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Militares reprimem protestos contra golpe em Mianmar e deixam 4 feridos

Vídeos publicados nas redes sociais mostram um grupo de pessoas abrigadas sob o que parece ser um ponto de ônibus.

Redação Jornal de Brasília

09/02/2021 10h56

São Paulo, SP

Um dia depois de fazer ameaças contra os manifestantes, a polícia de Mianmar usou canhões de água e balas de borracha para dispersar os atos de oposição ao golpe de Estado nesta terça-feira (9). Testemunhas também relataram o uso de munição letal, mas a informação ainda não foi oficialmente confirmada.

Ao menos quatro pessoas ficaram feridas. Uma delas, de acordo com um médico ouvido por jornalistas sob condição de anonimato, é uma mulher que teria levado um tiro na cabeça e está em estado grave.

Vídeos publicados nas redes sociais, cuja autenticidade ainda não foi comprovada, mostram um grupo de pessoas abrigadas sob o que parece ser um ponto de ônibus.

A alguns metros, agentes da tropa de choque estão em formação. É possível ver jatos dos canhões de água usados contra os manifestantes e, em dado momento, ouvem-se disparos.

Uma mulher que, segundo as publicações, tem cerca de 20 anos, parece ser atingida e cai repentinamente. Nas imagens, ela aparece usando um capacete de motociclista. Em outras postagens, há fotos do capacete perfurado por um projétil.

“Ela ainda não faleceu, está na unidade de emergência, mas é 100% certo que a lesão é fatal”, disse o médico de um hospital em Naypyitaw, capital de Mianmar. Segundo ele, exames de imagem mostraram uma bala alojada na cabeça da paciente.

Ainda de acordo com relatos de médicos da capital, os outros feridos não correm risco de morrer e ainda não se sabe se os ferimentos foram causados por balas de borracha ou munições reais.

Mianmar tem um histórico violento de repressão a protestos. Na revolta de 1988, mais de 3.000 manifestantes foram mortos pelas forças de segurança do país durante atos contra o regime militar.

A junta que agora comanda o país depois de prender toda a cúpula do governo civil -incluindo a conselheira de Estado Aung San Suu Kyi e o presidente Win Myint- proibiu ajuntamentos de mais de cinco pessoas em várias regiões e estabeleceu um toque de recolher das 20h às 4h em Rangoon e Mandalay, as duas maiores cidades do país.

Desde o golpe militar em 1º de fevereiro, os mianmarenses vinham se organizando em campanhas de desobediência civil, marcadas por atos menores e por greves de profissionais de saúde, professores e funcionários do governo pré-golpe.

Durante o último final de semana, porém, o movimento de resistência ganhou força e levou dezenas de milhares de pessoas às ruas das principais cidades do país para exigir a volta da democracia e a libertação dos presos políticos.

“O principal é que não queremos um golpe”, disse uma manifestante de 24 anos em Rangoon à agência de notícias Reuters. “Se nós, jovens, não sairmos [às ruas], quem o fará?”

Uma das principais demandas é a liberdade de Suu Kyi, que, na prática, governava o país. Ela foi detida sob uma acusação obscura de violação de normas comerciais -ela teria importado ilegalmente seis walkie-talkies–, e ao menos outros 150 líderes políticos foram presos, de acordo com a Associação de Assistência aos Presos Políticos.

Os ativistas também buscam a abolição da Constituição de 2008, elaborada sob supervisão militar, que concedeu aos generais o direito ao veto no Parlamento e o controle de vários ministérios,.

Outro fator que parece ter incentivado a população a aderir aos protestos foi o ceticismo com que foi recebida a promessa do general Min Aung Hlaing, chefe das Forças Armadas que agora governa o país.

Nesta segunda-feira (8), ele disse que a junta militar formaria uma “democracia verdadeira e disciplinada”, diferente das eras anteriores que trouxeram anos de isolamento e pobreza –Mianmar viveu sob uma ditadura militar de 1962 a 2011.

“Teremos uma eleição multipartidária e entregaremos o poder a quem vencer”, disse Hlaing, repetindo a promessa feita no dia do golpe, segundo a qual haverá uma transição pacífica de poder assim que forem realizadas “eleições justas e livres”.

Ao assumirem o poder, os militares declararam um estado de emergência que deve durar um ano. O próprio Hlaing, entretanto, afirmou na semana passada que pode continuar no poder após esse período para coordenar a realização de um novo pleito.

As últimas eleições parlamentares em Mianmar foram realizadas em novembro do ano passado. A grande vencedora foi a Liga Nacional pela Democracia (LND), partido de Suu Kyi.

A legenda, que comanda o país desde 2015, obteve 83% dos votos e conquistou 396 dos 476 assentos no Parlamento no pleito de novembro, mas foi impedida de assumir quando o golpe foi aplicado no dia da posse da nova legislatura. O Partido da União Solidária e Desenvolvimento, apoiado pelos militares, obteve apenas 33 cadeiras.

O golpe recebeu duras críticas da comunidade internacional. Líderes políticos de diversas nacionalidades pediram o restabelecimento do governo democraticamente eleito e a libertação de todos os presos civis.

Nesta terça, o governo das Filipinas quebrou o silêncio dos países do sudeste asiático, que vinham tratando a situação em Mianmar como “um assunto interno”, e pediu a “restauração completa do status quo”.

A Nova Zelândia, também nesta terça, anunciou a suspensão de todos os contatos políticos e militares com Mianmar. O governo de Jacinda Ardern afirmou ainda que garantirá que qualquer ajuda enviada ao país não beneficie os militares e que imporá restrições à entrada de seus líderes em território neozelandês.

Diversos chefes de Estado da União Europeia também se posicionaram contra a tomada de poder pelos militares, assim como o governo dos Estados Unidos, que considera a tomada de poder em Mianmar um golpe de Estado. Na prática, isso implica em restrições à assistência que os americanos oferecem ao país. Os EUA também estudam sanções contra indivíduos e entidades controladas pelos militares.

O Ministério das Relações Exteriores do Brasil, por sua vez, não mencionou golpe militar ou presos políticos em uma nota divulgada sobre o assunto e limitou-se a dizer que tem a expectativa de “um rápido retorno do país à normalidade democrática e de preservação do Estado de Direito.”

CRONOLOGIA DA HISTÓRIA POLÍTICA DE MIANMAR

1948: Ex-colônia britânica, Mianmar se torna um país independente
1962: General Ne Win abole a Constituição de 1947 e instaura um regime militar
1974: Começa a vigorar a primeira Constituição pós-independência
1988: Repressão violenta a protestos contra o regime militar gera críticas internacionais
1990: Liga Nacional pela Democracia (LND), de oposição ao regime, vence primeira eleição multipartidária em 30 anos e é impedida de assumir o poder
1991: Aung San Suu Kyi, da LND, ganha o Nobel da Paz
1997: EUA e UE impõe sanções contra Mianmar por violações de direitos humanos e desrespeito aos resultados das eleições
2008: Assembleia aprova nova Constituição 2011: Thein Sein, general reformado, é eleito presidente e o regime militar é dissolvido
2015: LND conquista maioria nas duas Casas do Parlamento
2016: Htin Kyaw é eleito o primeiro presidente civil desde o golpe de 1962 e Suu Kyi assume como Conselheira de Estado, cargo equivalente ao de primeiro-ministro
2018: Kyaw renuncia e Win Myint assume a Presidência
2020: Em eleições parlamentares, LND recebe 83% dos votos e derrota partido pró-militar
2021: Militares alegam fraude no pleito, prendem lideranças da LND, e assumem o poder com novo golpe de Estado

As informações são da FolhaPress

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