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Trump usa brecha para levar pena de morte a Estados que proíbem execuções

No corredor da morte federal americano há 62 condenados, mas críticos e advogados temem que esse número aumente em breve. Segundo a especialista Andrea Lyon, os processos federais quase quadruplicaram sob Trump

Marcus Eduardo Pereira

08/09/2019 19h42

WASHINGTON, DC – APRIL 18: U.S. President Donald Trump looks on during an event recognizing the Wounded Warrior Project Soldier Ride in the East Room of the White House, April 18, 2019 in Washington, DC. Today the Department of Justice released special counsel Robert Mueller’s redacted report on Russian election interference in the 2016 U.S. presidential election. (Photo by Drew Angerer/Getty Images)

“Traga de volta a pena de morte”, dizia o anúncio de página inteira veiculado em jornais de Nova York em 1989. Quem pagou foi o magnata Donald Trump, que defendia a retomada da pena capital. Nova York permanece entre os 21 Estados que não executam condenados, mas 30 anos depois, agora como presidente, Trump levantou a moratória federal de 2014 sobre a pena de morte, aumentando os riscos de um cidadão ser executado nesses Estados. 

Com a decisão, anunciada em julho, seu governo comunicou que as primeiras cinco execuções estão programadas para ocorrer entre 9 de dezembro e 15 de janeiro de 2020. É quase o dobro de execuções conduzidas pelo governo desde que a pena de morte foi instituída para crimes federais, em 1988 – a pena capital voltou a ser permitida pela Suprema Corte em todo os EUA em 1976. A última execução do governo federal foi em 2003.

No corredor da morte federal americano há 62 condenados, mas críticos e advogados temem que esse número aumente em breve. Segundo a especialista Andrea Lyon, os processos federais quase quadruplicaram sob Trump. “Há tantos processos federais envolvendo pena de morte que os escritórios e ONGs não estão conseguindo encontrar pessoas qualificadas o bastante para ajudar (na defesa dos acusados)”, disse Andrea ao Estado. 

Advogada de dois homens que podem ser condenados à morte, Andrea afirma que as pessoas ficam surpresas com sua atuação em Illinois, um Estado onde a pena capital foi abolida em 2011. A grande mudança no país sob Trump, segundo ela, é o que passou a ser considerado crime federal passível de execuções. 

“A pena de morte está em declínio nos EUA há muito tempo. O que tem acontecido, desde que Trump assumiu, é que promotores e procuradores federais estão retirando a jurisdição de casos ordinários que pertencem aos Estados e levando para a esfera federal. Isso é atípico e perturbador por muitas razões”, disse.

Precedentes

De acordo com o Death Penalty Information Center, instituto que concentra informações sobre pena capital, a execução federal é autorizada para uma variedade de crimes que diretamente implica em interesse federal, incluindo terrorismo e espionagem. 

No entanto, segundo o centro, nenhum dos cinco prisioneiros, cujas execuções foram agendadas para este ano, se encaixam nesse perfil. Apenas 1 dos 62 condenados, atualmente no corredor da morte federal, foi sentenciado por terrorismo – Dzhokhar Tsarnaev, que atacou com explosivos a Maratona de Boston, em 2013.

“O governo federal está impondo a pena de morte a Estados que a rejeitaram”, afirma Andrea. “Procuradores federais deveriam estar processando políticos corruptos, indo atrás de fraudadores de bancos, fazendo coisas que o Estado não pode fazer. Mas, em vez de atuarem nesses casos, estão lidando com crimes de rua.” 

O problema desse cenário, na avaliação de Ruth Friedmnan, diretora do Federal Capital Habeas Project, é a precariedade desses processos. “Em vez de ser aplicada a um grupo específico de crimes hediondos de interesse federal, com advogados qualificados e recursos dos dois lados, a pena de morte federal é arbitrária, racista, tendenciosa e repleta de problemas na defesa e nos recursos científicos forenses”, afirmou Ruth.

De acordo com Andrea, não há uma explicação clara para a federalização dos crimes, uma vez que a violência tem caído nos EUA nos últimos 30 anos – entre 30% e 40%. Em comunicado, em julho, o Departamento de Justiça afirmou, ao justificar sua decisão, que o governo devia “às vítimas e às famílias avançar com a sentença imposta pelo sistema de Justiça” e, por isso, seguia uma orientação do presidente para aplicar sentenças mais duras para crimes violentos. 

A advogada, porém, vê uma tentativa de impulsionar a pena de morte no momento em que o apoio a ela vem se reduzindo nos EUA. A última pesquisa do Instituto Gallup, em 2018, mostrou que, pela primeira vez, menos da metade dos entrevistados (49%) disseram acreditar que a pena de morte é aplicada de maneira justa nos EUA. 

A persistência da pena capital, segundo ativistas, é particularmente preocupante quando se considera os problemas que ela envolve como, por exemplo, os custos. De acordo com Andrea, é mais caro para o Estado conduzir um processo envolvendo uma pena de morte do que manter o prisioneiro detido. Além disso, nesses casos, a margem de erro é bastante alta e mais comum do que em outros crimes, segundo Andrea, por mexer muito mais com o aspecto emocional. 

Veja quem está na fila para execução

Daniel Lewis Lee: Membro de um grupo racista que assassinou três da mesma família, incluindo uma menina de 8 anos.

Lezmond Mitchell: Matou uma mulher de 63 anos a facadas e obrigou sua neta, de 9, a assistir, antes de matá-la também.

Wesley Ira Purkey: Sequestrou, estuprou e matou uma adolescente de 16 anos e,em seguida, desmembrou seu corpo.

Alfred Bourgeois: Abusou, torturou e assassinou sua filha de apenas 2 anos e 6 meses. Sua execução está programada para janeiro.

Dustin Lee Honken: Com a ajuda da namorada, também condenada à morte, matou 5 pessoas, incluindo 2 crianças.

Para lembrar: Ataque no Central Park

Um dos casos mais emblemáticos envolvendo a pena de morte e o presidente americano, Donald Trump, foi a condenação de cinco adolescentes em um episódio no Central Park. Em abril de 1989, a polícia prendeu cinco garotos do Harlem – quatro negros e um latino – com idades entre 14 e 16 anos, suspeitos de terem estuprado e espancado uma corredora do parque. 

Submetidos a interrogatórios agressivos comandados pela promotora Linda Fairstein, sem a presença de advogados e, por algumas horas, sem seus pais, eles confessaram. A vítima não se lembrava de nada em razão dos ferimentos na cabeça. Mesmo sem nenhuma prova, o júri os declarou culpados. 

O anúncio de Trump pedindo a volta da pena de morte ao Estado de Nova York foi publicado nesse contexto. Os jovens ficaram entre 7 e 13 anos na cadeia até que, em 2002, o verdadeiro culpado admitiu ter praticado o crime, o que foi comprovado com testes de DNA. Os jovens foram soltos e Trump nunca se desculpou pelo anúncio. A história é contada na minissérie da Netflix Olhos que Condenam, da diretora Ava DuVernay.

Após a estreia da série, Fairstein entrou em desgraça. Petições online pediram o boicote de seus livros e sua expulsão de diversas associações. Depois de uma enxurrada de críticas, ela deixou organizações como a Safe Horizon e a Joyful Heart Foundation, que ajuda vítimas de violência sexual, e o Vassar College, onde estudou. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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