na capital, por exemplo, de 240 crianças retiradas, 160 foram reintegradas e 66, adotadas.

Segundo o ECA (Estatuto de Criança e do Adolescente) adoção é uma medida de exceção, sendo a reintegração na família de origem a regra. Para a destituição do poder familiar, as faltas devem ser graves, reiteradas e com esgotamento dos recursos para o retorno à família.

Segundo o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, nos casos de Blumenau os pais biológicos não apresentaram melhora quanto a situações de vulnerabilidade e risco, sendo constatada sua inaptidão “para exercerem o poder familiar sobre os filhos, além da falta de interesse ou impossibilidade da família extensa obter a guarda”.

No entanto, as mães dizem que foram desrespeitadas quanto à análise das provas, à avaliação de uma possível família extensa —parentes que poderiam ficar com as crianças— e ao apoio para deixar a situação de vulnerabilidade social.

A vendedora Carla Mello, 29, confirma que tinha emprego e residência quando levaram seus dois filhos, de 1 e 4 anos. “Eu não uso drogas e sofria violência doméstica. Eu fui agredida e ainda perdi meus filhos.”

As crianças foram retiradas da mãe em fevereiro de 2022 e, hoje, já estão em contato com outra família. “Minha avó quis ficar com elas, mas disseram que não tinha vínculo afetivo”, relata.

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) acompanha os casos e solicitou à prefeitura reavaliação cautelosa dos laudos sociais das famílias. “A mulher já é vitimizada por tudo o que passa e, ainda assim, os filhos são retirados dela. A mulher sempre penalizada e sofrendo violências”, afirma Lenice Kelmer, da Comissão de Direitos Humanos da entidade em Santa Catarina.

Para a advogada Rosane Martins, também da comissão, há falha na política pública de acolhimento dessas mães. “É a criminalização da pobreza”, diz. Opinião semelhante tem o defensor público da Infância de Blumenau, Albert Lima. “Acham que estão fazendo caridade pra criança, tirar da família que não tem muita renda, estrutura, emprego ou moradia pra colocar em outra supostamente melhor”, afirma.

Procurada, a Prefeitura de Blumenau informa que “processos envolvendo crianças seguem em sigilo, portanto não é possível fornecer mais informações sobre os casos”.

O Ministério Público de Santa Catarina diz não comentar casos em sigilo, mas afirma que todos foram analisados criteriosamente.

Sobre a alternativa de entregar as crianças para a família extensa, o Tribunal de Justiça diz que, nos casos citados, os parentes não tinham condições de garantir os direitos das crianças.

A respeito da vontade das mães de ficar com os filhos, o TJ fala que isso não basta. “Ela tem que demonstrar que mudou/melhorou o seu comportamento, aquele que demandou o acolhimento.”

O órgão destaca que o interesse considerado é sempre o da criança, seu desenvolvimento físico, emocional e psicológico, “o que não é o caso das situações acima mencionadas”.

?Em Blumenau há hoje 27 crianças e adolescentes aptos para adoção e 11 em aproximação com outras famílias. Na fila da adoção estão 197 pretendentes.

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