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Estudantes e professores da rede pública relatam obstáculos do ensino à distância durante a quarentena

Falta de acesso à internet, aos computadores e de espaço em casa, além dos problemas sociais e da sobrecarga de trabalho dos professores são alguns dos problemas relatados

Redação Jornal de Brasília

05/05/2020 11h27

A falta de acesso à internet, aos computadores e de espaço em casa, além dos problemas sociais e da sobrecarga de trabalho dos professores são alguns dos problemas relatados por alunos e professores das redes públicas de ensino.

Por causa da pandemia do novo coronavírus, muitas instituições de ensino, públicas e privadas, recorrem às plataformas on-line de aprendizado. No entanto, a desigualdade social tem impedido muitos alunos de terem acesso ao novo método de ensino.

São várias as histórias dos alunos e dos professores que enfrentam, diariamente, diversos obstáculos da educação remota.

O professor de didática do Instituto Singularidades (SP), Mauricio Canuto, explica que a medida aplicada nas escolas é um regime emergencial de ensino remoto e não pode ser enquadrado na definição de educação à distância.

“Não é uma situação estruturada: faltam equipamentos, não há acesso à internet, as pessoas não dominam as tecnologias digitais. A EAD pressupõe que todos estejam conectados e integrados”, relatou Mauricio ao Portal G1.

A professora de sociologia de uma escola estadual de Venâncio Aires (RS), Larissa Bittencourt, conta que suas turmas de ensino médio têm alunos de diferentes classes sociais e alguns moram em zona rural, o que já era um desafio para o ensino presencial. Agora, durante o ensino remoto, os alunos ficam incapazes de participar por não terem acesso à internet.

Uma pesquisa realizada pelo em 2019, pelo TIC Domicílios, divulgou que apenas 44% dos domicílios da zona rural brasileira têm acesso à internet. Em áreas urbanas o índice é de 70%.

Ao analisar alunos de diferentes classes sociais, o estudo encontra uma diferença ainda mais acentuada. Entre os mais ricos (classes A e B), 96,5% das casas têm sinal de internet; nos patamares mais baixos da pirâmide (classes D e E), 59% não consegue navegar na rede.

Os aluno se viram como podem. Um deles é Guilherme Lima, de 15 anos, que estuda na rede estadual de Caieiras, município na zona metropolitana de São Paulo.

“A gente tem celular, mas sinto muita falta de um computador ou de um tablet. Fica difícil de enxergar alguns conteúdos na tela pequena”, disse Guilherme ao Portal G1. “Sinto que estou ficando com o conteúdo muito defasado, não entendo a matéria. Enquanto alguns têm dois ou três notebooks em casa e só usam um, a gente não tem nenhum.”

Professores

Além dos alunos, professores também relatam a falta de aparato tecnológico para ministrar as aulas.  A professora de geografia Juliana Souza relatou que está indicando vídeos e leituras para os estudantes. “Não pretendo gravar aulas, porque preciso aceitar minha realidade. Não tenho aparelhos com tecnologia suficiente”, explicou ao Portal G1.

O professor Roberto Azevedo dá aula para alunos de 7 e 8 anos, em uma escola municipal no Capão Redondo-SP. Ele conta da dificuldade de entrar em contato com alguns alunos, devido à falta de registros de números telefônicos funcionais.

“Não consigo falar com algumas famílias, estou muito preocupado. Uma delas é a de um aluno que não conhece ainda as vogais. Pedi ajuda para os outros pais, quero descobrir onde ele mora. Vou imprimir atividades na minha casa e levar, de carro, até a casa dele. Coloco luva, máscara, tudo certinho, só não quero que ele fique afastado tanto tempo”, afirma o professor.

Além disso, o corpo docente das instituições públicas está sobrecarregado. Azevedo explica que, desde que as aulas foram suspensas, passou a trabalhar em regime integral.

“Acordo e durmo trabalhando. A escola pediu para estipularmos um horário, mas os pais nunca estão disponíveis durante o dia, porque também têm seus empregos. Uma mãe sempre chega às 23h e me manda mensagem com dúvida. Vou deixar de responder? Não vou”, diz.
Ele afirma que, “se der as costas para as mães, elas também vão dar as costas”. “A gente sabe da realidade das famílias. Sabe que os pais não têm obrigação de saber ajudar como se fossem professores. Então, reforço que podem me procurar a qualquer hora, que nenhuma dúvida é boba”, completa.

Falta de espaço

Muitos alunos também reclamam da falta de espaço em casa. A garçonete Samantha Zduniak mora em uma casa com quarto e cozinha, com mais cinco pessoas: três filhos em idade escolar, com aulas remotas, e duas irmãs, sendo uma aluna de curso à distância. Sabrina, de 17 anos, é uma das filhas de Samantha que está estudando para o vestibular. A mãe relata que a filha precisa esperar que Samantha chegue em casa, para poder usar o aparelho celular.

Exclusão e problemas sociais

Cristiane Irineu é mãe dos gêmeos autistas não-verbais: Gabriel e Lucas, de 16 anos.  A mãe relata que os jovens não recebiam, nas aulas presenciais, conteúdos ou avaliações adaptados e estavam apenas fisicamente da aula. Sem a possibilidade de participarem da aula, por não serem alfabetizados e não poderem se expressar verbalmente, essas adaptações seriam o único meio de inclusão dos gêmeos. 

Foto: Arquivo pessoal

“Agora, então, estão mais excluídos ainda. A escola não mandou nenhuma atividade diferenciada para eles. Só videoaulas para os que não têm deficiência. Eles estão em casa, desocupados, ansiosos”, relatou Cristiane.

“A educação tem um caráter importantíssimo de proteção social. A grande maioria das crianças e dos adolescentes da rede pública vive em vulnerabilidade. A merenda vai fazer falta. As aulas presenciais tiram os alunos de ambientes de violência física, sexual e psicológica”, afirma Raquel Franzin, coordenadora da área de educação no Instituto Alana

“Precisamos cultivar o vínculo deles com o processo de estudar, de aprender. Não é apenas cumprir horas ou enviar tarefas. Os conteúdos impostos não consideram, em geral, a realidade do aluno”, finaliza

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