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Jovens negros são mortos em ação policial e moradores acusam PMs

Os próprios militares chegaram a levá-los para o Hospital Geral do Estado, mas os jovens já chegaram na unidade sem vida.

Redação Jornal de Brasília

02/03/2022 14h10

Foto: Reprodução/Redes sociais

Em uma comunidade às margens da baía de Todos os Santos, em Salvador, três jovens negros foram mortos durante uma ação policial na madrugada desta terça-feira, 1. De acordo com a Polícia Militar, alguns agentes foram chamados para atender uma denúncia de que homens armados estariam em um estabelecimento comercial e foram recebidos por disparos assim que chegaram no local. A versão da polícia é negada por moradores, que alegam que os militares atiraram sem haver confronto.

Cleberson Guimarães e Patrick Sapucaia, ambos de idades não informadas, e Alexandre dos Santos, de 20 anos, estavam em um bar por volta das 2h. A polícia alega que houve trocas de tiros e que, depois dos jovens serem baleados, foram encontradas armas e drogas com eles.

A versão da PM, de que foram recebidos a tiros pelos rapazes, é contestada por familiares e vizinhos. Conforme relatos coletados pelo UOL, o trio estava bebendo no local quando bombas de gás lacrimogêneo foram lançadas na direção deles.

Os próprios militares chegaram a levá-los para o Hospital Geral do Estado, mas os jovens já chegaram na unidade sem vida.

Em nota, a Polícia Militar respondeu que a equipe de Rondas Especiais Baía de Todos os Santos foi acionada depois de receber a informação de homens armados na área de Gamboa. Na versão da corporação, os agentes foram recebidos por disparos de armas de fogo efetuados por um grupo quando faziam incursões.

“Após o revide e posterior progressão no terreno, as equipes encontraram três homens caídos ao solo em posse de armas de fogo e drogas. Já os outros suspeitos conseguiram fugir. Os feridos foram socorridos pela guarnição para o Hospital Geral do Estado (HGE), onde não resistiram”, diz o comunicado

Ainda segundo a PM, durante prestação de socorro, manifestantes jogaram entulhos, obstruíram a pista em ambos os sentidos e hostilizaram as guarnições, que solicitaram reforços. Foram apreendidos, de acordo com os agentes, em posse dos três suspeitos um revólver calibre 38; duas pistolas, sendo uma de calibre .40 e outra de calibre 380; 177 papelotes de maconha; 233 pinos e dez embalagens de cocaína; 130 pedras de crack; três aparelhos celulares; uma balança eletrônica, R$ 172,00 em espécie e um relógio de pulso…

O caso foi registrado na Corregedoria-Geral da PM.

“Pegaram meu filho para matar”

Mãe de Alexandre, a auxiliar de vendas Silvana dos Santos, 41, disse a UOL que despertou com o barulho de tiros e decidiu sair de casa para ver o que estava acontecendo. Ao descobrir que Alexandre, o segundo de oito filhos, era um dos rapazes baleados, ela tentou evitar que o jovem fosse colocado no porta-malas de uma viatura.

Nesse momento, Silvana relata que ficou na mira de uma arma apontada por um PM. “Meu filho ainda estava vivo, pedia por socorro. Mas apontaram a arma para a minha cabeça, e não tive mais o que fazer”, lamentou, enquanto se preparava para liberar o corpo do jovem no IML (Instituto Médico Legal) da capital baiana.

A auxiliar de vendas acredita que o assassinato foi premeditado e que, na ocasião, os policiais usavam capuzes para esconder os rostos.

“Esses policiais pegaram o meu filho e os outros dois rapazes pra matar. Se não fosse isso, eles não estariam encapuzados”, diz.

Silvana conta que o filho trabalhava como vendedor de roupas por encomenda na própria comunidade. Segundo ela, pouco antes de ser morto, o rapaz voltava da casa da namorada e parou para tomar cerveja com Cleberson e Patrick.

Um grupo de moradores da Gamboa, inconformado com a versão que a PM apresentou, protestou durante a manhã na avenida Contorno, vizinha à Gamboa. Durante a manifestação, as pistas foram fechadas e um longo engarrafamento no local foi ocasionado.

“Se não fosse esse protesto, nem o pessoal dos direitos humanos viria aqui para saber o que aconteceu. Ficaria como se fosse a morte de um cachorro. Mas não foi o que aconteceu. A polícia encurralou três meninos que nada deviam. Depois que mataram, eles [os militares] lavaram até a casa lá. Usaram lençóis que estavam em um varal e plantaram armas e drogas, como sempre fazem. Queremos que a justiça seja feita”, declarou uma líder comunitária, que pediu para ter a identidade preservada.

Em uma nota assinada conjuntamente, a Articulação dos Movimentos e Comunidades do Centro Antigo de Salvador e demais entidades criticam o que veem como mais um caso de execução sumária cometida por forças de segurança do Estado.

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021, em levantamento mais recente feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com dados do ano de 2020, 75,3% das vítimas de homicídio no Brasil eram pessoas negras. Entre as pessoas mortas por policiais, 78,9% são negras.

Não existe, na esfera do poder público, uma divulgação transparente de dados oficiais nacionais sobre homicídios ou sobre mortes provocadas por policiais nas regiões brasileiras. O governo brasileiro também não disponibiliza dados nacionais sobre as investigações e punições de homicídios.

Leia a íntegra da nota de repúdio

“A Articulação dos Movimentos e Comunidades do Centro Antigo de Salvador e entidades abaixo listadas denunciam a operação da polícia militar da Bahia na comunidade pesqueira da Gamboa de Baixo. Foram executados sumariamente pela polícia os jovens: Patrick Sapucaia, Alexandre Santos e Cleberson Guimarães.

A violência policial permanece como prática corriqueira e naturalizada contra moradores da Gamboa de Baixo. Os depoimentos de testemunhas apontam que as mortes dos jovens não foram decorrentes de resistência e que não houve qualquer reação ou troca de tiros. A polícia não agiu em legítima defesa! Afirmamos que toda pessoa tem direito à vida, ao devido processo legal e a um julgamento imparcial, sendo inadmissíveis execuções arbitrárias como aconteceu…

Os corpos das vítimas foram removidos e o local das execuções foi alterado, impossibilitando, por óbvio, a apuração dos fatos. Além das execuções e tiros aleatórios foram atiradas bombas de gás na Comunidade, de cima da avenida Contorno. A operação não se funda em qualquer mandado de busca e apreensão, como determina a lei! A Polícia Militar da Bahia é considerada a mais letal do Nordeste e é líder em mortes por chacinas, segundo dados do relatório “A vida resiste: além dos dados da violência”, da Rede de Observatórios da Segurança. Esses números reforçam a política do estado de genocídio da população negra…

A Gamboa de Baixo é uma comunidade tradicional do início do século XX, autodeclarada comunidade pesqueira, classificada como Zona Especial de Interesse Social-ZEIS 5 na Lei Municipal no 9069/2016, Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador. Os (as) moradores e moradoras da comunidade são sujeitos de direitos e merecem respeito!

Uma ação violenta e arbitrária como essa não pode ficar impune! Exigimos o afastamento e responsabilização dos envolvidos. Que o Estado investigue criteriosamente as execuções e todas as demais ilegalidades causadas por seus agentes de segurança contra a comunidade da Gamboa de Baixo nessa madrugada, respeitando o protagonismo das vítimas e seus familiares…

  • Artífices da Ladeira da Conceição da Praia
  • Associação Amigos de Gegê dos Moradores da Gamboa de Baixo
  • Centro Cultural Que Ladeira é Essa?
  • Movimento Nosso Bairro é 2 de Julho
  • Movimento dos Sem Teto da Bahia (MSTB)
  • Coletivo Vila Coração de Maria Grupo de Pesquisa Territorialidade, Direito e Insurgência (UEFS)
  • Grupo Margear- Faculdade de Arquitetura da UFBA
  • SAJU- Serviço de Apoio Jurídico da Faculdade de Direito da UFBA
  • MLB
  • Coletivo Resistência Preta
  • Coletivo Trama
  • Campanha Zeis Já
  • Observatório da Mobilidade Urbana de Salvador
  • Residência AU+E (FA-UFBA)
  • Grupo de Pesquisa Ecologia Política, Desenvolvimento e Territorialidades (PPGTAS-UCSAL)
  • Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU)
  • Grupo de Pesquisa Territórios em Resistência (PPGTAS-UCSAL)
  • Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM)
  • Grupo de Pesquisa Lugar Comum (PPGAU-UFBA)
  • IDEAS – Assessoria Popular
  • CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço
  • GAMBÁ – Grupo Ambientalista da Bahia”

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