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Militares temem que Trump arranhe ‘neutralidade política’ das Forças Armadas

As mudanças abruptas levantaram temores sobre o que Trump pode tentar fazer em seus últimos dois meses de mandato

Redação Jornal de Brasília

12/11/2020 14h33

As palavras ditas pelo principal oficial militar dos Estados Unidos soavam familiares, mas no meio de uma semana caótica no Pentágono, elas foram particularmente comoventes. “Somos únicos entre os militares”, disse o general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto. “Não fazemos juramento a um rei ou rainha, tirano ou ditador. Não fazemos juramento a um indivíduo.”

Milley falou na noite de quarta-feira, 11, na inauguração de um museu do Exército, na mesma semana em que viu o presidente Donald Trump despedir o secretário de Defesa Mark Esper e instalar três pessoas leais a ele em cargos políticos do Pentágono. As mudanças abruptas levantaram temores sobre o que Trump pode tentar fazer em seus últimos dois meses de mandato – e se a histórica neutralidade política dos militares dos Estados Unidos poderia ser enfraquecida.

Os comentários de Milley, feitos ao lado do sucessor de Esper, o chefe da Defesa em exercício, Christopher Miller, refletiram uma visão pela qual ele sempre foi apaixonado: o dever inequívoco dos militares de proteger e defender a Constituição – o que ele chamou de “estrela do norte moral” para todos que usam uniforme

Mas sua mensagem em tempos de turbulência, com Trump se recusando a admitir sua derrota nas eleições, era inequívoca: os militares existem para defender a democracia e não devem ser usados como peões políticos. “Fazemos um juramento à Constituição”, disse Milley, acrescentando que todo membro das Forças Armadas “protegerá e defenderá esse documento independentemente do preço pessoal”.

Os motivos de Trump para a sacudida do Pentágono não são claros, mas isso criou uma grande inquietação dentro do Pentágono. Ele estava simplesmente atacando Esper e outros que ele considerava pouco leais? Existe um plano mais amplo para decretar mudanças políticas que Trump poderia fazer em seus últimos dias como comandante-chefe?

Ou, no cenário mais extremo, Trump tentaria fazer com que os militares o ajudassem a permanecer no cargo após o dia da posse? Milley recuou contra essa última possibilidade, dizendo ao Congresso que “no caso de uma disputa sobre algum aspecto das eleições, por lei, os tribunais dos EUA e o Congresso dos EUA são obrigados a resolver quaisquer disputas, não os militares”.

Ele disse que os militares não devem se envolver na transferência de poder após uma eleição.

Trump vinha vez mais irritado com Esper, que discordava de seu desejo de usar o serviço militar da ativa durante os distúrbios civis em junho. Esper também havia trabalhado com líderes militares para dissuadir Trump da retirada total das tropas da Síria e do Afeganistão.

Não se sabe se o motivo das mudanças rápidas de Trump no Pentágono são políticos, para preencher os principais cargos com partidários mais receptivos a ele e ajudar em qualquer esforço para impedir a transição suave do poder para o presidente eleito Joe Biden. Acelerar a retirada de tropas também pode ser uma meta – mas há um conjunto bastante limitado de outras opções.

Burocracia

Mudanças rápidas e radicais nas últimas 10 semanas de Trump são improváveis no Pentágono, que se orgulha de seu planejamento exaustivo. O Pentágono é uma burocracia enorme e não gira em torno de um único aspecto. Enquanto o departamento está enraizado no alicerce democrático de um poder militar controlado por civis, os membros do Estado-Maior Conjunto são poderosos assessores presidenciais, com décadas de experiência, e armados com documentos detalhando as possíveis consequências das ações de Segurança Nacional.

Até o momento, os comandantes militares não receberam novas ordens. E os principais líderes militares – incluindo Milley – estão aconselhando paciência e estabilidade. Eles estão projetando que os Estados Unidos permaneçam uma potência mundial forte e confiável, e que a situação fique estável.

A maioria está observando o Afeganistão como um possível termômetro. Trump fala há muito tempo sobre como tirar as tropas de lá, enquanto os líderes militares pedem uma retirada mais metódica, que lhes dê tempo para retirar o equipamento e aplicar pressão sobre o Taleban durante as negociações de paz. Cumprir o objetivo de retirar todas as tropas pode ser o golpe final de Trump como comandante-chefe.

Ao longo de quase quatro anos, Milley e seu antecessor, o general da marinha Joseph Dunford, conseguiram frear ou moldar os impulsos da Casa Branca em questões de guerra. Eles argumentaram com sucesso contra a retirada de todas as forças dos EUA da Síria e desaceleraram as retiradas de tropas no Afeganistão para preservar o status de negociação dos EUA com o Taleban e ficar de olho no ressurgimento de militantes do Estado Islâmico.

Milley se juntou a Esper para persuadir Trump a não usar tropas da ativa para reprimir a agitação civil. Mas em outras questões políticas, os líderes do Pentágono fizeram continência e marcharam em frente. Eles encontraram maneiras de usar o dinheiro do Departamento de Defesa para ajudar a construir o muro prometido de Trump na fronteira com o México, criaram sua tão desejada Força Espacial, contornaram a proibição explícita da bandeira confederada e se afastaram de mudar bases militares batizadas com o nome de generais confederados.

Ansiedade

Esper também transmitiu a mensagem de Trump sobre o aumento dos gastos com defesa para os aliados da OTAN, com sucesso modesto. As mudanças abruptas de pessoal nesta semana, no entanto, aumentaram a ansiedade do pessoal civil e militar no Pentágono.

Além de substituir Esper pelo ex-diretor do Centro Nacional de Contraterrorismo, Trump instalou os leais Anthony Tata como subsecretário de política e Esra Cohen-Watnick como subsecretário de inteligência em exercício. James Anderson, que atuava como subsecretário de política, e Joseph Kernan, que era subsecretário de inteligência, renunciaram na terça-feira.

Miller também trouxe seu próprio chefe de gabinete, Kash Patel, que estava entre o pequeno grupo de auxiliares que viajou extensivamente com Trump durante a reta final da campanha. E ele trouxe Douglas MacGregor, uma voz fervorosa pela retirada do Afeganistão, como um conselheiro sênior.

Miller falou pouco sobre seus planos. Durante suas primeiras reuniões com os principais líderes da defesa nesta semana, ele reservou um tempo para expor sua biografia – que inclui seu serviço como boina verde do Exército e uma passagem como secretário-assistente do Pentágono para operações especiais. Participou de videochamadas, incluindo sobre a pandemia, e falou com comandantes combatentes.

A inauguração do Museu Nacional do Exército dos EUA em Fort Belvoir, Virgínia, na quarta-feira, foi seu primeiro evento público, e ele o usou para falar sobre seu alistamento e orgulho no serviço militar. Ao seu lado estavam Milley, o secretário do Exército Ryan McCarthy e o chefe do Estado-Maior do Exército, general James McConville. Todos dicursaram – e o nome de Trump e a eleição não foram mencionados.

Estadão Conteúdo

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